food, art & spirits

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sábado, 28 de maio de 2011

COISAS QUE PERDEMOS PELO CAMINHO II

Pensava ontem à noite no ótimo post do Blog do Bérgamo, sobre como as coisas ficaram complicadas num dado momento. Tudo o que é simples no universo da gastronomia & seus congêneres está caindo em desuso. A análise de um simples copo americano neste ótimo texto pode se expandido para todos os setores deste segmento, onde comer ficou uma complicação. E tome espumas, alimentos modelados para parecerem outros (me recusei a comer uma cenourinha feita não sei do quê em um restaurante recentemente), comidas imatéricas - do ponto de vista gastronômico I´m a Material Man, ok? - pratos tão elaborados que, se o comensal iniciar a comê-lo de uma forma que não foi a que pensou o criador deste, arrisca levar uma bronca do Mâitre, e coisas quetais.
E eis que hoje, em virtude de ter ido comer uma coxinha comentada num restaurante no Baixo Augusta, que me garantiam as redes sociais estar aberto - e que não estava, óbvio! - acabei (ou melhor seria dizer ME ACABEI) na Rostisserie Bologna, antiga casa paulistana que serve frango assado, lagarto a vinagrete, cuscus paulista & otras receitas clássicas de nossa culinária. Pedi na hora uma coxa creme,
 iguaria que acrescentou dígitos à minha silhueta desde tempos da faculdade no Mackenzie. Quando ela chegou, estranhei - cadê o ossinho que segurava a coxa? Olhei no expositor e todas as coxinhas estavam nesta nova versão, mais clean, mais "sofisticada"...Será que ninguém pensou que a carne junto ao osso, quando assada ou cozida, tem um sabor inigualável? E que segurar a coxinha pelo ossinho, além de tudo, remete a tempos imemoriais, quase pré-históricos, reafirmando nossa masculinidade?
Como ainda pedi um camarão empanado - este sim original até o rabo (literalmente falando, ok?), e um pequeno cuscus para arrematar (por favor, evitem as imagens de duplo sentido nesta frase...), achei que se redimiram no conjunto da obra. Ao pagar a conta, decidi finalizar esta refeição de modo coerente - pedi um Sonho de Valsa, que não comia há muito.

Tentei abrir a embalagem como de costume, e não consegui. Nova tentativa, novo erro. Pânico...Será que o velhinho alemão se apoderou de mim?  Estaria com algum transtorno miotônico (sempre quis usar isto, sorry...), havia perdido a coordenação dos movimentos, O QUE ESTAVA ACONTECENDO?? Entrei no carro, respirei fundo, tentei isolar o meu ser interior do exterior barulhento para rever a ação, e então olhei fixamente para o bombom. Cuja embalagem tinha mudado de forma! Não era mais um papel celofane rosa envolvendo um aluminizado, era um trangênico, um pacotinho que imitava a antiga embalagem. Tive que usar os dentes para desembalar o conteúdo, engolindo nesta ação um pedacinho do papel que vai ficar grudado no meu esôfago por alguns anos...Depois disto, nem posso garantir que o sabor era o mesmo, juro. Tinha ficado tão irritado intrigado com isto, que perdi o prazer da mordida.
Algumas coisas não deveriam mudar, permanecer eternamente iguais, como a Torrada Petrópolis do Aeroporto Santos Dummont, inalteradamente gordurosa e deliciosa ao longo dos tempos, a segunda melhor coisa deste aeroporto carioca - a primeira é a vista, claro.
Meu mestre Mies Van Der Rohe pregava "God is in details". Sou agnóstico, mas aceito a frase de bom grado, e prego que, se Ele está nos detalhes, o Anjo Caído está no excesso destes. Talvez o básico irá nos salvar, o simples nos redimirá. Aleluia, irmãos!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

THINGS THAT INSPIRE US

Cansado do universo corporativo. Uma realidade cheia de pessoas que não mereciam esta denominação - pessoas. São apenas um grande, absurdo desperdício de DNA, imensos conjuntos de células amalgamados em uma estrutura cujo principal propósito será o de prejudicar alguém, atingir os objetivos de modo mais acintosamente vil e mesquinho, dando uma nova dimensão aos conceitos de vilania e mesquinhez. Onde a palavra ética é apenas um verbete situado entre éter e etílico. Um sistema construído para o erro, para julgamentos imprecisos, uma dimensão onde o valor real é diametralmente oposto ao observado e cultuado, um lugar de desvios infinitos e recursos ilimitados em prol de um significado que não significa, nada significa. Onde o gênero humano tem muito mais de gênero do que de humano.

