food, art & spirits

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sábado, 7 de fevereiro de 2015

tosco food

Imagine um restaurante tosco. Uma grelha imensa no fundo enegrecida das chamas do carvão, e a parede lateral igualmente chamuscada. Três ventiladores nas paredes, cada um de um tamanho e modelo. Azulejos de cor indefinida nas paredes, piso indescritível, um balcão com bancos de madeira altos, e um calor digno dos círculos infernais.
Dentro deste balcão, toda a equipe manifesta sinais claros de calor e torpor. A atendente com sobrepeso e buço proeminente, a dona do restaurante (uma chinesa sempre de touca e conjuntinho florido), a outra atendente que dá dois passos e se apoia no balcão, dois passos e se apoia na geladeira de cervejas, dois passos e olha para fora, numa indolência absoluta. E todas estas pessoas brilhantes de suor, o que torna este cenário ainda mais dantesco.
Galeto Pekin, numa esquina de Recife, com duas paredes abertas para as ruas, onde os pombos invadem para catar restos de comida. Prato – galeto grelhado, acompanhado de feijão de corda, farofa, molho vinagrete e batatas fritas. A simplicidade do cardápio deveria torna-los exímios em seu metier, visto estarem neste lugar desde 1979 (segundo apregoam em cartazes no restaurante). Mas eles conseguem o impossível – a mulher de buço ou o homem gordo de uniforme engordurado destrincham os frangos com rapidez e absoluta imprecisão, cortando-os aonde der na telha. Qualquer pessoa com o mínimo de cuidado e olhos vendados trincharia a ave de forma mais lógica – mas não aqui: cortam a coxa no meio, na ponta, o peito atravessado, sendo a asa o único pedaço perdoado neste ataque. Conseguem transformar uma ave num prato cubista, suas partes não compõem um todo.
Qual o porquê de eu ter vindo parar aqui? Por causa da minha absoluta falta de preconceito para com lugares toscos. Já comi uma galinhada num restaurante de beira de estrada na Bahia até hoje inesquecível, numa espécie de terreiro de terra batida, com cachorros preguiçosos à sombra de uma imponente jaqueira. Uma impecável moqueca num restaurante em Penedo de dar pena (o restaurante, não a moqueca!), pois este manifestava claros sinais da elegância de outrora, sobrepujada pelo peso dos anos e das decorações equivocadas ao longo de sua história.  Um angu com rabada de lamber a ponta dos dedos no subúrbio carioca, num lugar indescritível – aliás, até dá para descrever, mas não vale a pena assustar o leitor. E um pacote de micro-lulas fritas numa ruela escura de Singapura (me recuso a escrever Cingapura, ok?), cheia de perfumes e ruídos estranhos.
Eu não tenho medo da denomidada “tosco food”. Me incomoda mais a culinária emasculada de alguns chefs, que conseguem transformar pratos fortes e originais em exercícios de grande apelo visual mas nenhum emocional. Sim, curto – e muito - sutilezas como as perpetradas por Alberto Landgraff e Helena Rizzo, pois os opostos sempre me atrairam. A vida é feita de nuances e de baques, de som e fúria, do delicado ouriço-do-mar e do rústico bife a cavalo executado na nova casa recentemente.



 Voltei.

terça-feira, 29 de julho de 2014

não, é sopa

O inverno começou com uma sopa de lentilhas com costelinhas defumadas - porque me lembrava um primo querido. Continuou com um caldo verde à minha moda - porque meu compadre gosta, pediu para mim e minha afilhada elogiou (sempre que quiserem estou às ordens, ok?). A sopa de grão de bico com harissa me remeteu ao Marrocos instantaneamente - vontade de voltar para este lugar. E a sopa de milho verde com endro que inventei, pois achei que os sabores iriam combinar, e não é que ficou ótimo? 

