food, art & spirits

food, art & spirits

sexta-feira, 20 de julho de 2012

le goût de la liberté

 

Que gosto tem a liberdade?
Um gosto de leite com café fresquinho numa manhã fria, de manteiga derretendo no pão quente.
Remete a um ótimo cabernet, ou aos potentes aromas de um Barca Velha, um de meus vinhos preferidos.
Lembra o sabor de algodão doce, de banana com farinha láctea, de vinho diluído com água, de festa infantil.
Tem a potência de uma ostra récem-aberta, e a untuosidade de uma latinha de caviar devorada com a companhia de uma vodka Belvedere ou Grey Goose.
Ativa as papilas e narinas como um jantar feito pelo Jun Sakamoto, meu chef predileto com seus sushis perfeitos.
É um gosto de tacacá, pato no tucupi, mordente, inesquecível.
Tem o mesmo sabor de um abacaxi consumido na praia de Boa Viagem, ou do sorvete de morango da Berthillon, no coração de Paris. Ou da lagosta pescada na hora e grelhada com manteiga de garrafa, simples, servida na areia na Ilhota da Coroa do Avião.
As vezes, pode ter o gosto de um simples brigadeiro consumido sorrateiramente, como fez meu afilhado querido em uma festa. Ou daquela receita de cuscuz paulista que sua mãe fazia, e que depois de inúmeras tentativas, você conseguiu reproduzir quase na íntegra.
Pode lembrar o sabor de um beijo apaixonado, de uma lambida na nuca, uma mordida - quem sabe? Sabor de doce de leite, de goiabada cascão, de quindim, de cocada...A adstringência do coentro, a força da raiz-forte, do gengibre e do jalapeño. Pode enebriar como uma garrafa de Poire, acordar como uma garrafinha de chá verde com ginseng, acalmar como um chocolate quente no inverno novaiorquino ou aquecer como uma boa cachaça mineira.
A liberdade pode ter muitos sabores. Hoje, para mim, ela tem o sabor da abertura de "minha" loja, de nome Gabinete D. Após 22 anos na diretoria de uma empresa, torno a me aventurar com Eduardo em outro projeto. Um espaço feito com carinho, apesar do curto tempo entre o projeto, a execução e a abertura. Um conjunto de peças (móveis, tecidos, objetos, quadros, esculturas...) de diversas épocas, estilos, origens - pois acreditamos que a mistura, em todos os sentidos, sempre soma.
Esperamos os amigos, conhecidos, curiosos, interessados. 
gabinete d
alameda tietê 496

jardins    são paulo




segunda-feira, 16 de julho de 2012

life is short

Sao > Rec... Rec > Sao... Sao > Rec... Rec > Sao...

Meu itinerário está mexendo comigo ultimamente. Sol em Recife, frio em São Paulo - o que ocasiona um efeito mágico em minha pele: tomo alguns dias de sol caminhando na praia de Boa Viagem (ou, no que apelidei de "trilha de cooper do executivo tropical - apenas para irritar meus amigos via Instagram), 

e fico com uma cor ótima, saudável. Pego o avião de volta, enfrento o caminho Guarulhos - Morumbi, e já chego pálido...como se eu tivesse auto-instalado um aplicativo em meu HD pessoal parecido com o que reconhece as redes Wi-Fi dos tablets e celulares - chego em São Paulo, mode PALE. Ponho os pés em Recife, mode TANNED.
Aconteceu de  ontem chegar meio tarde em Sampa, pois para variar a companhia aérea nos fez esperar 40 minutos dentro do avião. Acordei tarde, portanto meu café da manhã dominical não foi extremamente elaborado. Mas deu para fazer uma peixada ótima no almoço, e aproveitando o pique, decidi dar saída a um pacote de massa folhada prestes a vencer (todo dia eu abria o freezer e ele parecia gritar "me pega, me pega!"), portanto saí, comprei um quilo de maçã Granny Smith, uvas passas, açúcar mascavo - pois o resto já tinha em casa. Decidi não procurar por nenhuma receita, alguns pratos que conheço bem prefiro tentar o método da decifração - as vezes acerto, outras não, claro. Mas faz parte do jogo, portanto...
Descasquei rapidamente as maçãs (ao contrário das outras, esta parece demorar mais para oxidar), cortei-as ao meio, retirei suas sementes e fatiei em lâminas de 5 a 8 milímetros de espessura, para em seguida espremer o suco de meio limão siciliano sobre elas - para evitar que escurecessem.Coloquei 100 gramas de manteiga em uma panela de fundo grosso e as maçãs para dar uma corada, e antes que amolecessem coloquei 3 colheres de sopa cheias de açúcar mascavo, 2 colheres de açúcar refinado, um anis estrelado, um pedaço de canela, e esperei caramelizar sob fogo médio. Quando as maçãs adquiriram um tom dourado claro, adicionei as uvas passas e derramei um cálice de aproximadamente 100ml de Calvados. Esta bebida "limpou" o fundo da panela, fazendo um caldo grosso cor de caramelo. Retirei o anis e a canela, polvilhei com um pouco de canela em pó e reservei esperando esfriar.
Abri a massa folhada, coloquei o recheio frio no meio dela, fechei como um envelope e deixei na geladeira por 15 minutos. Retirei, pincelei com um ovo batido diluído com um pouco de água, e forno pré-aquecido por 180 graus por exatos 35 minutos. Retirei, polvilhei açúcar de confeiteiro, e servi ainda quente, crocante, sem creme azedo ou chantilly ou sorvete, foi pura mesmo. 

