food, art & spirits

food, art & spirits

terça-feira, 29 de julho de 2014

não, é sopa

O inverno começou com uma sopa de lentilhas com costelinhas defumadas - porque me lembrava um primo querido. Continuou com um caldo verde à minha moda - porque meu compadre gosta, pediu para mim e minha afilhada elogiou (sempre que quiserem estou às ordens, ok?). A sopa de grão de bico com harissa me remeteu ao Marrocos instantaneamente - vontade de voltar para este lugar. E a sopa de milho verde com endro que inventei, pois achei que os sabores iriam combinar, e não é que ficou ótimo? 

Nesta sequência vieram as duas versões de sopa de feijão - a de minha mãe, com o feijão batido no liquidificador e coado, com macarrãozinho e sem carne - e a minha, com os grãos inteiros, legumes e paio, super light (não mesmo...). O capeletti in brodo foi servido na casa de uma amiga querida, e o compadre que gosta de caldo verde lá estava e disse ter sido o melhor que tomou até hoje - orgulho...
Um caldo espesso de carne (músculo, no caso) e os legumes da geladeira, mais quinoa e um monte de cebolinhas me levantou de uma gripe heavy-metal. O creme de abóbora com gengibre e sálvia fez bonito como entrada, num jantar no GabineteD. Ainda não fiz a bouillabaisse, porque a receita é um tanto imprecisa - começa com "pegue um fundo de rede de peixes..."-onde é que eu vou arranjar isto? A sopa de tomates assados estava tão boa que quase tomei na manhã seguinte, com um pouco de vodka - daria um Bloody Mary muito particular. Ainda quero fazer o borscht do jeito que tomei no EAT em NY, um lugar que o Eduardo adora e que repete inúmeras vezes sempre que lá estamos. E o caldinho de peixe igual à um restaurante de Recife de nome insólito - Casa de Banhos.Mas hoje à noite fui de mingau, que serve-se nm prato fundo, toma-se de colher e é quente. E aquece o corpo e o espírito - portanto, pode entrar na categoria das sopas, não?

(nota importante - pego emprestado o título de um livro que adoro, e o subverto...muita audácia de minha parte, perdão Nina Horta!)

 
 
 
 






segunda-feira, 7 de julho de 2014

ogro food

Quem me conhece, sabe de minha queda por comidas e bebidas brutas - cozidos, assados, carnes mal passadas, pães rústicos, vinhos portugueses e espanhóis, gin&bourboun&cachaça, coisas desta natureza. Adoro as sutilezas contidas nestes sabores intensos, mais talvez do que em receitas delicadas - dos quais tenho admiração, claro. Mas vejo certa qualidade ancestral em alguns pratos pensados desta forma.
Semana passada, fui jantar em casa de compadre G. e comadre M. Estava nos planos pedir uma pizza na pizzaria próxima à casa deles, mas fui surpreendido por compadre na cozinha - ele também outro homem que sabe apreciar um prato sutil, mas como eu tem confessa queda por receitas mais "masculinas". E a surpresa foi dupla - ele na cozinha, e um jantar impecável. Uma peça de filé grelhada ao ponto, com interior rosado sangrando um pouco e crosta bem temperada, acompanhado de aspargos perfeitos e um arroz negro irretocável. Nada empetecado, nenhuma redução, sem espuma - apenas a escolha certa dos ingredientes de qualidade e tempo de cocção precisos.
Inspirado pela potência deste jantar, no dia seguinte fiz um steak gordo e suculento na grelha (para ódio e desespero de minha fiel escudeira Rosilda) com ovo caipira frito no ponto exato - a clara queimadinha, a gema mole. Um tico de Jerez limpou o fundo da grelha (e a garganta deste que vos escreve) e virou o molho do prato, consumido com uma ótima cerveja Paulistânia Vermelha, excelente Lager Premium de preço muito bom.

E, no domingo passado, outro acesso de brutalidade. Tinha um bom bacalhau já dessalgado no freezer, em belas postas. Após descongelar, ele foi ao forno com quantidades generosas de azeite, vários dentes de alho sem casca, cebolas, batatas cortadas ao meio no sentido longitudinal, pimentões, pimentas vermelhas e imensos e adocicados tomates em rodelas.
(coincidência, mesmo prato...)
Brocolis passados no azeite e um ovo cozido acompanharam o prato - mediterrâneo, cheio de sabores e perfumes, untuoso (adoro esta palavra), elegantemente rústico. O bom e velho Cartuxa, português de excelente cepa, foi o par perfeito para este prato potente.
Creio que a idade me faz buscar virilidade nos pratos - talvez para compensar alguns déficits de testosterona. Meu paradoxo particular é que, apesar desta preferência pela denominada brutalidade gastronômica, ainda adoro brigadeiro, beijinho de coco, maria-mole e outros doces infantis. Ou seja - no fundo deste ogro reside um fofinho...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