Nesta sequência vieram as duas versões de sopa de feijão - a de minha mãe, com o feijão batido no liquidificador e coado, com macarrãozinho e sem carne - e a minha, com os grãos inteiros, legumes e paio, super light (não mesmo...). O capeletti in brodo foi servido na casa de uma amiga querida, e o compadre que gosta de caldo verde lá estava e disse ter sido o melhor que tomou até hoje - orgulho...
Um caldo espesso de carne (músculo, no caso) e os legumes da geladeira, mais quinoa e um monte de cebolinhas me levantou de uma gripe heavy-metal. O creme de abóbora com gengibre e sálvia fez bonito como entrada, num jantar no GabineteD. Ainda não fiz a bouillabaisse, porque a receita é um tanto imprecisa - começa com "pegue um fundo de rede de peixes..."-onde é que eu vou arranjar isto? A sopa de tomates assados estava tão boa que quase tomei na manhã seguinte, com um pouco de vodka - daria um Bloody Mary muito particular. Ainda quero fazer o borscht do jeito que tomei no EAT em NY, um lugar que o Eduardo adora e que repete inúmeras vezes sempre que lá estamos. E o caldinho de peixe igual à um restaurante de Recife de nome insólito - Casa de Banhos.Mas hoje à noite fui de mingau, que serve-se nm prato fundo, toma-se de colher e é quente. E aquece o corpo e o espírito - portanto, pode entrar na categoria das sopas, não?

(nota importante - pego emprestado o título de um livro que adoro, e o subverto...muita audácia de minha parte, perdão Nina Horta!)

 
 
 
 






segunda-feira, 7 de julho de 2014

ogro food

Quem me conhece, sabe de minha queda por comidas e bebidas brutas - cozidos, assados, carnes mal passadas, pães rústicos, vinhos portugueses e espanhóis, gin&bourboun&cachaça, coisas desta natureza. Adoro as sutilezas contidas nestes sabores intensos, mais talvez do que em receitas delicadas - dos quais tenho admiração, claro. Mas vejo certa qualidade ancestral em alguns pratos pensados desta forma.
Semana passada, fui jantar em casa de compadre G. e comadre M. Estava nos planos pedir uma pizza na pizzaria próxima à casa deles, mas fui surpreendido por compadre na cozinha - ele também outro homem que sabe apreciar um prato sutil, mas como eu tem confessa queda por receitas mais "masculinas". E a surpresa foi dupla - ele na cozinha, e um jantar impecável. Uma peça de filé grelhada ao ponto, com interior rosado sangrando um pouco e crosta bem temperada, acompanhado de aspargos perfeitos e um arroz negro irretocável. Nada empetecado, nenhuma redução, sem espuma - apenas a escolha certa dos ingredientes de qualidade e tempo de cocção precisos.
Inspirado pela potência deste jantar, no dia seguinte fiz um steak gordo e suculento na grelha (para ódio e desespero de minha fiel escudeira Rosilda) com ovo caipira frito no ponto exato - a clara queimadinha, a gema mole. Um tico de Jerez limpou o fundo da grelha (e a garganta deste que vos escreve) e virou o molho do prato, consumido com uma ótima cerveja Paulistânia Vermelha, excelente Lager Premium de preço muito bom.

E, no domingo passado, outro acesso de brutalidade. Tinha um bom bacalhau já dessalgado no freezer, em belas postas. Após descongelar, ele foi ao forno com quantidades generosas de azeite, vários dentes de alho sem casca, cebolas, batatas cortadas ao meio no sentido longitudinal, pimentões, pimentas vermelhas e imensos e adocicados tomates em rodelas.
(coincidência, mesmo prato...)
Brocolis passados no azeite e um ovo cozido acompanharam o prato - mediterrâneo, cheio de sabores e perfumes, untuoso (adoro esta palavra), elegantemente rústico. O bom e velho Cartuxa, português de excelente cepa, foi o par perfeito para este prato potente.
Creio que a idade me faz buscar virilidade nos pratos - talvez para compensar alguns déficits de testosterona. Meu paradoxo particular é que, apesar desta preferência pela denominada brutalidade gastronômica, ainda adoro brigadeiro, beijinho de coco, maria-mole e outros doces infantis. Ou seja - no fundo deste ogro reside um fofinho...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

soul kitchen

Sexta feira à noite, para variar - som alto, bons drinks e uma montanha de coisas acontecendo na minha cozinha. Cheguei à conclusão que a noite de sexta-feira em São Paulo é, em geral, uma cilada. Salvo a casa dos amigos ou festas cada vez mais esporádicas, é um dia fadado a dar problemas (acho que estou ficando velhinho...). Trânsito, manobristas invocados, e o serviço das casas abaixo da média pelo excesso de clientes.
Na última sexta, a trilha sonora em casa estava absolutamente bipolar - as usual. Do pop gostoso de Lulu Santos à Elvis Costello, passando por Elis Regina (sempre passa por ela...) e Rihanna. E eu verificava a geladeira, buscando inspiração. Eis que toca uma música que adoro, numa versão impecável - a portuguesa Suzana Félix com Jorge Drexler, num vídeo delicioso.
A esta altura, o vinho rosé gelado consumido em largos goles iniciais mais a música inspirou o primeiro prato - uns bolinhos de bacalhau, que fritei no dia seguinte e que tinham aquele "wow-factor" - crocantes por fora, macios por dentro, no tamanho certo (podia ter feito um pouquinho maior, mas foi um bom treino para a fritura controlada), bem temperados. E eu só não dancei o vira pois não cai bem na minha idade.
Como toda play-list randômica, logo mais estava ouvindo John Newman.

