food, art & spirits

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domingo, 8 de julho de 2012

domingo, domenica, dimanche...

Tem uma frase de Clarice Lispector que sempre achei estranhíssima : "...eu que detesto domingo por ser oco." Por trabalhar desde muito cedo, os domingos sempre me foram agradáveis. Esteja eu disposto a fazer um milhão de coisas ou não, gosto muito de ficar em casa nestes dias, arrumando coisas, brincando com os cachorros, lendo e ouvindo música, aprontando coisas interessantes para o café-da-manhã,


 e se pintar um cinema e pizza à noite, como convém - tudo bem. Domingos me são cheios de memórias - lembro de estar esparramado no chão entre revistas e jornais, ouvindo Matt Bianco enquanto meu primo cortava frios e fazia pratos com cebolinhas, anchovas e pães cortados em rodelas, que comíamos lentamente enquanto conversávamos e líamos e ouvíamos música, tudo ao mesmo tempo. Apesar das poucas lembranças da infância, lembro perfeitamente do som de música havaiana ou da voz de Clara Nunes ou Eddie Gourmet que saíam de uma antiga vitrola de madeira e botões de baquelite, pois estas eram as escolhas de minha mãe para acordar a casa aos domingos - esperava até 10h00, 10H30 no máximo. Aí, ligava o som bem alto, impreterivelmente. Quando morava em Santos, era o dia para visitar meus avós maternos em São Bernardo - o que significava acordar um pouco mais cedo, subir a Serra do Mar ainda sonolento no banco traseiro do carro, para encontrar com os primos, tios e avós entre goles de vinho tinto diluído em água e cardápios quase sempre inalterados - arroz de forno, carne assada ou filet à parmegiana, maionese de legumes, salada de frutas. Já no período em que morei no Rio, alguns domingos eram perfeitos para frequentar o brunch do Copacabana Palace - mais pelo cenário e paisagem humana do que pela comida mesmo, pois detesto comida mexida de buffet. Mas ficar horas beliscando salmão e blinis entre amigos sempre foi e será agradável.
Bem, hoje é domingo. Mas novamente estou sozinho - aliás, estamos, pois Eduardo está no frio paulista, enquanto eu transpiro no calor do inverno pernambucano. Tento fazer com que este fato não acabe com meus dogmas dominicais - acordo, preparo um rápido desjejum,


 leio todos os jornais locais, e ouço Nana Caymmi cantando "segue teu destino, rega tuas plantas, ama tuas rosas - o resto é sombra de árvores alheias...", um poema de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa musicado, interpretado por uma das melhores vozes femininas que conheço. Decidi ouvir mais atentamente a canção, apesar de sabe-la de cor. E ela continua...

A realidade 
Sempre é mais ou menos 
Do que nos queremos. 
Só nós somos sempre 
Iguais a nós-próprios. 

Suave é viver só. 
Grande e nobre é sempre 
Viver simplesmente. 
Deixa a dor nas aras 
Como ex-voto aos deuses. 

Vê de longe a vida. 
Nunca a interrogues. 
Ela nada pode 
Dizer-te. A resposta 
Está além dos deuses. 

Mas serenamente 
Imita o Olimpo 
No teu coração. 
Os deuses são deuses 
Porque não se pensam. 


Então tá. Reguei as flores, as plantas, o jardim inteiro. 


Vivi simplesmente. 


Vi de longe a vida 


e não interroguei-a - aliás, não a interrogo desde muito, pois ela sempre fez o que quis sem me consultar. Aproveitei e arrumei o closet, o banheiro, o armário da cozinha, joguei fora coisas velhas, li, vi televisão, ouvi música, belisquei algumas coisas, li mais um pouco e escrevi este post. Apesar de tudo, excepcionalmente hoje entendi a fala de Clarice.

18 comentários:

  1. nunca vivi sozinho ... agora por circunstâncias da vida tenho experienciado esta coisa de estar só em casa ... tenho estanhado muito mas acho q estou começando a gostar ... e aí sou como tu ... dano a fazer coisas de casa ... rs

    agora! Domingo sempre achei um saco ... Clarisse tá certa ... é um dia oco ...

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    1. Paulo, quem somos nós para discordar da sra. Lispector, não é mesmo? Abraços

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  2. Que lindo! Por coincidência meu post de ontem também foi sobre o domingo. Eu gosto e sinto falta dos invernos quentes do nosso nordeste, aqui em terras britânicas o verão de 16 graus não tem aconchego de verão. Que vista a sua pro oceano... Bjs e uma ótima semana para vc =*

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    1. Larissa, 16* aqui em Recife eles usam casaco! Beijos, ótima seman 4u2!

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  3. Caro Wair,

    É o dia que a vida nos lembra exatamente como vc escreveu: "....pois ela sempre fez o que quis sem me consultar."
    Acho que é daí que Clarice chegou a conclusão do som OCO do domingo!
    Mil obrigados pela indicaçãp do Tealosophy...
    Voltei abarrotado de chás, aromas e cores!
    bjs de frio paulista

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  4. vida muito boa––só digo isso! ;-)
    abração.

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  5. vida muito boa nº 2 - que vista é esta, é da sua casa?
    abraços
    Regina S. Malta

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  6. Wair:

    Que delícia de blog....já tô seguindo.
    Apareça no Lua, sempre bom fazer novos amigos.
    Abraços e linda semana.

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  7. eu gosto de fazer coisas de casa e concordo com Clarice sobre os domingos

    beijos e ficou muito bom seus votos! muito bom mesmo!

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  8. Seu domingo foi delicioso, como o meu... cheio de coisas agradáveis e que trazem alegrias ao coração... linda vista!
    Abraços

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  9. Domingo bom é domingo assim.
    Pura delícia!
    Aproveita, guri!
    Hugz!

    E ri alto com teu comment lá no blog... valeu!

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  10. Wair, você escrevendo cada vez melhor! Belo texto... para mim os domingos causam "mixed feelings": as manhãs têm uma paz especial,aconchegante, que nenhum outro dia da semana possui. Almoço é hora de lembrar que a vida valeu a pena até o momento. As tardes são sorumbáticas... prenúncio do dia seguinte. As noites? Bem... francamente? Saudade danada do Brasil e das pizzas de São Paulo, que não se encontram aqui na China.

    Abs
    Rogério

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    1. Rogério, mais uma tarefa chinesa para você - fazer uma típica pizza paulistana em Shanghai. Forte abraço!

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  11. Mais um elogio: belo texto.
    Abraços,
    Marcelo

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