soul kitchen

Sexta feira à noite, para variar - som alto, bons drinks e uma montanha de coisas acontecendo na minha cozinha. Cheguei à conclusão que a noite de sexta-feira em São Paulo é, em geral, uma cilada. Salvo a casa dos amigos ou festas cada vez mais esporádicas, é um dia fadado a dar problemas (acho que estou ficando velhinho...). Trânsito, manobristas invocados, e o serviço das casas abaixo da média pelo excesso de clientes.
Na última sexta, a trilha sonora em casa estava absolutamente bipolar - as usual. Do pop gostoso de Lulu Santos à Elvis Costello, passando por Elis Regina (sempre passa por ela...) e Rihanna. E eu verificava a geladeira, buscando inspiração. Eis que toca uma música que adoro, numa versão impecável - a portuguesa Suzana Félix com Jorge Drexler, num vídeo delicioso.
A esta altura, o vinho rosé gelado consumido em largos goles iniciais mais a música inspirou o primeiro prato - uns bolinhos de bacalhau, que fritei no dia seguinte e que tinham aquele "wow-factor" - crocantes por fora, macios por dentro, no tamanho certo (podia ter feito um pouquinho maior, mas foi um bom treino para a fritura controlada), bem temperados. E eu só não dancei o vira pois não cai bem na minha idade.
Como toda play-list randômica, logo mais estava ouvindo John Newman.

Animadíssimo, mais de meia garrafa havia sido consumida, eu começo a pular na cozinha sob o olhar recriminador de meus companheiros nesta empreitada, Josefina e Leopoldo. Se pudessem falar, diriam "se enxerga..."E eu animado, picando uma montanha de repolho roxo, maçã, cebolas, que adicionadas ao peito de frango recém cozido, e desfiado ainda quente, virou uma salada promissora. Creio que dois dias depois minha assistente Rosilda deve ter descoberto restos de repolho pelas persianas, bules e livros deste ambiente, visto eu estar possuído pelo som, usando a faca como um Wolverine fora de forma
Eu ainda estava agitado, quando a voz suave de Patrick Watson tomou conta do ambiente.
Eu já tinha feito a salada, um caldo de frango forte, os bolinhos de bacalhau, e a cozinha parecia uma cidade arrasada por um tornado - coisas por todos os lados, facas, legumes, três taças (como consegui, se eu estava sozinho? mistério...), e eu vi que precisava de uma parada, para baixar a adrenalina. Figos grelhados e um pedaço de roquefort fizeram a companhia da segunda garrafa de vinho, e repeti a música mais duas vezes, pois tudo combinava de forma perfeita, exceto Leopoldo e Josefina esperando avidamente que algum pedaço de algo caísse no chão - o que não aconteceu, para desapontamento canino geral.
Foi uma voz feminina que me tirou do torpor. 


Nina Simone e sua voz encorpada me forçaram a fazer um pouco de café, apesar do adiantado da hora, e olhar para a cozinha de forma definitiva. Os versos iniciais : "Baby, do you understand me now, Sometimes I feel a little mad" eram a deixa: ou eu fazia alguma coisa, ou corria o risco de perder minha fiel assistente no dia seguinte, tamanho caos instaurado nestes parcos metros quadrados. 
Café feito, Nina ao fundo, arrumei tudo, embalei o que havia sido feito, guardei o que era para ser guardado, enquanto os cachorros me olhavam com cara de aprovação. 
Resultado da façanha - bolinho de bacalhau, arroz de bacalhau, uma espécie de "cole-slaw" mais intensa e com frango, uma sopa de legumes e um recheio de torta de frango com alho poró e amêndoas. E olheiras, claro.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

