food, art & spirits

food, art & spirits

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

cheese syndrome


Eu fui notando aos poucos esta mania de colocar queijo em tudo. Primeiro, a praga do cream-cheese nos sushis e temakis da cidade- inclusive já ouvi um cliente pedir "um temaki com muito cream-cheese e salmão". Depois, os potes de queijo ralado nos buffets dos restaurantes para almoço - e tome salada com queijo "tipo" parmesão (detesto coisas "tipo"!), sopas de qualquer sabor cobertas de queijo ralado, picanha assada com queijo, filet assado com queijo, frango assado com queijo - quem inventou esta moda? Na praia, servem caldinho de camarão, feijão, peixe e sururu com as opções de acréscimos - bacon, azeitonas, ovos de codorna e - queijo ralado, uma meleca impensável saída de garrafas térmicas suspeitíssimas. Cachorro quente de carrinho, a epítome da junk food, hoje vem com as variantes milho, molho de tomate e...sim, queijo ralado. 
Mas ontem eu ví o que seria o ponto alto desta síndrome lacto/proteica. Já vou avisando - preparem-se, o relato a seguir não é para fracos.
Numa churrascaria ótima aqui em Recife, um cliente vem com o prato cheio de sushis, praticamente uma muralha feita de arroz, alga e peixes diversos. Ao lado, um potinho quase transbordando de um líquido marrom viscoso, algo entre um molho tarê e uma redução intensa de aceto balsâmico. Não era shoyu pura e simples pois era bem grosso, quase um caramelo. E então o comensal pede a um dos garçons um potinho de queijo ralado...
Neste momento, meus sentidos se aguçaram. Coloquei em prática toda minha habilidade em bisbilhotar a mesa vizinha sem ser notado, técnica esta desenvolvida ao longo das inúmeras viagens que fiz sozinho a trabalho. Pois o cliente, com a habilidade de um contumaz consumidor de comida japonesa, ao receber o recipiente de queijo ralado fez a seguinte operação - pegava o sushi com os hashis, besuntava ele no molho, rolava em seguida no queijo e depois mandava esta gororoba goela abaixo, sob meu - a esta altura nada discreto - olhar atônito. Eu tinha a impressão de que, caso houvesse uma panela cheia de óleo fervente ao seu lado, ele ainda era capaz de fritar aquele empanado estranho antes do momento final. Sorry, esqueci um detalhe - antes de comer aquele sushi ítalo-japonês, ele ainda colocava uma bola de wasabi no topo. Este ...como dizer, prato, era o típico representante da Confusion Cuisine, um braço determinado e cada vez mais presente da Fusion Cuisine

Onde foi que esta história começou, será que foi resultado de um lobby da indústria "queijeira"? Por ser o queijo um dos alimentos primevos, será uma inconsciente volta às origens do homem? Ou será que o comensal, pura e simples, está pensando apenas na quantidade de comida que ingere - e tome acúmulos, em vez da simplicidade essencial? Ou será que eu estou implicando com uma coisa por causa da minha idade avançando?
Sei lá...esta última pergunta me deixou cabreiro...idade avançando...detestei isto.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

função acompanhamento

Uma amiga tinha um namorado. Ela era rica, e ele não. Aliás, ela é rica e poderosa - ele não. Mas vamos pensar que isto não vem ao caso, o amor, ah! o amor...
Pois bem - sempre que alguém perguntava o nome do namorado dela, ninguém se lembrava. Era Pedro? Paulo? Francisco? Tiburcio? Ninguém mesmo se lembrava, pois o rapaz, além de não ter nenhum atributo físico aparente, também não era simpático - nem antipático - o suficiente para se sobressair : no quesito magnetismo ele levou bomba, e ninguém podia falar de sua personalidade pois ela simplesmente não aparecia no convívio social. Ele quase lembrava a musica Mr. Celophane, do musical Chicago - sendo que provavelmente não cantava, ou seja, nem disto podíamos chamá-lo.  
Em suma...sabe quando você pede um prato ótimo, e de acompanhamento vem um arroz ordinário? Pois bem, a metáfora foi para ilustrar o apelido que um mais maldoso da turma deu para o rapaz - Arroz. Quando alguém perguntava o porquê do apelido, sempre alguém respondia - Porque arroz não é prato principal, é acompanhamento. Ninguém vai no restaurante e pede - quero um arroz fresquinho, sequinho e no ponto, e basta. Pede risotto - mas não era o caso, para risotto ele não servia, pois este prato tem substância, mais um atributo que não podíamos outorgar ao apelidado.Pois, por causa disto, o rapaz ganhou a alcunha de arroz - sendo que, como ninguém se lembrava do nome do infeliz, todos temiam chamá-lo pelo apelido inadvertidamente...
Arroz não namora mais nossa amiga, e vez ou outra é visto com alguns amigos comuns - mas eles continuam bons amigos, segundo me consta. Prova de que tem gente que, vez ou outra, pede arroz como main course...

