food, art & spirits

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quarta-feira, 21 de março de 2012

le temps perdu


singapura é uma cidade que me fascina. ela é encantadora, limpa – limpíssima aliás – pujante, surpreendente, aparentemente bastante segura, e eu me sinto deveras confortável  neste canto do outro lado do mundo. e numa tarde livre de uma agenda apertada, decidi dar um passeio por uma área que não me era  muito conhecida – chinatown e o bairro indiano. corri as ruas e barracas daquele bairro chinês, entrei no templo mais conhecido do lugar e acendi incensos aos meus deuses e crenças pessoais, e me deparei com um prédio maravilhoso, de cores intensas, contrastantes, diferente da área moderna onde costumo ficar.
foi um choque, um susto de cor, fiquei parado no meio da rua adorando aquilo, esperando um momento sem ninguém na rua pois queria o prédio absoluto, e então fui andando e descobri uma outra singapura, outra estética.

 as cores foram me chamando, fui atraído por uma escala estranha de matizes,

desencontros estéticos, épocas e estilos diferentes, e de repente estou numa rua com casinhas em ambos os lados, sem calçada, cujo passeio era entre as varandas, 

cercadas de plantas, portas semi-abertas, um clima de passado, de intimidade, de conectividade não exarcebada, um universo sensível.  senti-me rapidamente transportado para um outro tempo, de menos ruído e mais poesia, de comida menos enfeitada com  mais consciência e menos conceito, e repentinamente deparo-me com uma parede de azulejos art-nouveau,

venezianas brancas, umas mesinhas com cadeiras típicas dos bistrôs parisienses, e estou em frente a um bistrô-a-vin em pleno bairro chinês em singapura! mínimo, lindo, cheio de objetos antigos, um espaço perdidinho no tempo, com pratos típicos da ancienne cuisine : andouilles, pâté en croute,  aligot, ratatouille, etc. eu não estava realmente com fome, mas o calor e o clima do lugar me atraíram de imediato. sentei-me, pedi uma cerveja – apesar da carta de vinhos curta e ótima – e ofereceram-me um potinho em prata e porcelana com castanhas.


como dizem os americanos, para mim este tipo de sofisticação é um  “wow factor” – um pote antigo, com porcelana já envelhecida, lindo. na segunda cerveja, a atendente ofereceu-me uma pequena tábua de queijos com pães feitos na casa. segundo “wow factor” – pães caseiros, não resisto. e ela não me enganou – uma faquinha laguiolle, uma tabua com alguns queijos ótimos, e pães de casquinha crocante e miolo sólido, mistura de farinha branca com integral.

em suma – fiquei um bom e longo tempo neste espaço perdido, comendo coisas básicas e ancestrais, sem pressão nem pressa, absorvendo as cores ao meu redor, o tempo parado parado, o suave barulho das folhas balançando,

os sabores contrastantes dos queijos...um momento perfeito, apesar de sozinho. não que eu seja dependente full-time de companhia, mas alguns momentos devem ser compartilhados, pela qualidade destes e pela generosidade de dividi-los com quem se divide a vida. 

terça-feira, 13 de março de 2012

a marca da maldade

sei, carreguei no título do post. o filme de orson welles é um pouco exagerado para o tema que desenvolverei, mas...sempre é bom pescar o leitor pela primeira palavra.
aliás, pescar é o termo certo. explico. estava em singapura, último dia, resolvi comer um pouco mais calmamente, tinha tido uns dias malucos de trabalho e o fuso horario de 11 horas não ajuda. quando dá 4 horas da tarde, sono incontrolavel. quando chega 3 da manhã, acordo feito trabalhador braçal...e o pior, quando me acostumar com isto, já está na hora de voltar. mas...
estava no restaurante. tinha tomado uma tiger geladinha, ótima cerveja local ,


um potinho de "engasga-gatos" na varanda do restaurante, e o maitre me leva à mesa. examino o cardapio atentamente, pois estou numa dieta "imposta" por questões domésticas, portanto nada de comida exótica, condimentada, nada nada.
- por gentileza, gostaria de um peixe leve, sem molho, estou numa dieta controlada.
- pois não senhor, temos uma perca assada na brasa, com limão e ervas, acompanham aspargos frescos - aliás, fresquíssimos - grelhados e uma espécie de tagliarini de abobrinha amarela.
- soa perfeito, ótima dica. vou querer isto.
- por favor, senhor, me acompanhe.
- como?
- me acompanhe por favor.
a essa altura, pensei que ele fosse me mudar de mesa para algum canto escondido do restaurante. todo mundo pedindo coisas complexas e eu um peixinho grelhado com aspargos - já senti tudo, ia ser colocado de costas para o restaurante e de frente para um canto sem janelas. mas, não...
- escolha, por favor.
à minha frente um aquário cheio de peixinhos simpáticos me olhava com cara de susto?raiva?medo?ódio? e um deles me encarava de modo ...especial, por assim dizer.
                               