sundays of wine and roses

Os dias passam, o trabalho nos impossibilita de ter os momentos prazerosos que desejamos, a intensidade dos problemas diários nos fazem esquecer da possibilidade de pequenos prazeres.
Domingo, a vontade de comer uma comida caseira normal, do dia a dia. Arroz integral, feijão com caldo espesso sem nenhum tipo de carne ou gordura animal, beterrabas assadas servidas mornas com azeite sal e pimenta do reino e mais nada, frango assado com farofa de milho verde e uma garrafa e meia de vinho rosé consumida num domingo quente e ensolarado. Antes, enquanto preparava a comida, um restinho de couscous marroquino que foi temperado com limão e azeite, misturado a endívias picadas, pimenta dedo de moça e bastante endro virou uma entradinha muito da gostosa. Palitos de pepino sem casca nem sementes espetados em um vasinho cheio de gelo picado, e ao lado uma rápida mistura de coalhada fresca com raiz forte. Pão fresco em fatias e uma mousse de queijo com pesto, e as crianças chegaram, os cachorros latiram, a música rolava, o papo tomou seu ritmo e o domingo aconteceu como deveriam acontecer todos os domingos - claros, solares, com o barulho de cães e música e crianças e taças brindando.
Aos que ainda não sabem, tenho buracos imensos em minha memória, o passado me parece uma sucessão de pequenos momentos e grandes nadas. Mas hoje à noite, enquanto bebia um café quente e forte acompanhando os muffins de maçã recém-assados,  pensando no prazer que tive no domingo cheio de preciosos momentos (como meu afilhado agarrando Leopoldo e dizendo que ele era "tão fofinho"), lembrei de alguns almoços na casa de minha avó materna, com todos seus filhos (três mulheres e dois homens) e seus netos e genros e noras, com aquele quase palpável sentido de pertencimento do qual eu talvez sinta falta, e apenas recentemente fui alertado a admitir. E, entre goles largos de café , concluí que sim, de segunda a sexta, e as vezes aos sábados, tenho dias intensos, e provavelmente os terei num período ainda significativo. Mas os domingos serão de vinho, rosas e família. 

Muffins de maçã e azeite
1 xícara de farinha de trigo
1/2 xícara de farinha de trigo integral
1/2 xícara de açúcar
1 colher de café de canela
1 colher de café de fermento em pó
1 pote de iogurte natural
1 ovo
1/3 de xícara de azeite de oliva virgem
1 maçã pequena sem casca cortada em cubos pequenos.

Misture os ingredientes secos, acrescente a maçã, reserve.
Bata as claras até dobrarem de volume, junte a gema, o iogurte e o azeite. Despeje sobre a mistura seca, incorpore sem mexer em excesso, e coloque em forminhas untadas com azeite e farinha de trigo. Assar no forno pré-aquecido a 180 graus por 30 minutos.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

the bagel, the man

Admiro quem faz bagels. Pensar num pão que primeiro é cozido, depois assado, e que pode receber adendos como cebola ou passas e canela ou sementes de papoula (que ainda não encontro por aqui, o que me deixa maluco!), me deixa com imediatas saudades de New York, onde melhor se come este pão típico da cultura judaica. Em São Paulo gosto de compra-los no Santa Luzia, onde a atendente Divina (lindo nome, atenciosíssima pessoa) já sabe meu gosto, e sempre que me vê oferece os bagels integrais que fazem a festa de minhas manhãs de final de semana. Tostados com cream cheese, geleia ou em fartos sanduíches de salmão e creme azedo, qualquer pessoa que faça bagel tem minha imediata admiração.
Em São Paulo o melhor sanduíche de bagel e salmão está no Z-Deli Sanduiches. Antigamente, Rosa e Zenaide Raw, as matriarcas, ofereciam esta iguaria em seu minúsculo espaço na Haddock Lobo - e antigamente quero dizer 25 anos atrás. Depois de algum tempo, especializaram-se nas comidinhas fantásticas do almoço, e deixaram de oferecer isto, mas generosas que são  "legaram" à cidade o neto de Rosa, que abriu no antigo espaço da avó o espaço para sanduíches mais disputado de São Paulo.
Hoje encontra-se uma versão de bagel industrializada nos mercados, de uma marca famosa, porém é apenas um pão com o formato típico deste produto, sem a textura sólida e macia da receita tradicional.
Aí está o problema - pode-se ser ousado o quanto queira, transgredir o quão necessário for, mas algumas coisas são tão tradicionais e tão perfeitas, que mexer nestas é apenas bobagem. O melhor que se faz é executa-las à perfeição, para que mantenham sua qualidade e integridade.
Estes dois termos são fundamentais - qualidade e integridade. Se tiver beleza, ajuda, claro. Mas hoje vê-se uma inversão destes valores, o belo é preponderante. Só que a beleza é frágil, e a integridade é sólida, perene. E, segundo meu olhar completamente neutro e isento de interesses (só que não!rs), quem faz - ou me oferece - bagels seguramente é possuidor destas características. 
(não vou passar receita de sanduíche de salmão, não vou pagar este mico - cada um que escolha sua receita. O meu vai quantidades absurdas de raiz forte, mostarda, pepino, alface e salmão - that´s all, folks!)