Arroz ao forno
duas xícaras de arroz cozido
uma xícara de peito de frango cozido e desfiado
uma xícara de mandioquinha palha (ralada no ralo grosso e frita em óleo quente)
uma cebola média em fatias finas
um alho poró (somente até a parte verde-claro) em fatias finas
um talo de aipo cortado em brunoise
uma cenoura cortada em brunoise
duas mozzarelas de búfala
queijo parmesão ralado o quanto baste
duas colheres de azeite de oliva virgem
pimenta do reino moída na hora
folhas de manjericão 
Refogue a cebola até dourar - acrescente o alho poró, o aipo e a cenoura, abaixe o fogo e tampe a panela. Refogue por 5 a 8 minutos. Acrescente o frango cozido desfiado, o arroz ,a mandioquinha-palha e as folhinhas de manjericão picadas grosseiramente. Polvilhe o queijo ralado, misture rapidamente mas incorporando todos os elementos. Preencha o fundo de um bowl refratário com o arroz, coloque a mozzarella de búfala picada, complete com o arroz restante e polvilhe parmesão e pedacinhos de manteiga sem sal. Levar ao forno pré-aquecido a 180 graus por 8 minutos e sirva com um fio de azeite e raminhos de manjericão. Como prato, não acompanhamento, ok?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

brutal

A cozinha toda ,avermelhada, respingos de vermelho pelo fogão, na parede, nas portas dos armários, no chão, na bancada...na tampa da panela, no vaso antigo de farmácia  ao lado do fogão, e Leopoldo só escapou de ser tingido porque é um cachorrinho muito ágil. Parecia um cenário do CSI - já imaginava aquela equipe simpática entrando cozinha adentro com lâmpadas estranhas, pincéis e cotonetes longos para arquivar evidências dentro de saquinhos plásticos...
Não, não matei ninguém em meus domínios. Muito embora homicídio não esteja descartado de minha lista (sabe-se lá, um ataque de fúria com a idade pode acontecer, e se você ainda por cima estiver munido de uma faca super-afiada onde vai parar o controle?), eu me aventurei em domínios nunca dantes -por mim, claro- navegados. Fiz uma geleia de ameixas vermelhas, linda linda, mas para variar exagerei na dose e portanto, tenho um pote imenso de geleia ainda na geladeira, sendo que parte dela virou uma torta híbrido de dois posts do guru Richie, do Cozinha Coletiva
Sabe quando você se entusiasma com uma coisa, e não consegue parar? Eu comecei a descaroçar as ameixas, e quando dei por mim tinha picado TODAS. A visão daquelas frutas suculentas transbordando sumo era linda, o que me fez fazer e consumir -um corretíssimo Blood Mary para acentuar as cores e clima do cenário seguido por um excelente Catena Zapata.

Advertência necessária a esta altura do  texto - se você decidir transformar quase 1,5kg de ameixa vermelha em geleias num sábado à noite, adentrando madrugada, lembre-se de não beber nada a não ser café ou alguma coisa que te dê asas. O tempo de cocção foi mais longo do que o esperado, e lá pelas tantas eu estava sonado por causa da bebida  do adiantado da hora.
  