Animadíssimo, mais de meia garrafa havia sido consumida, eu começo a pular na cozinha sob o olhar recriminador de meus companheiros nesta empreitada, Josefina e Leopoldo. Se pudessem falar, diriam "se enxerga..."E eu animado, picando uma montanha de repolho roxo, maçã, cebolas, que adicionadas ao peito de frango recém cozido, e desfiado ainda quente, virou uma salada promissora. Creio que dois dias depois minha assistente Rosilda deve ter descoberto restos de repolho pelas persianas, bules e livros deste ambiente, visto eu estar possuído pelo som, usando a faca como um Wolverine fora de forma
Eu ainda estava agitado, quando a voz suave de Patrick Watson tomou conta do ambiente.
Eu já tinha feito a salada, um caldo de frango forte, os bolinhos de bacalhau, e a cozinha parecia uma cidade arrasada por um tornado - coisas por todos os lados, facas, legumes, três taças (como consegui, se eu estava sozinho? mistério...), e eu vi que precisava de uma parada, para baixar a adrenalina. Figos grelhados e um pedaço de roquefort fizeram a companhia da segunda garrafa de vinho, e repeti a música mais duas vezes, pois tudo combinava de forma perfeita, exceto Leopoldo e Josefina esperando avidamente que algum pedaço de algo caísse no chão - o que não aconteceu, para desapontamento canino geral.
Foi uma voz feminina que me tirou do torpor. 


Nina Simone e sua voz encorpada me forçaram a fazer um pouco de café, apesar do adiantado da hora, e olhar para a cozinha de forma definitiva. Os versos iniciais : "Baby, do you understand me now, Sometimes I feel a little mad" eram a deixa: ou eu fazia alguma coisa, ou corria o risco de perder minha fiel assistente no dia seguinte, tamanho caos instaurado nestes parcos metros quadrados. 
Café feito, Nina ao fundo, arrumei tudo, embalei o que havia sido feito, guardei o que era para ser guardado, enquanto os cachorros me olhavam com cara de aprovação. 
Resultado da façanha - bolinho de bacalhau, arroz de bacalhau, uma espécie de "cole-slaw" mais intensa e com frango, uma sopa de legumes e um recheio de torta de frango com alho poró e amêndoas. E olheiras, claro.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

sundays of wine and roses

Os dias passam, o trabalho nos impossibilita de ter os momentos prazerosos que desejamos, a intensidade dos problemas diários nos fazem esquecer da possibilidade de pequenos prazeres.
Domingo, a vontade de comer uma comida caseira normal, do dia a dia. Arroz integral, feijão com caldo espesso sem nenhum tipo de carne ou gordura animal, beterrabas assadas servidas mornas com azeite sal e pimenta do reino e mais nada, frango assado com farofa de milho verde e uma garrafa e meia de vinho rosé consumida num domingo quente e ensolarado. Antes, enquanto preparava a comida, um restinho de couscous marroquino que foi temperado com limão e azeite, misturado a endívias picadas, pimenta dedo de moça e bastante endro virou uma entradinha muito da gostosa. Palitos de pepino sem casca nem sementes espetados em um vasinho cheio de gelo picado, e ao lado uma rápida mistura de coalhada fresca com raiz forte. Pão fresco em fatias e uma mousse de queijo com pesto, e as crianças chegaram, os cachorros latiram, a música rolava, o papo tomou seu ritmo e o domingo aconteceu como deveriam acontecer todos os domingos - claros, solares, com o barulho de cães e música e crianças e taças brindando.
Aos que ainda não sabem, tenho buracos imensos em minha memória, o passado me parece uma sucessão de pequenos momentos e grandes nadas. Mas hoje à noite, enquanto bebia um café quente e forte acompanhando os muffins de maçã recém-assados,  pensando no prazer que tive no domingo cheio de preciosos momentos (como meu afilhado agarrando Leopoldo e dizendo que ele era "tão fofinho"), lembrei de alguns almoços na casa de minha avó materna, com todos seus filhos (três mulheres e dois homens) e seus netos e genros e noras, com aquele quase palpável sentido de pertencimento do qual eu talvez sinta falta, e apenas recentemente fui alertado a admitir. E, entre goles largos de café , concluí que sim, de segunda a sexta, e as vezes aos sábados, tenho dias intensos, e provavelmente os terei num período ainda significativo. Mas os domingos serão de vinho, rosas e família. 

