food, art & spirits

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domingo, 16 de outubro de 2011

Lamento Quase Sertanejo



Eu quero uma casa no campo, já cantava a imensa Elis. Eu também, uma no campo, uma na praia,uma em Paris...sim, sei que pode parecer soberba, mas é que adoro o mundo e odeio hotéis. Então, se pudesse ir para os lugares que gosto e continuar cercado de minhas coisas, adoraria mais ainda estar nestes lugares. Mas neste momento eu queria mesmo uma casa de praia, de preferência um projeto feito por Márcio Kogan. Uma casa transparente, com uma cozinha virada parao mar recebendo o cheiro acre da maresia. Um jardim repleto de temperos básicos, uma rede sob árvores frondosas, um tempo sem relógios nem agenda. Onde eu praticaria uma culinária atemporal, desprovida de tendências mas plena de sabor, um retorno à fartura interiorana, um retorno às travessas e tigelas, não mais prato onde a comida se equilibra em delicadas estruturas, sem pinceladas de molho decorando o prato, e espuma apenas a das ondas do mar quebrando à minha frente. Onde os sucos não viriam em caixas, as flores não viriam em caixas, os ovos não viriam em caixas. Onde o tempo seria medido em estações, em temporadas -"estamos no tempo das geléias de jabuticaba, chegou a temporada da manga e do mango shutney, este mês é ótimo para assar pão e comer bolinhos de chuva..." e por aí. Onde o carro seria usado com a mesma parcimônia com que utilizo o sal e a pimenta. Pouca roupa, pouco desperdício,poucos armários, muito espaço, muito tempo, muita leitura, muito dolce far niente. Um mundo de palavras bonitas como limão-cravo, manga-rosa, palma de Santa Rita, outono - adoro esta palavra, me soa digna. Um lugar de cachorros, pássaros, cantos, gorjeios, chiado de fritura na frigideira quente, de café no coador de pano, de batatas assadas na fogueira. Um lugar de muitos sons, mas sem ruídos. Onde as palavras tendência e fila inexistam, assim como os termos up to date, in, out. Acordar tarde, dormir à tarde, amar no entardecer sem ter que encolher a barriga. Onde os versos "...eu quase não falo, eu quase não sei de nada, sou como rez desgarrada nesta multidão boiada caminhando a esmo" soem naturais, íntimos.

FAROFA MATUTA
2 espigas de milho doce
50 gramas de toicinho fresco
2 ovos
1 cebola em cortada em meias rodelas finas
3 dentes de alho
50 gramas de manteiga
1 colher de azeite
2 xícaras de farinha de mandioca de moagem grossa
sal e pimenta do reino a gosto

Cozinhe as espigas de milho, espere esfriar um pouco e debulhe o trigo (eu extrai-os com uma faca).
Corte o toucinho em pedaços bem pequenos e coloque na panela de fundo grosso. Espere derreter um pouco, adicione as cebolas e dois dentes de alho picados. Acrescente a manteiga e o milho, mexa durante 5 minutos, coloque os ovos inteiros, abaixe o foto e tampe.Quando os ovos estiverem quase cozidos, mexa e incorpore-os ao milho. Derrame 3 colheres de água, adicione a farinha, o sal e a pimenta do reino. Mexa rapidamente, e por último coloque o dente de alho restante espremido sobre a farofa. Mexa e sirva - no caso, foi com lombo de porco assado, batatas doces assadas e arroz basmati. E um ótimo Malbec Rosé, Crios.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

a melhor resposta

Algo errado, algo muito errado. O stress do universo corporativo invadiu esta pessoa de tal forma, que cheguei em casa tenso, irritado, nervoso, decepcionado. E tenho um hábito doentio - quando estou nervoso, não consigo ficar quieto. Tenho que arrumar as gavetas, os CDs (sim, ainda tenho - pode me chamar de antigo!) por tema e ordem alfabética, o armário da cozinha, jogar fora coisas vencidas, baixo músicas (não sou tão antigo assim...), revejo receitas, engraxo sapatos, tudoaomesmotempoagora. E ontem eu estava num destes dias, e o tempo lá fora não ajudava muito, me mantinha dentro de casa. Depois de arrumar algumas inúmeras coisas, fui para a cozinha. Organizei os livros por ordem alfabética, limpei todos os bules ingleses e dispus sobre o armário com milímetros de precisão - com todas as alças viradas para o mesmo lado, claro - e ao mesmo tempo decidi fazer uns cupcakes que vi no blog do Richie (veja receita e post aqui), pois estou incursionando no universo dos doces, bolos e afins. Como este blog dá receitas ótimas - inclusive a receita de panqueca citada recentemente - achei que eu faria o mesmo, um docinho bonito, apetitoso que eu ia dar para minha comadre que acabou de ter bebês e este infame ainda não foi visitar. Tento abrir o pacote de cacau, que se rasga longitudinalmente depois de um certo esforço, e uma nuvem marrom se espalha sobre minha cozinha preta - o horror, o horror. Os cachorros que estavam quietos materializaram-se imediatamente na cozinha, enquanto eu incorporo Hades e vocifero palavras impronunciáveis. Guardar os cachorros. Pegar o aspirador de pó. Trocar de roupa. Ver a cara de irritada da secretária, que tinha acabado de limpar tudo. Terminar de misturar a massa, colocar nas forminhas no forno pré-aquecido e queimar o braço ao encostá-lo na grelha superior, e  sentir um longo vergão vermelho  surgindo imediatamente, denunciando a falta de paciência hoje.
Calma, calma, calma...
Enquanto os cupcakes assavam no forno a 180º, conforme indicado na receita, eu decidi fazer uma pastinha para almoçar, estava sozinho de novo e não queria sair para comer. Fui de tagliarini com camarões e agrião, pois era fácil e eu tinha camarões limpinhos na geladeira. Abri o vinho branco, tomei um gole e...nada. Nada de gosto, nada de álcool, nada de cor, alguma coisa aconteceu e o vinho, excelente, se perdeu. Abri nova garrafa. Vou olhar os cupcakes no forno, que já deveriam estar no ponto certo, e...nada também. Eles cresceram um pouquinho - eu bem que tinha achado a massa líquida demais, apesar de ter seguido à risca as medidas especificadas -, e apenas dois dos doze bolinhos subiram o que deveria. Subiram e tombaram, ficando com uma aparêcia de um souflèe feito durante um terremoto. Enquanto isso, a pasta passava do ponto de cocção, eu tinha me distraído. Retiro rapidamente da água, jogo na frigideira onde esperavam pela massa os camarões aguardando o vinho branco e depois a massa. Mas esqueci o vinho, fui direto misturando com a massa. Quando acabo de fazer isto, vejo o erro da sequência. Adiciono o queijo recém ralado à massa, mexo, apago o fogo, deixo o garfo de madeira com que misturava o prato ao lado da panela, viro-me para tirar os cupcakes do forno e enquanto isto um cheiro estranho me chega. O garfo queimando sobre a chama que achei que tinha apagado, provocando, além do prejuízo do garfo, o resultado inevitável - a massa ressecou. Volto aos cupcakes para afastar a bandeja do limite da bancada, pois os cachorros estão sentido o cheiro e ameaçando puxar uma cadeira para atingir seu objetivo - roubar os doces. Esqueço a luva e o pano de prato e queimo os dois dedões.
Parei. Antes que eu bote fogo na casa, cause um curto-circuito, derrube calda quente sobre Josefina ou Liú, vou tomar um banho e me trancar no quarto com a janela fechada e as luzes apagadas. Tem horas que...