Uma coisa puxa a outra - e resolvi transformar o que não coube nos potes de geleia devidamente pré-esterilizados em alguma coisa diferente. Toca fazer uma torta baseada no post seguinte do guru citado, trocando uma coisinha aqui, uma coisinha ali. Fiz a massa comme-il-faut, assei e resolvi fazer uma espécie de creme inglês mais denso para o recheio, mas na hora H cadê o amido de milho? Rodei a cozinha inteira, tinha certeza de que tinha, mas...não achava. Substituí por aveia, fazendo algo entre o mingau e o creme - e ficou muuuuito bom.
A torta? ficou boa, massa perfeita, recheio insólito mas saboroso, feito de sabores contrastantes - a suavidade rústica da aveia versus o ácido da ameixa.

A geléia? deliciosa, de cor e sabor intensos, textura e viscosidade no ponto, e ainda por cima substitui parte do açúcar por açúcar light (cuidado, é mais doce, diminua a quantidade se for usar isto), minimizando a culpa na hora do consumo.

A cozinha? quase ficou vermelha - agora de sangue mesmo - no day after, pois minha fiel assessora quase teve um surto ao adentrar naqueles domínios agora literalmente rubro-negros.
Comprei ontem caixas de morango orgânico, muito mais do que o consumo normal da casa, pensando em fazer agora uma geléia de morangos com gengibre que vi na rede. Mas terei de mudar de idéia frente à fúria da reação de Rose, antes que ela receba alguma entidade serial killer e me impeça, definitivamente e da forma mais radical, de continuar a cometer estes desatinos.
Receita da geléia AQUI e da massa da torta AQUI.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

little things

Perceber a vida nos pequenos detalhes. Na ligação que recebi de Gabriel, perguntando "Tio Wair, porque você não veio à minha festinha de aniversário?" e me deixou passado. Na lua que despontou na minha frente às cinco horas da tarde quando eu tomava um gin-tônica depois de um sábado intenso de trabalho em Recife. No cuscuz pernambucano que fiz no domingo de manhã, e que ficou delícia. No vendedor de coco verde na praia, que veio puxar papo do nada - e o papo foi ótimo. Nos crostini que fiz ontem à noite, e na taça de Champagne que estava na temperatura e perlage perfeitas. No jardim que está florescendo, nas heras crescendo, no vaso de alfazema dando flores completamente fora de época. Na Valentina atendendo ao telefone e me dizendo "posso te dizer um segredo? Meu dente está mole..." No pato com purê de banana-da-terra  que servimos numa festa na loja de Recife. Na cabra feita por uma artista popular que comprei, e que estou adorando - ela é perfeita. No eclair de chocolate que comi no La Bombe, em São Paulo - apesar do comentário de minha comadre (one second in your lips, forever in your hips...), nos chás que eu descobri no fundo do armário e que ainda não tinha experimentado, nos livros da Jennifer Egan que ganhei de um amigo - li os dois, adorei - na cara do Raphael na piscina de bolinhas - felicidade!Na pose estranha do Leopoldo olhando um grafitti do Superman na parede de meu quarto, na pose exótica do Leopoldo tomando sol à beira da varanda do quarto, no pescoço quentinho num dia de inverno, nos pés sem meias em Recife, na gravura do Joel Shapiro que consegui comprar por ótimo preço - e na foto do Hugo Curti que ele me deu, hugs Hugo!No café da manhã reforçado com panquecas e ovos - calorias de manhã são tão recompensadoras... Nos sushis perfeitos de um jantar outro dia em lugar que não dava nada - e fui agradavelmente surpreso - no Lambrusco insólito que abri numa noite quente, no sabor do abacaxi récem-descascado e consumido ainda morno na praia, na temperatura perfeita da água à beira-mar, no som de Glen Gould suplantando o trânsito insano, no livro ÓTIMO do Paulo Francis, nas lombadas descascadas de velhos livros, num sorvete consumido sem culpa, bem como o bolo perfeito da Kukla pertinho da galeria, enfim - na descoberta de que mais do que estar certo quero é estar tranquilo.