food, art & spirits

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sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Velhos hábitos, novos hábitos...

No passado remoto não comíamos com talheres – as mãos faziam as vezes de garfo, e os dentes, de faca. Hoje temos os talheres para escargot, para peixe, carne, artefatos especialmente desenhados para massas (alguns verdadeiras obras de arte), para sorvete, bolo, patê e por aí afora. E, como estes apetrechos vieram na esteira do desenvolvimento dos hábitos alimentares, provavelmente teremos novas e inusitadas surpresas no futuro próximo. Nos desenhos e  filmes de ficção científica do passado, que vislumbravam o novo milênio, a alimentação ou era uma recriação dos pratos vigentes, sob uma estética “futurista”, ou vinha em forma de pílulas. Simples assim – ou rosbife ou pílula de rosbife.
Mas nós não nos acostumamos com a praticidade, gostamos de complicar. Quando digo “nós”, digo a espécie humana. Ô raça com pendor para o complicado é a espécie humana. Em nossa ânsia do novo, nossa quase infinita necessidade de imitar o Criador, tentamos constantemente criar um mundo totalmente moldado à nossa forma e semelhança. E arriscamos aplicar isto aos nossos mais arraigados e rotineiros hábitos, como alimentação.

Este preâmbulo deseja nada mais do que manifestar um certo incômodo deste observador para esta que é uma das mais básicas necessidades do ser humano, nutrir-se de proteínas, carboidratos e otras cositas mas  para manter o corpo funcionando. Vejo com certa resistência (apesar de meu liberalismo gastronômico) algumas experimentações físico/químicas quando colocadas em meu prato.
Recentemente, em um festival gastronômico no Nordeste do País, um grande número de chefes se empenhou para demonstrar suas habilidades e sua capacidade de adaptação à nova corrente, que prega as virtudes da “cozinha molecular”, como se fosse possível falar de uma “cozinha imolecular”... E tome espumas, muito nitrogênio, mais espumas, pipetas com sucos quente/frio, e na foto de um prato um inusitado conta-gotas contendo algum tipo de azeite customizado, e uma explicação de como deveria ser sorvida aquela refeição. Eu disse refeição? Parecia mais uma experiência hospitalar – ou você, leitor, já imaginou algum dia ir à um incensado restaurante, e encontrar um conta-gotas no prato?
Outro prato trazia uma “poeira” de camarões. Deu-me vontade de chamar a faxineira, para limpar a  “poeira” do prato...Aliás, eu disse prato? Era uma bandeja retangular, absolutamente plana e imaculadamente branca, em cuja superfície pousavam, além da citada imatérica receita, uma linha viscosa resultante da redução de alguma coisa misturada com outra coisa – impecavelmente desenhada, diga-se de passagem! -  um montinho de brotos de bambu (os fashionistas diriam –“o broto de bambu é a nova salsinha”...) e duas caudas de camarão milagrosamente equilibradas. Fiquei pensando – como se come isto? Com os talheres usuais, não dava. Talvez faltasse um canudo, para cheirar a poeira e sorver a linha viscosa. E uma pinça para pegar os brotinhos de bambu. Ou então, suprema evolução, cheiremos a poeira com nossas narinas coladas ao prato, usando a língua diretamente para experimentar o líquido, e fazendo uso das mãos para legar o sólido à boca. Mas tudo muito pensado, executado de uma forma solene e precisa. Pois, se não realizarmos este novo ato com muita atenção, corremos o risco de pegar o conta-gotas do prato ao lado e pingar nos olhos, ouvidos ou nariz, pensando que é remédio...

2 comentários:

  1. A gente raramente para pra pensar nos talheres. E acaba se esquecendo que o uso dos talheres é restrito a uma minoria no mundo. A grande população chinesa e todo o Oriente come com pauzinhos, a Africa e os países islâmicos come com as mãos. Talheres são mesmo coisa só desta gente metida da Europa, das Américas e da Oceania.

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  2. juro que se pudesse eu queria apenas pílulas que substituissem a comida... comer não me apetece.

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