Muffins de maçã e azeite
1 xícara de farinha de trigo
1/2 xícara de farinha de trigo integral
1/2 xícara de açúcar
1 colher de café de canela
1 colher de café de fermento em pó
1 pote de iogurte natural
1 ovo
1/3 de xícara de azeite de oliva virgem
1 maçã pequena sem casca cortada em cubos pequenos.

Misture os ingredientes secos, acrescente a maçã, reserve.
Bata as claras até dobrarem de volume, junte a gema, o iogurte e o azeite. Despeje sobre a mistura seca, incorpore sem mexer em excesso, e coloque em forminhas untadas com azeite e farinha de trigo. Assar no forno pré-aquecido a 180 graus por 30 minutos.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

the bagel, the man

Admiro quem faz bagels. Pensar num pão que primeiro é cozido, depois assado, e que pode receber adendos como cebola ou passas e canela ou sementes de papoula (que ainda não encontro por aqui, o que me deixa maluco!), me deixa com imediatas saudades de New York, onde melhor se come este pão típico da cultura judaica. Em São Paulo gosto de compra-los no Santa Luzia, onde a atendente Divina (lindo nome, atenciosíssima pessoa) já sabe meu gosto, e sempre que me vê oferece os bagels integrais que fazem a festa de minhas manhãs de final de semana. Tostados com cream cheese, geleia ou em fartos sanduíches de salmão e creme azedo, qualquer pessoa que faça bagel tem minha imediata admiração.
Em São Paulo o melhor sanduíche de bagel e salmão está no Z-Deli Sanduiches. Antigamente, Rosa e Zenaide Raw, as matriarcas, ofereciam esta iguaria em seu minúsculo espaço na Haddock Lobo - e antigamente quero dizer 25 anos atrás. Depois de algum tempo, especializaram-se nas comidinhas fantásticas do almoço, e deixaram de oferecer isto, mas generosas que são  "legaram" à cidade o neto de Rosa, que abriu no antigo espaço da avó o espaço para sanduíches mais disputado de São Paulo.
Hoje encontra-se uma versão de bagel industrializada nos mercados, de uma marca famosa, porém é apenas um pão com o formato típico deste produto, sem a textura sólida e macia da receita tradicional.
Aí está o problema - pode-se ser ousado o quanto queira, transgredir o quão necessário for, mas algumas coisas são tão tradicionais e tão perfeitas, que mexer nestas é apenas bobagem. O melhor que se faz é executa-las à perfeição, para que mantenham sua qualidade e integridade.
Estes dois termos são fundamentais - qualidade e integridade. Se tiver beleza, ajuda, claro. Mas hoje vê-se uma inversão destes valores, o belo é preponderante. Só que a beleza é frágil, e a integridade é sólida, perene. E, segundo meu olhar completamente neutro e isento de interesses (só que não!rs), quem faz - ou me oferece - bagels seguramente é possuidor destas características. 
(não vou passar receita de sanduíche de salmão, não vou pagar este mico - cada um que escolha sua receita. O meu vai quantidades absurdas de raiz forte, mostarda, pepino, alface e salmão - that´s all, folks!)

