Ainda em Recife, domingo. Decidi fazer uma caminhada - uma loooooonga caminhada. Saí de Boa Viagem e fui caminhando, caminhando, caminhando...passei pelo bairro de nome divertidíssimo - Brasilia Teimosa - com sua arquitetura peculiar, carros com os porta-malas abertos recheados de alto-falantes (verdadeiros trios elétricos em miniatura) disseminando toda sorte de música ruim em som idem, montanhas de carrinhos fazendo de batatas-fritas a bolinhos fritos e peixes fritos e mais uma montanha de coisas fritas, tudo isto em uma área que tinha o perfil perfeito para ser um polo turístico de beleza inconteste. A calçada quase inexistia, paisagismo zero, sequer uma plantinha mirrada. E eu andando, andando...
Num dado momento, este braço de terra - não sei se configura um istmo, mas parecia - tem pouco mais de 5 metros de largura. De um lado, um paredão de concreto e pedra e o mar aberto, imenso, oceano. Do outro o Rio e a vista do centro da cidade e do Cais Estelita.
E eu andando, andando...
Cheguei no parque de esculturas Brennand. Ligeiramente abandonado, apesar de ter sido construído não faz muito tempo. Uma placa mostrava data de fundação, arquiteto responsável, paisagista responsável - e novamente procurei um jardinzinho, uma plantinha, uma muda sequer - nada...(Estranho a falta de paisagismo numa cidade de calor inclemente como Recife). Então peguei um barquinho e atravessei até o Marco Zero, para fazer um lanche no Boteco, de minha amiga MD. Mas estava lotado, com fila de espera - e eu já com fome, sede, e as pernas pedindo um pequeno descanso depois de pouco mais de 11km andados.
Peguei o barquinho de volta, atravessei aquela água prateada pelo conjunto de sol e dia nublado, em dia branco cegante,
e decidi dar uma parada na Casa de Banhos, que conheci recentemente. Um boteco à beira do Rio, coberto de telhas de cimento amianto , com dois ótimos cantores desfiando um repertório de MPB da melhor estirpe. Pedi uma mesa no lugar lotado, para um - e o garçom me olhou com cara de "tá me gozando, não?". Como não esmoreço, esperei alguns minutos até conseguir uma mesa no meio da muvuca. no centro do restaurante, entre duas mesas imensas e barulhentas. Pedi uma cerveja gelada, e um caldinho de peixe. Correção - "o" caldinho de peixe. Delicioso, cheio de aromas sutis, sem um mísero pedacinho de osso ou espinho, fantástico. Pedi outro, e a esta altura os 600ml da cerveja já tinham misteriosamente evaporado.
Tempo para uma caipirinha de rum e o segundo copo de caldinho estava igualmente perfeito, quente sob o teto quente numa tarde quente. A caipirinha desceu perfeita, o doce do rum e o azedo do limão, e eu cada vez mais imerso na música que tocava, nos sabores que provava esquecendo o mundo à minha volta.
Peço duas agulhas fritas - recuso a porção inteira pois tinha uma longa caminhada de volta.
antes
depois
E uma nova cerveja. O restaurante estava misteriosamente silencioso - embora eu olhasse as pessoas falando, agitadas, eu só ouvia a voz suave do cantor, o violão e o pandeiro, e o barulhinho da água batendo sob o restaurante.
Nesta hora o cantor dá uma parada, eu levanto um brinde solitário a ele - parece que ninguém o ouve, somente eu - que retribui o brinde e ataca com uma música que eu não ouvia há muito. E que tem a frase "mais solitário que um paulistano" encaixada em seus versos de forma perfeita. Como se encaixou igualmente ao momento, pois eu estava sozinho no mundo naquele momento.
Pedi a conta. Gozação comigo não! (mesmo porque ainda tinha 11 km de caminhada na volta...)