singapura é uma cidade que me
fascina. ela é encantadora, limpa – limpíssima aliás – pujante, surpreendente,
aparentemente bastante segura, e eu me sinto deveras confortável neste canto do outro lado do mundo. e numa
tarde livre de uma agenda apertada, decidi dar um passeio por uma área que não
me era muito conhecida – chinatown e o
bairro indiano. corri as ruas e barracas daquele bairro chinês, entrei no
templo mais conhecido do lugar e acendi incensos aos meus deuses e crenças
pessoais, e me deparei com um prédio maravilhoso, de cores intensas,
contrastantes, diferente da área moderna onde costumo ficar.
foi um choque, um
susto de cor, fiquei parado no meio da rua adorando aquilo, esperando um
momento sem ninguém na rua pois queria o prédio absoluto, e então fui andando e
descobri uma outra singapura, outra estética.
as cores foram me chamando, fui
atraído por uma escala estranha de matizes,
desencontros estéticos, épocas e
estilos diferentes, e de repente estou numa rua com casinhas em ambos os lados,
sem calçada, cujo passeio era entre as varandas,
cercadas de plantas, portas
semi-abertas, um clima de passado, de intimidade, de conectividade não
exarcebada, um universo sensível. senti-me
rapidamente transportado para um outro tempo, de menos ruído e mais poesia, de
comida menos enfeitada com mais
consciência e menos conceito, e repentinamente deparo-me com uma parede de azulejos
art-nouveau,
venezianas brancas, umas mesinhas com cadeiras típicas dos bistrôs
parisienses, e estou em frente a um bistrô-a-vin em pleno bairro chinês em
singapura! mínimo, lindo, cheio de objetos antigos, um espaço perdidinho no
tempo, com pratos típicos da ancienne cuisine : andouilles, pâté en croute, aligot, ratatouille, etc. eu não estava
realmente com fome, mas o calor e o clima do lugar me atraíram de imediato.
sentei-me, pedi uma cerveja – apesar da carta de vinhos curta e ótima – e
ofereceram-me um potinho em prata e porcelana com castanhas.
como dizem os
americanos, para mim este tipo de sofisticação é um “wow factor” – um pote antigo, com porcelana
já envelhecida, lindo. na segunda cerveja, a atendente ofereceu-me uma pequena
tábua de queijos com pães feitos na casa. segundo “wow factor” – pães caseiros,
não resisto. e ela não me enganou – uma faquinha laguiolle, uma tabua com
alguns queijos ótimos, e pães de casquinha crocante e miolo sólido, mistura de
farinha branca com integral.
em suma – fiquei um bom e longo tempo neste espaço
perdido, comendo coisas básicas e ancestrais, sem pressão nem pressa, absorvendo
as cores ao meu redor, o tempo parado parado, o suave barulho das folhas
balançando,
os sabores contrastantes dos queijos...um momento perfeito, apesar
de sozinho. não que eu seja dependente full-time de companhia, mas alguns
momentos devem ser compartilhados, pela qualidade destes e pela generosidade de
dividi-los com quem se divide a vida.