Comi o segundo pedaço, e imediatamente bateu a culpa - ainda estava sob o efeito da tentativa do regime. Mas, what the hell, life is too short!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

fausto no nordeste

Em um filme magnífico que não me lembro o nome, baseado no mito faustiano, o demônio no final fala - a respeito de Fausto - "a vaidade é o melhor de meus defeitos", justificando que, em nome dela (a vaidade), os homens cometem os maiores desvarios.


Eu mudaria a frase para "a gula é um dos meus melhores defeitos". Fui vítima dela hoje. O mito de Fausto se baseia na tentação sofrida pelo personagem principal em buscar conhecimento e sucesso - prazeres pessoais, em suma - e cede às propostas de Mefistófeles, que cumpre o desejado em troca da alma de Fausto.
Pois hoje conheci um garçom mefistofélico, que me tirou de minha probidade gastronômica. Decidi que ia fazer um pequeno regime, pois estou poucos quilos acima do meu peso pretendido. Ontem comi uma salada com grelhado no jantar, hoje frutas com coalhada no café da manhã, um peixe grelhado com legumes no almoço...estava indo tudo muito bem. Até que eu decidi fazer um lanche no lugar do jantar, coisa comum aqui em Pernambuco. E me dirigi a um restaurante que tem uma variedade de opções bastante satisfatória -mas quis a mão Mefistofélica do Destino que neste lugar estivesse ocorrendo uma festa de aniversário absolutamente ensurdecedora, sob o complacente consentimento dos donos da casa. Não consegui ficar dois minutos, saí irritado e zonzo pela barulheira. Caminhei uma quadra para pegar meu carro e deparo-me com um restaurante que não conhecia...mais coincidências que deveriam me dar as dicas de minha sorte nesta noite. Mas não, não percebi os sutis sinais de minha sina, e decidi conhecer o restaurante que tinha o simpático nome de Caldinho do Camarão. Pensei...vou tomar um caldinho de camarão, uma água, e vou embora. Sentei-me pronto para meu pedido quando o garçom chega com o cardápio, que recusei. Disse "por favor, um caldinho de camarão e uma água gelada." O doublé de garçom com o Impronunciável me responde "claro, mais alguma coisa?  posso dar uma sugestão - recebemos hoje patolas de caranguejo, estão fresquíssimas, se o senhor gostar garanto não se arrependerá..."
E eu não percebendo os insidiosos sinais daquela tentação. Respondi - não, obrigado.Estou tentando fazer um regime...Esta fala deve ter atiçado o sangue demoníaco daquele profissional. Trouxe-me um copinho de caldo de camarão, uma água gelada e um pratinho com duas patolinhas a milanesa, dizendo "tomei a liberdade de trazer as patolas, para o senhor provar - claro, sem compromisso nenhum. Se não gostar, por favor, fique a vontade." Disse-me tudo isto com um sorriso sibilante, mais uma prova inconteste que releguei, ingênuo, desarmado. Tomei o caldinho, correto - provei a água, era água. Olhei para as patolinhas, peguei uma , pinguei umas gotas de limão, levei à boca e...maravilha. Sequinhas, bem temperadas, suculentas, pecaminosas. O olhar belzebuniano do garçom já dizia tudo - "esta alma eu já conquistei, hahahaha!". Chegou com a cara de falso inocente e me perguntou - "gostou? posso trazer uma porção para o senhor? recomendo a caipirinha de nosso barman, é tradicional, ótima companheira para estes caranguejos."
Imediatamente, transmutei-me em um Fausto contemporâneo em pleno nordeste brasileiro. Já sentia em minha boca o gosto da amostra, estava absolutamente caído em tentação por aquela iguaria. E já imaginava o sabor da caipirinha casando perfeitamente com o prato.Cedi, feito o infeliz personagem cedeu na história, e vi-me repentinamente entrando nos círculos do Purgatório, ao receber um prato com 40 - sim, QUARENTA - patinhas de caranguejo impecavelmente fritas, algumas rodelas de limão e um copo imenso de caipirinha com muito gelo...
Sim, fartei-me no pecado da gula. Comi quase que dois terços daquele prato, sorvi a caipirinha como o personagem de Goethe e de tantos outros escritores sorveu os prazeres cedidos por Mefisto, entreguei-me à devassidão das delícias do gosto, e não mais fiz pois - antes de pedir a segunda caipirinha, caí em minha verdadeira realidade, procurando por um corpo que o Anjo Caído não quer que eu tenha. Saí correndo daquele lugar, quase gritando "Vade Retro!" sob o olhar vitorioso do garçom dos umbrais infernais. Amanhã dedico meu corpo e abdômem à castidade gastronômica - água, poucas frutas, mais água. E vou apagar do meu Google Maps Pessoal aquele endereço. Pois sei que meu corpo está ficando forte, porém porque minha vontade é fraca...

