food, art & spirits

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segunda-feira, 21 de março de 2011

EU VI O MUNDO, ELE COMEÇAVA NO RECIFE

Acabo de voltar de Recife, onde passei uma semana quente, calor intenso, delicioso. Fui a trabalho, o que não me permitiu conhecer - pela enésima vez...- a Praia de Carneiros, logo depois de Porto de Galinhas. Mas Recife é mais do que as praias, é uma terra onde tudo é pujante e superlativo - desde as belezas até as mazelas. Mas é na gastronomia que esta cidade se revela...Fomos jantar no restaurante Camarada, próximo à nossa loja, para comprovar - neste restaurante é feita a melhor empadinha de camarão do mundo! Uma massa suave, desmanchando, revelando o interior cremoso e farto de grandes camarões. Como o restaurante é especializado neste crustáceo, repetimos um pedido anterior - um imenso prato de Camarões na Cerveja, no ponto perfeito, coberto por cebolas e em porção generosa. O serviço é impecável, dos melhores do Nordeste - atencioso e presente na medida. E o preço? Pagamos módicos
R$ 75,00 - para duas pessoas!
Almoçamos no Restaurante Leite, onde fomos atendidos por Bigode em pessoa, e comi uma costelinha de porco com farofa matuta de comer rezando. De sobremesa - Cartola, a melhor da cidade (qualquer dia ensino a fazer este doce de banana com queijo-manteiga). Ainda fomos no Beijupirá, no Spettus (uma verdadeira orgia de lagostas e camarões - acho que consumi meio oceano destes bichinhos...) e outros lugares entre o correto e o perfeito.Mas o que não posso deixar de comer naquela cidade é o Mungunzá, ou Munguzá - ou Manguzá. É na verdade uma comida ritual votiva, de Santo, pertinente aos orixás. Trata-se de um alimento feito de milho, leite de coco, leite fresco e canela, simples e despretencioso. Mas é daquelas comidas que aquecem a alma e amolecem o espírito. No sul/sudeste, é chamada de Canjica, porém feita com milho para canjica branco. Lá, os grãos amarelos ressaltam num caldo branco leitoso, remetendo imediatamente à uma comida feita por mães, anterior aos termos cozinha molecular, tecno-emocional ou outros termos deste quilate. Aliás, em magnífico contrasenso, nada mais emocional do que um prato morno de canjica com canela polvilhada. É um prato tão revigorante e, ao mesmo tempo tão lenitivo, confortável, que deveria ser servido em altas cúpulas, nas discussões entre as potências mundiais, propiciando a seus líderes a oportunidade de enxergar questões maiores sob o ponto de vista apolítico, e apenas sob a ótica humanista. Mungunzá for all!!


Mungunzá, Munguzá, Manguzá

500 gramas de milho amarelo para canjica
300 ml de leite fresco
200 ml de leite de coco
2 xícaras de açúcar
1 xícara de coco fresco ralado
1 colher de sopa de manteiga
2 canelas em pau
4 a 6 cravos

Deixe o milho de molho em água durante 8 a 12 horas. Escorra, lave e coloque para cozinhar na panela de pressão com água suficiente, por 30 minutos. Espere esfriar um pouco, adicione o leite fresco, o açúcar, o leite de coco, a canela em pau e os cravos. Cozinhe mais 8 minutos sobre fogo baixo, acrescente a manteiga, o coco ralado e cozinhe por mais 10 minutos. O milho deverá ficar macio, porém sólido, sem desmanchar. Polvilhe canela ao servir. Pode ser servido frio ou gelado, mas morninho é ...pecaminoso, de tão bom!

quinta-feira, 10 de março de 2011

COISAS QUE PERDEMOS PELO CAMINHO

Perdemos tempo. Perdemos dinheiro. As vezes perdemos os dois...
Perdemos cabelo, a forma, perdemos o peso (não no meu caso, infelizmente...), perdemos o trem da história, a oportunidade do beijo roubado, a chance de ganharmos sozinhos na mega-sena...
Perdemos o show que queríamos ter visto, aquela exposição que rolou e você adiou, adiou e acabou não vendo, perdemos a paciência, a inocência...
Para quase toda perda existe um paliativo. Perdemos a forma? Academia, plástica, personal trainer.
Perdemos cabelo? Implante, peruca ou um look Lawrence da Arábia, turbante enrolado e muita pose para sustentar isto. Perdemos tempo? Dá até para recuperar alguns momentos.
Mas para uma coisa não temos substituto. Para a perda da lembrança.
Pensei nisto anteontem, quando fiz de almoço uma prosaica salada de sardinhas com tomates,
azeite, pimentão e muita cebola, para ser comida com fatias de pão grelhado e um bom vinho branco.
Estava muito boa, fresca, tempero na medida certa. E era uma pequena homenagem a meu pai, que sempre a fazia aos domingos, prenunciando o almoço. Entre copos de caipirinha e limonada, este prato era um elemento perfeito para a boa conversa, risadas soltas e largas, enquanto na cozinha minha mãe terminava um assado, ou uma massa, o que fosse - mas a salada de sardinha era quase obrigatória, comida entre nacos de pão fresquinho , que usávamos para absorver o caldo/tempero no fundo do prato.
Executei a salada com todo cuidado, não incluindo nada que não pertencesse à receita original, respeitando a medida de azeite e vinagre, o pouco sal e a pimenta moída na hora. Mas algo se perdeu neste tempo - e creio, não era uma questão de decilitros de azeite ou gramas de cebolinha. O que se perdeu foi a lembrança dos domingos despreocupados, do som da risada de meu pai, do calor de seu afeto, que provavelmente imbuiam algum gosto ao que ele fazia.
Não há substitutos para a perda da lembrança. Mas, por sorte temos a oportunidade de sonhar e criar -inclusive o que esquecemos.