quarta-feira, 26 de março de 2014

a fada, o dente, a pasta

Alguns momentos são bastante marcantes - os quocientes surpresa + emocional conseguem provocar eventos que - espero - eu me lembrarei pelo resto da vida. Sábado passado tive um destes momentos (domingo também, mas este sairá num outro post).
Fui jantar na casa de comadre A. e compadre F., jantar marcado cedo para que Gabriel, filho destes, pudesse usufruir de nossa companhia. Na verdade, nós sempre é que usufruímos da companhia deste garoto inteligentíssimo, perspicaz e muito meigo. Fiz um prosaico penne com aspargos e presunto cru, subtraindo de minha receita original o vinho branco, pois uma criança de 5 para 6 anos jantaria conosco.
O jantar foi ótimo, papo entre amigos que se gostam (éramos seis adultos - o casal, eu, comadre C. e o "casal delícia" R&O, apelidado assim pois ambos são bonitos, agradáveis e encantadores); a massa saiu a contento, o vinho era como sempre - excelente, compadre tem ótimo gosto e ótima adega também - a sobremesa eu havia levado pronta, uma torta de limão da Casa do Pão de Queijo, cujo nome poderia ser Casa do Pão de Queijo, da coxinha e da torta de limão, pois são todos excepcionais, e tudo corria bem até que Gabriel disse que provavelmente a Fadinha do Dente iria visita-lo, pois estava com um dente mole. Era mais prudente extrair o dente mole para que ele não o engolisse, e evitar que a Fadinha ficasse desapontada.... Era o segundo dente de leite do guri, e ele já tinha um certo know-how, mas o método solicitado pelo mesmo era muito complexo. Eis que comadre C. saca um algodão não sei de onde, fala que a Fadinha herself havia ensinado o jeito certo de resolver isto, coloca a mão no dentinho mole, recita as palavras mágicas ordenadas pela tal Fadinha, e voilá - o dente já estava na mão dela, sem sangue nem nada.
Claro, Gabriel chorou um pouquinho - mais por charme do que por dor, mas nada intenso, um chorinho pedindo o colo da mãe, básico.
Mas era a primeira vez que eu passava por isso em minha vida adulta. Tive a impressão de estar participando de um momento único, como se aquele dente fosse "o dente", do qual ele iria se lembrar ao longo de sua existência, etc.etc.etc. Mas como não tenho filhos nem sobrinhos, tenho afilhados que amo e que me proporcionam momentos prosaicos e (ao menos para mim) poéticos como este. Parecia que eu tinha participado de um rito de passagem de um moleque que adoro, e que quero ver crescer e se tornar o belo homem que promete, visto que sua educação se dá de uma forma sólida, consistente e amorosa, sem dogmas nem preconceitos.
Ao chegar em casa, mais tarde, não conseguia ler nem ver tv. Fiquei matutando sobre famílias, as famílias que recebemos e as que escolhemos. A que recebi me foi subtraída de forma incisiva e precoce,  tirando minha chance de conviver com prováveis sobrinhos e/ou sobrinhos-netos, mas a vida me foi generosa concebendo-me a honra e graça de ter amigos queridos que supriram esta lacuna (e outras), mostrando-me o caminho da amizade e do amor involuntários, por opção - e não por laços de sangue -, e, talvez por isso, mais fortes e intensos.
Aos que me proporcionaram este - e outros momentos de igual teor-todo meu amor. E uma comida feita com carinho sempre que quiserem. Estou aqui para isto - para amar os que me são caros.
(foto feita pelo compadre)
Penne con prosciutto i asparaggi
(para cinco pessoas)

500 gr de penne
1 maço grande de aspargos verdes frescos
300 gramas de presunto cru em fatias
1 cebola pequena
3 dentes de alho
azeite de oliva virgem
1 colher de sopa de raspas de limão (no caso, usei sal com raspas de limão e erva doce)
1/2 copo de vinho branco seco (não usado nesta noite)
sal a gosto
pimenta do reino
queijo parmesão ralado quanto baste

Colocar uma panela grande com água para ferver (três a cinco litros).
Limpar os aspargos, verificar se a água já está fervendo, colocar um punhado de sal na panela, e colocar os aspargos em seguida. Retirar depois de 90 segundos, colocando os aspargos numa tigela com água e gelo para interromper o cozimento. Não descartar a água, por favor!!
Refogar a cebola no azeite, acrescentar o alho, colocar duas ou três fatias do presunto cru bem picadinho neste refogado, abaixar o fogo e refogar por uns 3 minutos, até que a cebola esteja dourada e o presunto crocante.
Retirar a parte inicial do aspargo (que é muito fibrosa) e corta-lo em rodelas de 1,5 centímetros aproximadamente, separando as pontas inteiras.
Colocar a massa para cozinhar por 6 minutos. Escorrer e reservar parte desta água.
Refogar o aspargo rapidamente na mistura de cebola, alho e presunto, adicionar as raspas de limão, verter o vinho branco (não gelado) na panela, mexer por uns 15 segundos, colocar a massa, uma concha pequena da água do cozimento, corrigir o sal e a pimenta, mexer por um minuto, colocar um punhado farto de parmesão ralado, mexer rapidamente e apagar o fogo.
Rasgue o presunto em pedaços, misture à massa rapidamente, polvilhar o queijo ralado restante e sirva imediatamente.

