Algumas fórmulas ou junções
nasceram para dar errado. Já dei festas em casa que correram às mil maravilhas,
e outras em que fiquei exausto integrando os convidados. Já vi refeições onde
todos os pratos eram bons, mas o “conjunto da obra” era uma confusão. Há
elementos químicos que não podem nem chegar perto um do outro sem consequências
desastrosas. O mesmo acontece na vida – imagine um debate entre...Thomas Mann e
Paulo Coelho, por exemplo. Ou um workshop juntando Gretchen e Nana Caymmi...Quem
sabe um show de Brad Mehldau com abertura do Restart? Ou uma exposição onde o
curador – insano, claro – coloca lado a lado Lucian Freud e (arghh...)Romero
Brito...Em suma – receitas perfeitas para o erro.
Pensei nisto ontem à noite,
quando comecei a fazer o almoço de hoje – um cozido, simples cozido, atendendo
ao pedido... (-Wair, faz um cozido amanhã? É feriado, está chovendo, a gente não precisa sair de casa, convida
alguns amigos,é fácil de fazer...preciso aprender a entender o sentido de "roubada"...). Já tinha feito feijoada, feijoada pernambucana,
cassoulet, mas cozido português nunca. Fui direto para a internet, e encontrei
algumas dezenas de receitas – todas diferentes. Não apenas diferentes, mas
completamente diferentes. Eu insisti na pesquisa, até que vi um vídeo de uma
blogueira portuguesa, cujo blog não cito por educação, que mostrava todos os
elementos do cozido típico. Sete tipos diferentes de embutidos – sendo alguns bastante
desagradáveis aos olhos -, uma orelha de porco, duas couves, um cubinho de
caldo de carne, um de caldo de galinha, um de caldo de legumes... Parei na
hora. Apelei para minha memória gustativa, e me aventurei no prato. E cheguei à
conclusão – cozido é um prato feito para dar errado. Vão carnes de diferentes
origens e distintos tempos de cozimento. O mesmo acontece com os legumes e
verduras, ou seja – se bobear, o cozinheiro poderá servir no mesmo prato carnes
duras e outras desmanchando, legumes crus e outros ultra cozidos, grãos
resistentes e...
Imagino os novos chefs dando uma
receita destas – 85 gramas de paio cozido à tantos graus por 14 minutos, 73
gramas de folhas de couve orgânica cozidas por 9 minutos, 500 gramas de peito
bovino cozido à baixa temperatura por 4 horas e meia...Não dá para ser preciso
neste prato. Intuição, prática, tempo, boa vontade e muito muque são os ingredientes
básicos para que esta receita obtenha bons resultados. Certas misturas dependem
de uma química especial para dar certo, transcendem às leis pré-estabelecidas,
requerem ingredientes imprecisos, como os bons relacionamentos. Como tenho uma
relação estável de 25 anos, creio ter encontrado, pelo menos neste campo, uma
receita que não é mensurável, não tem ordem precisa nem quantidades
matemáticas, mas que, até prova em contrário, deu muito certo. Assim como este
cozido, consumido e apreciado por seis amigos – mas poderiam ser oito, ou nove,
quiçá dez...
COZIDO – uma
não receita para 6 ou 8 ou 9 pessoas
100 gr de
Toucinho (gordo)de porco de excelente qualidade
500 gr de
Costela bovina desossada
500 gr de
Peito Bovino
500 gr de
Costela suína com osso
300 gr de Lombo de porco salgado (dessalgado
de um dia para o outro)
150 gr de
Lingüiça fresca de lombo
200 gr de
Lingüiça portuguesa curada
100 gr de
Paio
6 dentes de
Alho picado
1 cebola
picada
4 cebolas
inteiras
4 cenouras
2 batatas
doces
3 batatas-
inglesas
3 bananas da
terra
2 maços de
couve
18 quiabos
500 gramas de
abóbora paulista
2 chuchus
2 cabeças de
alho
500 gramas de
grão-de-bico cozido
Em uma panela
de ferro derreter a gordura do toucinho em fogo baixo, até que ele fique
crocante. Reserve.
Em outra
panela de fundo grosso, dourar as carnes separadamente, temperar com um pouco
de sal e pimenta do reino e ir colocando na panela onde estava o toucinho.
Quando todas as carnes estiverem douradas, coloque um pouco de farinha de trigo
na panela onde foram douradas, fazer uma espécie de “roux” com a gordura
presente na panela e a farinha, acrescentar três litros de água fervente,
dissolver a farinha e adicionar às carnes. Ferva as carnes em fogo médio com
meia cebola, duas folhas de louro, quatro dentes de alho, um galho de tomilho e
ir retirando as carnes mais macias assim que estiverem cozidas. Reserve.