ps - recuso-me a ceder novamente à tentação e publicar na íntegra a receita deste prato. Mas, caso você tenha curiosidade, pode checar a receita AQUI

domingo, 8 de julho de 2012

domingo, domenica, dimanche...

Tem uma frase de Clarice Lispector que sempre achei estranhíssima : "...eu que detesto domingo por ser oco." Por trabalhar desde muito cedo, os domingos sempre me foram agradáveis. Esteja eu disposto a fazer um milhão de coisas ou não, gosto muito de ficar em casa nestes dias, arrumando coisas, brincando com os cachorros, lendo e ouvindo música, aprontando coisas interessantes para o café-da-manhã,


 e se pintar um cinema e pizza à noite, como convém - tudo bem. Domingos me são cheios de memórias - lembro de estar esparramado no chão entre revistas e jornais, ouvindo Matt Bianco enquanto meu primo cortava frios e fazia pratos com cebolinhas, anchovas e pães cortados em rodelas, que comíamos lentamente enquanto conversávamos e líamos e ouvíamos música, tudo ao mesmo tempo. Apesar das poucas lembranças da infância, lembro perfeitamente do som de música havaiana ou da voz de Clara Nunes ou Eddie Gourmet que saíam de uma antiga vitrola de madeira e botões de baquelite, pois estas eram as escolhas de minha mãe para acordar a casa aos domingos - esperava até 10h00, 10H30 no máximo. Aí, ligava o som bem alto, impreterivelmente. Quando morava em Santos, era o dia para visitar meus avós maternos em São Bernardo - o que significava acordar um pouco mais cedo, subir a Serra do Mar ainda sonolento no banco traseiro do carro, para encontrar com os primos, tios e avós entre goles de vinho tinto diluído em água e cardápios quase sempre inalterados - arroz de forno, carne assada ou filet à parmegiana, maionese de legumes, salada de frutas. Já no período em que morei no Rio, alguns domingos eram perfeitos para frequentar o brunch do Copacabana Palace - mais pelo cenário e paisagem humana do que pela comida mesmo, pois detesto comida mexida de buffet. Mas ficar horas beliscando salmão e blinis entre amigos sempre foi e será agradável.
Bem, hoje é domingo. Mas novamente estou sozinho - aliás, estamos, pois Eduardo está no frio paulista, enquanto eu transpiro no calor do inverno pernambucano. Tento fazer com que este fato não acabe com meus dogmas dominicais - acordo, preparo um rápido desjejum,


 leio todos os jornais locais, e ouço Nana Caymmi cantando "segue teu destino, rega tuas plantas, ama tuas rosas - o resto é sombra de árvores alheias...", um poema de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa musicado, interpretado por uma das melhores vozes femininas que conheço. Decidi ouvir mais atentamente a canção, apesar de sabe-la de cor. E ela continua...

A realidade 
Sempre é mais ou menos 
Do que nos queremos. 
Só nós somos sempre 
Iguais a nós-próprios. 

Suave é viver só. 
Grande e nobre é sempre 
Viver simplesmente. 
Deixa a dor nas aras 
Como ex-voto aos deuses. 

Vê de longe a vida. 
Nunca a interrogues. 
Ela nada pode 
Dizer-te. A resposta 
Está além dos deuses. 

Mas serenamente 
Imita o Olimpo 
No teu coração. 
Os deuses são deuses 
Porque não se pensam. 


Então tá. Reguei as flores, as plantas, o jardim inteiro. 


Vivi simplesmente. 


Vi de longe a vida 


e não interroguei-a - aliás, não a interrogo desde muito, pois ela sempre fez o que quis sem me consultar. Aproveitei e arrumei o closet, o banheiro, o armário da cozinha, joguei fora coisas velhas, li, vi televisão, ouvi música, belisquei algumas coisas, li mais um pouco e escrevi este post. Apesar de tudo, excepcionalmente hoje entendi a fala de Clarice.