terça-feira, 18 de março de 2014

imprecisões

Eu ainda meio sonolento, no supermercado:
- Bom dia, tem ossobuco?
- Tem sim senhor.
- Ótimo. Quero oito, por favor.
- OITO QUILOS?
- (rindo)...Não, oito ossobucos, oito fatias, como você denominar.
- Uhn...quanto em quilos o senhor quer?
- Não sei, tanto faz. Eu quero oito unidades.
- Mas o preço é por quilo, não por unidade.
- Eu sei. Mas o senhor faz o seguinte - pega oito unidades, pesa, quanto der eu pago. (já ligeiramente alterado).
- Mas sua receita vai dar certo se não for "tantas gramas de carne"?
- Tantos gramas ...
- Quantas gramas?
- Por favor, esquece! Me dê apenas o que eu pedi.
- É para esquecer ou o senhor quer o ossobuco, afinal?
...
Eu devia ter pedido carne moída.

Spaghetti com ossobucco
(para duas pessoas)
03 ossobuccos
1/2 litro de vinho tinto
1 cebola média
1 cenoura
4 dentes de alho
2 talos de aipo
2 ramos de tomilho
1 lata de tomate pelado
azeite de oliva
2 colheres de sopa de manteiga
1 colher de farinha de trigo
sal
pimenta do reino
2/5 de um pacote de spaghetti grano duro

Tempere a carne com sal, pimenta e cubra com o vinho, a cenoura em pedaços e os talos de aipo. Deixe marinando por umas 3 horas no mínimo, na geladeira. Retire da marinada, seque e reserve.
Em uma frigideira de fundo grosso, coloque o azeite e doure as carnes em ambos os lados. Tampe e deixe uns 5 minutos, até secar o caldo que se formará. Quando estiver quase seco, coloque a cebola em fatias médias e o conteúdo da marinada, mais uma xícara de água. Espere ferver. Acrescente o tomate pelado e o tomilho, corrija o sal e a pimenta, abaixe o fogo e deixe cozinhando por aproximadamente 3 horas. Se o caldo secar, acrescente água aos poucos. Verifique se a carne se desprendeu quase que totalmente do osso - neste ponto ela estará perfeita. Retire a carne do caldo, coe, espere esfriar e leve o caldo para a geladeira por umas duas horas. Vai se formar sobre a superfície uma camada de gordura - elimine esta gordura.
Na panela de ferro derreta a manteiga e acrescente a farinha de trigo. Mexa até fazer uma espécie de roux, acrescente o caldo coado e a carne desfiada ou em lascas, sem os pedaços de gordura. Corrija o sal e a pimenta se necessário, e cozinhe por mais uns 15 minutos até o caldo reduzir.
Cozinhe o spaghetti por 6 minutos, escorra e coloque no caldo com a carne. Incorpore a carne à massa por uns 3 minutos,e  sirva com parmesão ralado.

quarta-feira, 5 de março de 2014

am i blue?

Tenho certas restrições gastronômicas. Não como coisas azuis. Ou lilases. Não comia cinzas ou acinzentados também, mas fui cooptado pela pele prata das sardinhas a escabeche. Não gosto de bolo de massa azul, vermelha (não me venha com red velvet cake, please...) ou rosa - o verde eu cedi por causa de um bolo de machá que comi certa vez no Jun Sakamoto, do qual virei fã. 
Outro dia, num restaurante contemporaníssimo (mais do que contemporâneo...) recusei o molho que regaria uma pequena posta de peixe que repousava no fundo de um bowl imenso.(Aparte - a gente percebe que o restaurante é contemporâneo quando a louça é desproporcional ao tamanho da porção de comida servida.) Uma pequena leiteira, manipulada pelo garçom, quase derrama um molho lilás - parecia sabonete derretido. Do que seria feita aquela iguaria, de violetas maceradas com creme de leite e manteiga? Tentei imaginar que elemento natural eu poderia utilizar para obter aquele tom, e só me vinha à cabeça o catálogo da Suvinil. Tal qual Drácula frente a um prato de galeto alho-e-óleo, recusei indignado, perante o olhar discriminador do mâitre ao lado. Na internet faz sucesso uma chef-patissier norte-americana que faz um bolo que, quando cortado, "reproduz" uma obra de Mondrian, com suas cores primárias mais o preto. Deveria receber pena máxima...
                          ( o vídeo desta aberração pode ser visto AQUI )