Não, não quero me isolar do mundo e cultuar uma nova realidade onde a competição não exista, uma realidade utópica onde todos serão iguais, bons, éticos e generosos.  Quero apenas encaminhar minha vida para um estado mais verdadeiro, cercado de coisas e pessoas que me inspirem.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

AQUECIMENTO INTERNO

Preguiça imensa de acordar ultimamente. Sair da cama com este friozinho é uma tarefa digna dos trabalhos de Hércules, para este que ainda é acompanhado de um cachorro igualmente preguiçoso - confiram Leopoldo em seu momento "daqui não saio, daqui ninguém me tira"...

Eu, morto de inveja, saí para o trabalho deixando em casa um cachorro quentinho no meio do meu cobertor (sem duplo sentido ou interpretações dúbias nesta frase, please...) sendo que tenho absoluta certeza de que ele não sentiu nenhuma culpa em me ver sair nestas condições adversas, visto que ele continuava usufruindo do que EU deveria ter direito.
O dia foi cheio, eu tinha um almoço num lugar que adoro (Varanda - as melhores carnes de SP!) e que para variar não desapontou - ou melhor, foi um almoço ótimo, vinho impecável e excepcional companhia, com o papo rolando solto como prometia. 
Sabendo prevendo que eu ia exagerar no almoço, tinha deixado uma sopinha semi-pronta para terminar hoje, que considero revigorante e deliciosamente caipira - Sopa de mandioca com linguiça - por sinal, isto não é uma receita, é praticamente um tratado de termos com duplo sentido...
É o tipo de comida bom para este tipo de ocasião - frio, lareira, vinho tinto, pão (tudo light, claro). Coloco na minha cabeça que este tubérculo é proteína pura, e que não saí do regime ingerindo estas calorias. Procuro nos meus livros uma teoria que prega as virtudes da comida quente para perdermos peso - quem foi o maluco que escreveu tal coisa? Tento me convencer que pelo simples fato de ser sopa e não ter que mastigar nada muito sólido esta refeição não acrescentará dígitos à minha circunferência - ledo engano. Acompanharam calóricas fatias de ciabatta e uma taça do bom Sophinia Reserve, para piorar os números dos Vigilantes do Peso. Mas - what the hell! Baby, it´s cold outside!




Sopa de Mandioca com Linguiça de Lombo

2 colheres de sopa de azeite de oliva virgem
500 gramas de mandioca limpa
200 gramas de linguiça de lombo
1 cebola finamente picada
1 talo de alho poró cortado em rodelas finas
1 talo de aipo cortado em pedacinhos
1,5 litro de caldo de legumes caseiro
1 cálice de vinho do porto branco seco
sal
pimenta do reino branca moída na hora
salsinha

Escalde rapidamente as linguiças em água quente, tire a pele e espedace-as com os dedos.Aqueça o azeite, refogue a linguiça durante 3 minutos, acrescente a cebola e o alho-poró até que estejam ligeiramente dourados, acrescente o vinho do porto, espere evaporar. Adicione a mandioca em pedaços médios (que caibam numa colher de sopa, claro!) e refogue em fogo médio até que eles adquiram uma cor dourada. Acrescente o aipo e o caldo de legumes, espere ferver, diminua o fogo, tampe e cozinhe por aproximadamente 90 minutos em fogo bem baixo, até que a mandioca fique quase desmanchando. Verifique o sal, acrescente a pimenta do reino , misture a salsinha e sirva imediatamente.

