Imagine um restaurante tosco. Uma grelha imensa no fundo
enegrecida das chamas do carvão, e a parede lateral igualmente chamuscada. Três
ventiladores nas paredes, cada um de um tamanho e modelo. Azulejos de cor
indefinida nas paredes, piso indescritível, um balcão com bancos de madeira
altos, e um calor digno dos círculos infernais.
Dentro deste balcão, toda a equipe manifesta sinais claros
de calor e torpor. A atendente com sobrepeso e buço proeminente, a dona do
restaurante (uma chinesa sempre de touca e conjuntinho florido), a outra
atendente que dá dois passos e se apoia no balcão, dois passos e se apoia na
geladeira de cervejas, dois passos e olha para fora, numa indolência absoluta.
E todas estas pessoas brilhantes de suor, o que torna este cenário ainda mais
dantesco.
Galeto Pekin, numa esquina de Recife, com duas paredes
abertas para as ruas, onde os pombos invadem para catar restos de comida. Prato
– galeto grelhado, acompanhado de feijão de corda, farofa, molho vinagrete e
batatas fritas. A simplicidade do cardápio deveria torna-los exímios em seu
metier, visto estarem neste lugar desde 1979 (segundo apregoam em cartazes no
restaurante). Mas eles conseguem o impossível – a mulher de buço ou o homem
gordo de uniforme engordurado destrincham os frangos com rapidez e absoluta
imprecisão, cortando-os aonde der na telha. Qualquer pessoa com o mínimo de
cuidado e olhos vendados trincharia a ave de forma mais lógica – mas não aqui:
cortam a coxa no meio, na ponta, o peito atravessado, sendo a asa o único
pedaço perdoado neste ataque. Conseguem transformar uma ave num prato cubista,
suas partes não compõem um todo.
Qual o porquê de eu ter vindo parar aqui? Por causa da minha
absoluta falta de preconceito para com lugares toscos. Já comi uma galinhada
num restaurante de beira de estrada na Bahia até hoje inesquecível, numa
espécie de terreiro de terra batida, com cachorros preguiçosos à sombra de uma
imponente jaqueira. Uma impecável moqueca num restaurante em Penedo de dar pena (o
restaurante, não a moqueca!), pois este manifestava claros sinais da elegância
de outrora, sobrepujada pelo peso dos anos e das decorações equivocadas ao
longo de sua história. Um angu com
rabada de lamber a ponta dos dedos no subúrbio carioca, num lugar indescritível
– aliás, até dá para descrever, mas não vale a pena assustar o leitor. E um
pacote de micro-lulas fritas numa ruela escura de Singapura (me recuso a
escrever Cingapura, ok?), cheia de perfumes e ruídos estranhos.
Eu não tenho medo da denomidada “tosco
food”. Me incomoda mais a culinária emasculada de alguns chefs, que conseguem
transformar pratos fortes e originais em exercícios de grande apelo visual mas
nenhum emocional. Sim, curto – e muito - sutilezas como as perpetradas por
Alberto Landgraff e Helena Rizzo, pois os opostos sempre me atrairam. A vida é
feita de nuances e de baques, de som e fúria, do delicado ouriço-do-mar e do rústico bife a cavalo executado na nova casa recentemente.