Comeria azuis se me deixassem mais puro, sorveria o líquido turquesa de gigantescas taças se elevassem meu espírito a outras dimensões, faria uma dieta de liláceos e violáceos se tornassem minhas idéias e pensamentos mais ingênuos, e prateados e dourados se me iluminassem internamente.
Mas acredito piamente que o máximo que posso conseguir com uma dieta destas é uma intoxicação por envenenamento.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

as batatas


Fui almoçar num restaurante perto de minha loja, aqui em Recife. (Para quem não sabe, fico na ponte-aérea Recife-São Paulo - na primeira, sou franqueado da Artefacto, na segunda sou o dono junto com meu companheiro do GabineteD). O proprietário deste restaurante gastou dinheiro para construir um espaço insípido, mal distribuído e de aparência estranha, parece que não está pronto. Talvez não esteja, mas como já abriu faz tempo e não vejo sinais de mudança, deduzo que está pronto mesmo.
Mas vamos aos fatos - fui almoçar lá porque tem guardanapos de tecido, um bom ar condicionado, serviço bastante razoável e comida idem, em serviço de buffet de saladas + pratos quentes e carnes servidas à mesa, como rodízio.
Fui à mesa de saladas, e peguei algumas coisas aleatórias - um pouco de salada de batatas com ovos, uma espécie de rocambole de batatas com atum e outras coisas, uma pequena montanha de chips de batata-doce, e um "salpicão de acelga" (assim estava escrito) com ...batatas.
Quando chego à minha mesa, olho minha dieta monotemática. Batatas em suas mais diversas opções. Sim, eu adoro tubérculos, e qualquer dieta que tire este elemento de meu cardápio me deixa um pouco tenso, mas aquilo era um exagero. Estava matutando sobre isto, quando antes de qualquer carne, passa uma gentil atendente me oferecendo batatas fritas. Ri sozinho, seria uma confluência astral estranha? Algum planeta que rege as batatas estava em alguma posição dominante? 
Antes que chegassem os filezinhos de picanha com aquela linha de gordura em cima, ou o malfadado cupim (que adoro) me ofereceram purê. Eu comecei  a achar que é uma pegadinha...

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

quem é você no google?


Muito tempo atrás, escuto a seguinte conversa:
"- Aí o gatinho cheio de manha, chegou, blablabla, ofereceu uma bebida para a gente, e não desgrudava, e não parava de falar que era empresário, que tinha tal coisa, que tinha sei lá o quê, aí eu me enchi e perguntei - rapaz, quem é você no Google?"
Não ouvi mais nada depois disto. Achei esta questão ótima - quem é você no Google? Tem uma menção, tem páginas, ou sequer é citado no maior site de busca da contemporaneidade?
Passa a régua. Voltamos ao tema mais tarde.
...

Estava pesquisando a blogsfera - ou a foodsfera, o universo imenso dos blogs e sites que atendem ao universo culinário. E me deparei com um blog bem montado, de nome simpático, mas cuja primeira receita já me deixou irritado - Dip de Cebola. Descrição da receita:

- um pacote de sopa de cebolas marca X
- uma xícara de maionese marca Y
- um pacote de torradinhas marca Z
- um galhinho de cheiro verde
Modo de fazer: Misture a sopa de cebolas com a maionese, coloque num potinho bem bonito, enfeite com o galhinho de cheiro verde. Se quiser, pode salpicar uma pimenta do reino moída em cima, para dar um "efeito" (as aspas são minhas). Sirva com as torradinhas ao lado, sucesso na certa! 

Meu Santo Escofier, o que é isso, pensei. Como é que alguém se dá ao trabalho de dar uma receita ridícula destas, usando apenas produtos prontos, faz uma foto muito da safada com o dip num potinho ordinário, com o pacote de torradinhas ao fundo (ps- a foto deste post não é a do blog, foi retirada da internet, ok?)- tentativa de merchandising, talvez - e acha que está bom? Que excesso de tempo teriam estas blogueiras (eram duas...) que permitiam que elas postassem com um certo cuidado esta bobagem?  Ou quantidade de auto-estima permitia que elas cometessem este desatino?