Cozinhar o
paio e a lingüiça curada neste mesmo caldo, retirar e reservar junto às carnes.
Cozinhe neste caldo os legumes e verduras separadamente, acrescentando água
fervente se necesssário. Coloque os legumes em refratário.
Em outra
panela, refogar as linguiças frescas sem pele, a meia cebola restante, os dois
dentes de alho restantes, e colocar o grão-de-bico cozido. Refogar, adicionar
500 ml de água fervendo, corrigir o sal e a pimenta, até que esteja macios mas
resistente ao garfo.
Com metade do
caldo restante do cozimento das carnes e legumes, acrescente farinha de
mandioca suficiente para fazer um pirão. Separe as carnes, coloque no forno em
refratário com papel alumínio até que estejam bem quentes – fazer o mesmo com
os legumes.
Regar o caldo
restante sobre as carnes e sobre os legumes, adicionar azeite de oliva virgem e
servir com o pirão ou com o grão-de-bico. Ou ambos, afinal este não é um prato
dogmático...
Sempre há uma pegadinha no modo de preparo dos cozidos...
ResponderExcluirGrande abraço!
Bergamo
O senhor pode me convidar para uma dessas festas de Babette, por favor?
ResponderExcluirJuro que arrumo a cozinha, lavo os cristais, a porcelana, a prataria, converso com o companheiro de 25 anos e canto uma ária de ópera se precisar
Combinado! Mas aviso que a ária preferida do companheiro é Casta Diva...abs
ExcluirDanou-se ! Um barítono cantando Casta Diva vai ser jogar um boi inteiro no cozido!
ExcluirBjs
Oi Wair, sou Margot e resolvi visitar seu blog hoje. Me arrependi. Já devia ter visitado a muito tempo.... Céus é uma degustação literária e gustativa ...rsr. Que delícia... tudo, literalmente gostoso. Adoro cozidos, como com os olhos e seus pratos me saciaram agora, bem como os textos.
ResponderExcluirSe permitir, vou voltar sempre.
Gracias
Wow, que comentário mais delicioso! Eu espero sim que você volte sempre, gracias!
ExcluirPra receitas portuguesas eu sempre consulto o cozinha tradicional portuguesa, de Maria de Lourdes Modesto, raramente busco receitas à internet. O seu cozido me lembrou o pot au feu que faz tempo tenho vontade de fazer.
ResponderExcluirWair, avó, mãe e sogro fazem (a avó fazia...) cozidos maravilhosos. Cada um à sua moda. Em comum, todos cozinham as carnes separadamente. Eu nunca me aventurei. Curiosidade: ao todo quanto tempo de cozimento? Abraço, Rogério.
ResponderExcluirRogério, isto é um mistério maior que o Mistério de Fátima...o peito bovino cozinhou por 5 horas. As costelas bovinas desossadas por 50 minutos. O mesmo para as costelas suínas. No total foram 6 horas e meia de fogão...
ExcluirForte abraço!
wair, obrigado pela dica do livro no blog. vou procurar e colocar na minha lista.
ResponderExcluirsobre o cozido, pela foto deu vontade de provar!
abraços!
opa Wair blz? retribuindo a visita (não tinha visto antes o link pro teu blog). Bem legal e tava pensando nisso hoje como as coisas tem tudo para nao funcionar juntas e nos surpreendem. E, incrivel como as vezes vai atras de uma receitaque aparentemente e simples e vê um monte de lugares complicando algo que e bom pela simplicidade. belo blog.
ResponderExcluirhttp://weekendbestrecipes.wordpress.com/
Oi Wair,
ExcluirPara mim cozido é um dos pratos mais trabalhosos de se fazer, apesar de ser delicioso. De vez em quando me arrisco, mas sempre com receio de não ficar tão bom e com a certeza que deverei estar "inteira" no preparo, senão ele vai passar do ponto.É daqueles pratos para se ficar "no pé do fogão", horas e horas.
Por sinal você me lembrou que ainda não postei essa receita no Simples Assim.Boa desculpa para faze-lo qualquer dia desses.
Bje boa semana,
Lylia
Sinto muita falta de cozido, a cara da minha mãe, ow saudade da comidinha da mainha no Brasil. Quero tentar, mas estou me preparando psicologicamente, tenho todos uns medos kkkkk Beijos
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