quarta-feira, 26 de março de 2014

a fada, o dente, a pasta

Alguns momentos são bastante marcantes - os quocientes surpresa + emocional conseguem provocar eventos que - espero - eu me lembrarei pelo resto da vida. Sábado passado tive um destes momentos (domingo também, mas este sairá num outro post).
Fui jantar na casa de comadre A. e compadre F., jantar marcado cedo para que Gabriel, filho destes, pudesse usufruir de nossa companhia. Na verdade, nós sempre é que usufruímos da companhia deste garoto inteligentíssimo, perspicaz e muito meigo. Fiz um prosaico penne com aspargos e presunto cru, subtraindo de minha receita original o vinho branco, pois uma criança de 5 para 6 anos jantaria conosco.
O jantar foi ótimo, papo entre amigos que se gostam (éramos seis adultos - o casal, eu, comadre C. e o "casal delícia" R&O, apelidado assim pois ambos são bonitos, agradáveis e encantadores); a massa saiu a contento, o vinho era como sempre - excelente, compadre tem ótimo gosto e ótima adega também - a sobremesa eu havia levado pronta, uma torta de limão da Casa do Pão de Queijo, cujo nome poderia ser Casa do Pão de Queijo, da coxinha e da torta de limão, pois são todos excepcionais, e tudo corria bem até que Gabriel disse que provavelmente a Fadinha do Dente iria visita-lo, pois estava com um dente mole. Era mais prudente extrair o dente mole para que ele não o engolisse, e evitar que a Fadinha ficasse desapontada.... Era o segundo dente de leite do guri, e ele já tinha um certo know-how, mas o método solicitado pelo mesmo era muito complexo. Eis que comadre C. saca um algodão não sei de onde, fala que a Fadinha herself havia ensinado o jeito certo de resolver isto, coloca a mão no dentinho mole, recita as palavras mágicas ordenadas pela tal Fadinha, e voilá - o dente já estava na mão dela, sem sangue nem nada.
Claro, Gabriel chorou um pouquinho - mais por charme do que por dor, mas nada intenso, um chorinho pedindo o colo da mãe, básico.
Mas era a primeira vez que eu passava por isso em minha vida adulta. Tive a impressão de estar participando de um momento único, como se aquele dente fosse "o dente", do qual ele iria se lembrar ao longo de sua existência, etc.etc.etc. Mas como não tenho filhos nem sobrinhos, tenho afilhados que amo e que me proporcionam momentos prosaicos e (ao menos para mim) poéticos como este. Parecia que eu tinha participado de um rito de passagem de um moleque que adoro, e que quero ver crescer e se tornar o belo homem que promete, visto que sua educação se dá de uma forma sólida, consistente e amorosa, sem dogmas nem preconceitos.
Ao chegar em casa, mais tarde, não conseguia ler nem ver tv. Fiquei matutando sobre famílias, as famílias que recebemos e as que escolhemos. A que recebi me foi subtraída de forma incisiva e precoce,  tirando minha chance de conviver com prováveis sobrinhos e/ou sobrinhos-netos, mas a vida me foi generosa concebendo-me a honra e graça de ter amigos queridos que supriram esta lacuna (e outras), mostrando-me o caminho da amizade e do amor involuntários, por opção - e não por laços de sangue -, e, talvez por isso, mais fortes e intensos.
Aos que me proporcionaram este - e outros momentos de igual teor-todo meu amor. E uma comida feita com carinho sempre que quiserem. Estou aqui para isto - para amar os que me são caros.
(foto feita pelo compadre)
Penne con prosciutto i asparaggi
(para cinco pessoas)

500 gr de penne
1 maço grande de aspargos verdes frescos
300 gramas de presunto cru em fatias
1 cebola pequena
3 dentes de alho
azeite de oliva virgem
1 colher de sopa de raspas de limão (no caso, usei sal com raspas de limão e erva doce)
1/2 copo de vinho branco seco (não usado nesta noite)
sal a gosto
pimenta do reino
queijo parmesão ralado quanto baste

Colocar uma panela grande com água para ferver (três a cinco litros).
Limpar os aspargos, verificar se a água já está fervendo, colocar um punhado de sal na panela, e colocar os aspargos em seguida. Retirar depois de 90 segundos, colocando os aspargos numa tigela com água e gelo para interromper o cozimento. Não descartar a água, por favor!!
Refogar a cebola no azeite, acrescentar o alho, colocar duas ou três fatias do presunto cru bem picadinho neste refogado, abaixar o fogo e refogar por uns 3 minutos, até que a cebola esteja dourada e o presunto crocante.
Retirar a parte inicial do aspargo (que é muito fibrosa) e corta-lo em rodelas de 1,5 centímetros aproximadamente, separando as pontas inteiras.
Colocar a massa para cozinhar por 6 minutos. Escorrer e reservar parte desta água.
Refogar o aspargo rapidamente na mistura de cebola, alho e presunto, adicionar as raspas de limão, verter o vinho branco (não gelado) na panela, mexer por uns 15 segundos, colocar a massa, uma concha pequena da água do cozimento, corrigir o sal e a pimenta, mexer por um minuto, colocar um punhado farto de parmesão ralado, mexer rapidamente e apagar o fogo.
Rasgue o presunto em pedaços, misture à massa rapidamente, polvilhar o queijo ralado restante e sirva imediatamente.