Até que...(sempre tem um porém, um mas, um até que...)eu me dei ao trabalho de ver os comentários - 11, para ser mais exato. E fiquei boquiaberto: todos elogiosos, achando super criativo, prático, etc.etc.etc...
Eu ia deixar um recado desaforado - ando com algum "encosto" mau humorado ultimamente, e por mais que eu cante, ele não sobe! - até que me lembrei da frase ouvida há muito : "(Wair)Quem é você no Google?"
Caiu a ficha. Pretensioso eu, justo eu que combato qualquer forma de preconceito, que me policio nos meus textos para não parecer crítico em excesso (telhado de vidro mode on), que me incomodo com o excesso de tecnicismo aplicado em algumas receitas como se todos tivessem obrigação de conhecer os conceitos de cozimento à baixa temperatura ou esferificação. Quem sou eu no Google? Alguns verbetes,citações, mas se comparado a José Mindlin (ídolo), Neide Rigo ou Nina Horta, sou uma citaçãozinha de rodapé das últimas páginas. E eu outro dia dei uma receita de Suco de Tomate à minha maneira, como se isto não fosse a mais prosaica das mais prosaicas das receitas. Ou seja - como posso criticar alguém desta forma, visto a crítica neste caso ser provocada por uma pretensiosa sensação de superioridade.
Isto posto, faço aqui meu mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Não vou me transformar em bonzinho porque é tarde demais - já tenho cinquenta e pouquíssimos, e uma certa Síndrome de Gabriela (eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim, é assim que eu sou...) me impede de mudar a esta altura dos acontecimentos. Mas que mesmo assim, que ainda acho a receita safadinha, ah, acho...(SOBE ENCOSTO!!)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

brutalidades #2


Na mesa ao lado, no restaurante, o jovem tem uma postura peculiar em relação ao seu prato. Seu braço esquerdo está inteiramente sobre a mesa, protegendo o prato, e sua mão empunha (não segura não - empunha mesmo!) a faca pronto para defender aquele território de uma invasão bárbara - parecia que algum comensal vizinho ia pegar uma batatinha frita do prato alheio. Com a mão direita, ele leva avidamente a comida à boca, como se o imenso filé a parmegiana tivesse planejado com a montanha de batatinhas fritas "...-distraiam ele que eu saio correndo pela esquerda. Quando ele for olhar o que aconteceu, vocês fogem pela direita. E o arroz que se dane, são desunidos mesmo!"...
O celular do rapaz era de última geração - aliás, dava a impressão de que ainda seria lançado, tão novo e brilhante que era. Mas seus modos eram pré-históricos, de um tempo em que se caçava o almoço - ou se tornava o almoço de algum predador mais forte. 
...
Eu havia pedido um prosaico file de peixe com molho de camarões. E quando chegou, eu não podia cobrar uma correção da descrição do prato, pois era um filé de peixe com molho de camarões. Dois camarões, para ser mais exato. Chamei o garçon.
EU - Senhor, o prato que me trouxeram é fiel ao cardápio - filé de peixe com camarões. E tem um filé de peixe e dois camarões minúsculos aqui.
ELE -(garçon com cara de paisagem...)
EU - O Senhor percebe o conceito de minha reclamação?
ELE -(garçon com cara de paisagem...)
EU - Não acha enganoso oferecer molho de camarões e trazer DOIS camarões?
ELE- Ah, moço, está na moda estas porções bem pequenininhas...
EU- Meu senhor, a coisa pequena aqui é sua má vontade (e o cérebro, quase disse...) ao lado desta montanha de arroz, que eu pedi que não viesse por sinal.
ELE - Ah, então o senhor está no lucro! Pediu para não vir o arroz e veio...

Novamente os ímpetos homicidas...acho que vou fazer uma dieta longa e radical.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

brutalidades

Fiz um delicioso e forte aioli ontem, para comer com pão - estes dois para acompanhar um caldo de músculo fortíssimo que havia feito no domingo.(Teoricamente o músculo seria uma salada, mas cozinhei demais, então tivemos sopa ontem, e hoje salada de músculo - proteína mode on...)E fiquei pensando nas qualidades de uma culinária masculina, heavy metal. No potencial vigoroso de uma rabada com agrião, na substância de um prato de polenta com ragu - mas não de sua versão emasculada, apresentando uma colherada de polenta sobre um rabisco vermelho de ragu! Falo de um prato generoso, fundo, onde uma polenta amarelo forte recebe outra generosa porção de molho vermelho-escuro, mais um punhado de parmesão ralado ou - melhor ainda - de ricota defumada, acompanhando um bom vinho da região do Douro, de cor e sabor intensos. Dias antes havia comprado um bom pedaço de baby beef, que selei rapidamente numa panela muito quente com um fio de azeite, e depois de polvilhar sal e pimenta do reino, mandei ao forno por alguns minutos - e de lá saiu uma carne suculenta, cortada na tábua de madeira, escorrendo a  quantidade certa de sangue quando cortada. Junto uma salada de rúcula temperada com limão, azeite e sal, sobre a qual repousava um ovo quente, de onde escorreu de seu interior uma gema mole e quente de  forma lasciva, quase obscena. Um prato simples, rápido, sem frescuras, masculino em todos os sentidos. De repente percebi que minha culinária estava com excesso de testosterona - tudo que havia feito nos últimos dias tinha o componente da brutalidade - sangue, porções fartas, pimenta, calorias...
Tive uma recaída com a sobremesa, retirada do La Cucinetta, um site que sempre frequento. E a recaída veio em forma de conceito, produto e cor, como vocês podem confirmar na foto abaixo. E anda fiz uma versão "light" da receita original. Ou seja: recaí feio...