domingo, 8 de maio de 2011

L I B E R T Á


Almoço no Charleston Ristorante, ainda Milano. Tarde ensolarada, fez frio de manhã mas o sol abriu na cidade, e multidões de ternos irritantemente bem cortados e sapatos polidos caminham pelo Corso Vittorio Emanuele, enveredam pelas ruazinhas que circundam este centro histórico e acabam sentando em algum lugar para comer, beber, um café ou sorvete, eu entre eles. Decidi por este restaurante em virtude de suas mesas sob ombrelloni, ao ar livre. Acabei me sentando na primeira fila das mesas, com o sol às minhas costas, o que derrubou um pouco meu look - tive que tirar o paletó, cujo lenço no bolso acabara de comprar e demorei meia hora para deixar perfeitamente desarrumado - afinal, não gosto do look impecável. E para não derreter sob o calor milanês, pedi imediatamente uma garrafa de água e um vinho branco. Quase fui na cerveja, mas como quero demorar na refeição, não arrisco ficar com a taça vazia optando pelo vinho.
Ao meu lado, uma mesa com três elegantes mulheres que almoçam uma tagliatta, a outra uma salada e a terceira, ousada, pediu alcachofras grelhadas de entrada e uma pizza de prato principal. E ainda é magra, a criatura! Conversam o tempo todo, esperando que o gringo aqui não entenda o que elas falam. Lamento desapontá-las, meninas, mas entendi tudinho! Obrigado pelos comentários, by the way...
Um pai chega com seu filho, o pai elegantíssimo em seu look quase invernal mas de cores claras, portando belos óculos de sol de tartaruga e lentes verdes, sem nenhuma inicial ou griffe em sua estrutura, corroborando o que já tinha percebido - elegância nem sempre é um gene transmissível. Seu filho, coberto de grifes, com um cabelo exageradamente arrumado e artificialmente clareado, sobrancelhas perfeitas (nem a Nicole Kidmann tem sobrancelhas tão delineadas!), tudo novo, brilhando, espelho dos novos jogadores de futebol europeus.
À minha direita, mãe e filha discutem o fato de estar em Milão - aliás, desencantadas da cidade, cheia de turistas e gente que se dispõem a ficar na fila para entrar numa loja como a Abbercrombie - aliás,  imensa. A mãe argumenta que nunca viu uma fila daquelas em frente ao La Scalla, sinal dos tempos. Concordo com ela - quem se dá ao displante de ficar numa fila enorme para comprar camiseta, IPad, IPhone ou qualquer coisa destas está dando sinais claros de que o gênero humano tem muito mais de gênero do que de humano. Dividem a mesma salada que eu pedi e uma pizza também. A filha pediu uma cerveja que está com uma cara ótima, mas meu vinho está dando conta do recado direitinho.
Um brasileiro e seu - como dizer... - acompanhante, vinte e cinco / trinta anos mais novo, chegam ao local cheio de sacolas - várias da loja que acabei de citar. Óculos de griffe, sapatos combinando, camiseta com marca brilhante, relógio imenso, colar - ou seja, look "não sei de onde veio, mas está claro onde quer chegar...". O rapaz, por deformação profissional, apesar de estar acompanhado, tira os óculos e examina atentamente o local, quero dizer, os locais, para confirmar que está fazendo um bom negócio. Discretamente acaba me examinando de alto a baixo, e quando verifica que não estou carregando nenhuma sacola e não porto nenhuma marca reconhecível (para ele), conclui que realmente está fazendo um ótimo negócio, e volta o foco para seu cliente acompanhante. Sábio rapaz.
A tarde está quente, eu estou quente, o vinho começa a ficar quente também. Peço um balde de gelo para resfriar o Pinot Grigio e penso no post de um dos meus blogs preferidos (aqui) sobre a sutil arte da escuta da conversação alheia, e acho que estou chegando perto da perfeição proposta neste muito bem escrito post. A comida? Estava ok, nada especial - pedi uma salada que me desapontou, as alcachofras
 (copiei da vizinha) estavam muito boas, o vinho já conhecia. Mas as conversas e o ar da Piazza Del Liberty foram o melhor desta refeição.






(escrito em maio,29)
ps- tks Sandro pela dica!