SALADA DE SARDINHAS
2 latas de sardinhas em conserva no azeite de primeira qualidade, sem pele e sem espinhas
2 tomates caqui não muito maduros, cortados pela metade e depois em fatias
2 cebolas grandes cortadas pela metade e dsepois em fatias finas
1 pires raso de cebolinha picada
12 azeitonas pretas portuguesas
30 ml de azeite de oliva virgem
10 ml de vinagre de vinho tinto
pimenta do reino moída na hora
sal a gosto
Misture tudo, despedaçando ligeiramente os filés de sardinha, e sirva com torradas de pão integral.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O Sexy e o Epicurista


Adoro comida e bebida. Adoro abdômens trincados. Sim, sou geminiano... Pois somente um geminiano teria coragem de colocar esta situação numa mesma frase. Enquanto escrevo este post, por exemplo, estou tomando uma taça de um razoável Malbec e comendo torradinhas de pão integral com sardella...Se eu tivesse um mínimo de coerência com minhas intenções estéticas, estaria neste exato momento malhando na academia, sob o som insano do bate-estacas e consumindo no máximo, uma barrinha de cereais. Mas não – estou comendo e bebendo sentado, enquanto ouço Elis. Acabo de preparar as panquecas de palmito que serão servidas daqui a pouco, e estão num refratário esperando a hora certa de ir ao forno. Serão acompanhadas de uma salada e mais vinho.
Muito embora tenha diminuído sensivelmente o número de calorias ingeridas diariamente, não suporto pensar em regime. Detesto, odeio, abomino esta palavra e seu conceito básico, que insere uma idéia de privação em primeira ordem.
(...pausa para mais algumas torradinhas com sardella...)


Ontem à noite, fui à festa de aniversário de um querido amigo, no Terraço Itália, no topo de São Paulo. Bebida boa e farta, amigos queridos, som de primeira qualidade e minha cidade aos meus pés. Quando o garçom nos ofereceu as duas opções de prato do jantar, ambas aparentemente bastante apetitosas, eu escolhi o risotto, que estava muito bem executado. Alguns de nosso grupo optaram pela massa, e também foram unânimes em dizer que estava excelente. Menos um amigo nosso, que polidamente recusou ambos. Silêncio entre os barrigudinhos...
Na hora dos parabéns, foi servido um delicioso - e irrecusável - bolo, que todos aceitaram, exceto o que tinha recusado o prato principal. Foi a deixa para um verdadeiro levante – “Como, você não vai comer nada?!?Está de regime?Não come à noite?” – e outras perguntas mais. No que ele respondeu no máximo de sua polidez e educação características –“Não posso comer glúten, sou alérgico. Senão traçava tudo...”. Todos acreditaram menos eu. Tenho certeza que, por trás daquele capricho em recusar calorias, existe um abdômen seco, trincado. Aquela resposta prontamente colocada – a alegação da alergia ao glúten – esconde não apenas um homem fino e cortês, que frente ao problema deu uma solução elegante. Ela oculta um ser que consegue recusar os prazeres de Baco para encontrar-se com Adonis. 
Óbvio que ele não é geminiano...
Obs – Tks Fernando, querido amigo, que possibilitou com sua deliciosa festa a idéia deste post.



SARDELLA DA MINHA AVÓ
·         4 tomates grandes maduros
·         4 pimentões vermelhos grandes
·         4 dentes de alho picados
·         40 gramas de anchovas em conserva
·         ½ colher de café de açúcar
·         1 colher (café) de pimenta calabresa
·         1 colher (chá) de sementes de erva-doce
·         10 folhas de orégano fresco
·         1/2 xícara de azeite de oliva virgem
·         sal a gosto
Retire a semente e as peles dos tomates e pique-os em pedaços médios. Reserve.
Toste os pimentões na chama do fogão até que fiquem ligeiramente chamuscados, retire as peles e corte em pedaços médios. Refogue-os na metade do azeite, acrescente os tomates sem pele e sem sementes, adicione as folhas de orégano, as anchovas e os alhos picados grosseiramente, e mantenha no fogo até que a água evapore. Tire do fogo, espere esfriar um pouco e bata com o mixer até que vire um purê grosso. Volte ao fogo com o restante do azeite, adicione as sementes de erva-doce esmagadas, a pimenta calabresa, o açúcar e verifique se há necessidade do sal, pois as anchovas são salgadas. Espere esfriar e sirva com pão italiano. Fica melhor no dia seguinte, guardado em pote herméticamente fechado.