Receita?  Confiram AQUI



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

slow slow food

A mulher e o buffet


À minha frente, na fila do buffet, prato na mão esquerda, a mulher
- pega um ovo de codorna
- um tomate cereja
- mais um ovo de codorna
- um canapé de salmão
- uma fatia de carpaccio
- mais um canapé de salmão
- um mini-milho
Pensa...
- uma fatia de salmão defumado
- um blini
- um tiquinho de creme azedo
- mais um blini
- mais um tiquinho de creme azedo
- mais uma fatia de salmão defumado
Pensa...
- duas folhinhas de rúcula
- dois camarões cozidos
- mais uma folhinha de rúcula
- mais um tiquinho de creme azedo
- um tiquinho de molho rosé
- uma azeitona preta
- mais uma azeitona preta
- um aspargo
Pensa...olha para o prato...pensa novamente, olha para a mesa do buffet, olha para o prato, volta os olhos para a mesa do buffet, pensa...
- pega mais uma azeitona preta e vai embora. 17 minutos cravados para isto.
Tenho ímpetos homicidas.



terça-feira, 7 de janeiro de 2014

i´m hot

Não se assustem com a pretensão do título do post. Eu não quis dizer "eu sou", e sim "eu estou" - E NO SENTIDO FIGURADO, please!! É que estou numa fase apimentada. Colocando pimenta em tudo, sentindo um prazer em perceber a diferença dos sabores das pimentas, não apenas sua ardência, a surpresa. 
(na foto acima, a surpresa quase veio depois da terceira vodka - eu ia colocando a vodka na comida e engolindo a pimenta...)
Na verdade, a pimenta é a surpresa da comida. Se está muito salgado, você sente na hora - a mesma coisa o contrário. Mas a pimenta se apresenta timidamente, e depois pode ou mostrar a que veio de forma elegante porém definitiva, ou então arrebentar a boca do balão mesmo, irrompendo em ardidos e calores, provocando lágrimas. Eu fui aprendendo a gostar de pimenta aos poucos - ainda não sou completamente afeito às ardências (para mim exageradas) de alguns pratos mexicanos, bem como o Kimchi ainda me provoca reações adversas - quero provar, mas literalmente não aguento (além de achar meio feio). E eu não sou o único - machões empertigados podem se ver subitamente minimizados perante ao poder desta iguaria, como vocês podem ver abaixo com Wolverine himself,  Sr. Hugh Jackman (na ótima série The Kimchi Chronicles, de Jean Georges Vongerichten e sua esposa).


Mas estou levando a sério esta história de pimenta, começando a fazer as minhas próprias conservas, já plantei um pé de pimenta dedo-de-moça no jardim, estou revendo minhas relações com o chilli, comprei um pote generoso de gojuchang - a pasta coreana de pimenta vermelha, estou esperando chegar uma parente dela - toban djan, esta chinesa, e esta ardência já está pegando até nos meus sucos matinais, sob a forma de largos pedaços de gengibre batidos junto com frutas diversas. E eu desenvolvi minha própria receita de suco de tomate temperado, inspirado por minha comadre C. que adora este drink não alcóolico. Minha versão é domesticada na medida, mas os mais audazes podem caprichar nos temperos. E vou conseguir escapar ao lugar comum de "pimenta no dos outros é refresco", pois acho que pimenta é igual juízo - use na medida de sua vontade. E prazer, claro.


Suco de tomate temperado
1 colher de sobremesa de sal
1 pimenta dedo de moça 
1 dose de suco de tomate
suco de meio limão
várias gotas de tabasco
algumas gotas de molho inglês
peperoncini seco moído
uma pitada de sal Maldon

Macere a pimenta dedo de moça sem as sementes (para tirar um pouco da ardência) com o sal, reserve.
Misture todos os ingredientes numa coqueteleira com muitos cubos de gelo e mexa (Stirred, not shaken!) até gelar bastante o suco. Molhe a borda de um copo com um tiquinho de limão e passe no sal macerado. Coloque uma pedra  (ou duas, dependendo do tamanho do copo) de gelo  e derrame lentamente o suco coado, colocando um talo de aipo. Coragem, é muito bom.