Então eu descobri o aratu.
Um caranguejo especial, de carnes delicadas e extremamente saboroso.Aparentemente, pesca do aratu era uma atividade essencialmente feminina: as mulheres iam para o mangue pela manhã e cantavam canções tradicionais para atraírem os crustáceos para uma armadilha. Si non é vero, é bene trovato, como dizem os italianos. Mas voltando: o aratu me foi apresentado depois de anos freqüentando Recife, pela primeira vez ontem, sob a forma de uma opulenta fritada deste crustáceo de nome elegante, que me lembrou uma peça de Erick Satie (o que gerou o título do post). Eu já tinha comido agulhas fritas, uma empadinha de queijo-do-reino altamente calorica, uma de camarão, meio copo de caldinho, um casquinho de caranguejo
e aí um chegou este prato, pedido por um amigo. Aviso aos que não me conhecem: não coloquem comida que eu não conheço perto de mim. Se não fui eu quem pediu, eu fico louco, quero pedir um pedaço, quero tocar com os dedos e toda sorte de atos vexatórios, mesmo se a pessoa em questão não for intima. Os que me conhecem já sabem disto, e me oferecem antes mesmo de provarem.
Bem, voltando: o aratu e muito, muito bom. Coloquei no Facebook que ia rever minha relação com os amigos pernambucanos, que ainda não haviam me apresentado esta iguaria. É que tenho uma predisposição para o novo, em termos gastronômicos, que já me causou problemas. Gástricos e financeiros...
Um dia antes, aqui em Recife, tinha comido um peixe com molho de camarões numa versão tão pretensiosa e malfeita, com molho branco, queijo e sei-lá-o-que-mais (achando que ia comer uma prosaica pescada com molho fresco de tomates, cebolas e camarões, como deveria ser), que fiquei matutando: o que leva uma pessoa a consumir variantes tão distantes de sua cultura, se estas variantes não são originais, autenticas e sequer bem-feitas?
Comprovei esta sensação hoje, ainda na capital pernambucana, quando fui convidado a tomar sorvete num local recém-aberto. Cheguei ansioso por sabores como cajá,
graviola, tapioca, mangaba, caju, pitanga. E vi na geladeira: sorvete de fruta do bosque(sim, no singular...), de creme russo( uma coisa rosa-acrilex...), de pistache (uma coisa verde-acrilex), de baunilha (uma coisa amarelo-limão-acrilex...), de cheese-cake...Notei que eram os mais pedidos. O que faz uma pessoa aceitar sabores que não conhece na integra, em detrimento de seus conhecimentos ancestrais? Não, não prego a xenofobia gastronômica, topo tudo neste segmento, lembram? Mas não consigo aceitar a desvalorização dos elementos típicos de uma cultura em prol de uma pseudo-internacionalização. Minha amiga Janete Costa, de quem sempre me lembro, mulher cultíssima, disse-me uma vez: "é mais fácil ser internacional se você tiver consciência de sua regionalidade e características desta." Aqui em Recife e mais fácil conseguir caipirinha de kiwi ou morango do que de caju, que adoro e considero muito mais sofisticada e saborosa.
Por isto que adoro a Neide Rigo, do COME-SE. Profunda conhecedora da culinária brasileira, defensora de uma valorização dos elementos de cada lugar, de seu aproveitamento absoluto, ela tem mais chances de se tornar internacionalmente conhecida do que quem copia valores externos para se sentir up-to-date.
O que o aratu não faz num homem...
Também adoro a Neide Rigo, quando eu for grande, quero ser como ela...
ResponderExcluirP.S. Suas fotos ainda que norturnas, são lindas também ;)
Menino! O que o aratu não fez heim!!?
ResponderExcluirQue texto legal, li sem piscar :)
A Neide Rigo é ótima mesmo, o seu blog é mais internacional do que podemos pensar :)
Sobre a preferência para o internacional... isso é triste, mas infelizmente existe! E para mim é uma coisa tão desconcertante dizer para as pessoas escolherem manga ao invéz de pêssego.
É como se eu estivesse dizendo... come aí que é uma delícia também :s
Sinto muito por sua experiência frustante e concerteza sorvete de cajá é muito melhor que de pistache acrilex, hahahaha, adorei a denominação!
Um abraço, Queila
Wair, estou com você nessa! cada lugar tem seus ingredientes tao peculiares e interessantes e é uma pena que muita gente tenha essa fascinação pelo que vem de longe. eu aproveito muito a fartura agricola da região onde vivo. claro que se recebo uma goiabada cascao [por ex] de presente, vou adorar e devorar com muito prazer. mas me contento com o local. um abraço!
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