- desculpe-me, mas o senhor quer que eu escolha o peixe que vou comer?
- sim senhor. são todos frescos, como pode perceber. o senhor escolhe e em poucos minutos terá o prazer de tê-lo muito bem preparado em seu prato.
- sinto muito, mas se eu escolher algo vivo para ver em meu prato morto depois, não terei prazer nenhum...
- i beg your pardon...
- não consigo escolher, me sinto meryl streep fazendo a escolha de sofia. não, definitivamente não vou escolher peixe nenhum...
a esta altura, um peixe olhava fixamente para mim. quase me acusando - "...sou um peixe de família, e você está destruindo a chance de meus peixinhos de me conhecerem melhor. serei arrancado daqui sob a vista de meus amigos e familiares, sob protesto, dando vexame, acabando com minha dignidade, e ainda arrisco parar na panela de um chef que pode não estar a altura de minha vida, estragando minha carne perfeita - justo eu que nunca comi nada demais nem de menos, sempre levei a vida na boa, para acabar neste aquario ridículo com um mini-escafandrista soltando bolhinhas, e olhando para um provavel comensal..."
- não senhor, decidi mudar meu prato.
- se o senhor quiser, escolho o peixe para o senhor.
- tarde demais, já estabeleci uma relação empática com este peixe.
- como? desculpe, não entendi.
- sem problemas. traga-me de entrada rice paper spring rolls e os aspargos grelhados de prato principal.
- aceita uns camarõezinhos com cebolinhas e folhas de limão kafir?
- eles já estão mortos?
- unh?
- tenho que escolher os bichinhos em outro aquario e passar por tudo isto de novo?
- não senhor,
- então manda.

quinta-feira, 1 de março de 2012

volta ao mundo

sim, vou fazer uma volta ao mundo. não da forma romanceada nos livros e filmes, com paradas em lugares exóticos e paisagens inusitadas, com jantares à luz da lua e passeios de camelo. não, nada disso. por conta do trabalho, terei que ir à singapura (recuso-me a escrever este nome com "c"), manila e desta região direto para miami via detroit, para finalmente voltar à sampa. e irei por uma via que me é desconhecida, johannesburgo. tentei fazer um cálculo de quantas horas a mais, quantas a menos neste itinerário maluco, e ainda não cheguei a nenhuma conclusão, a não ser a certeza de que chegarei cansado, cansadinho. serão 12 dias entre partida e chegada, portanto vou trabalhar feito um maluco e embarcar e desembarcar feito um aerosenhor. algumas coisas sei que vou fazer, como jantar no indochine em singapura, de comida apenas correta mas localização impecável e drinks idem. pela enésima vez vou pensar em experimentar o durian,

a típica e preferida fruta dos locais, e pela enesima vez desistirei ao sentir o cheiro desagradável, insuportável, nojento mesmo desa mistura de jaca com...sei lá, algo podre e morto há muito - sim, a esta fruta tem um cheiro que desafia o bom senso, como alguém consegue comer algo tão fedorento, a ponto de proibirem de ser consumida em locais públicos como mostra a placa abaixo?

vou fartar-me das mangas filipinas, deliciosas, tão doces que a vezes enjoa, e que é considerada uma das mais doces frutas do planeta. lembra vagamente a manga-rosa que como muito em recife.

o abacaxi local também é tão doce que quase adquire outro sabor, o de um doce carregadissimo no açucar caramelado, e não de uma fruta recem-cortada. vou experimentar o?a? biltong, carne maturada típica de johannesburgo, apesar de sua aparencia um tanto seca...


secura que pode ser contrabalançada com um dos excelentes vinhos deste país. tem uma coisa em miami que adoro, fora os ótimos drinks locais - o milho docinho, carregado na manteiga, que acompanha costelinhas de porco ou chicken wings de um restaurante nem um pouco badalado, porem eternamente cheio de pessoas felizes com seu colesterol. e pumpkin cheese cake, que nunca vi ou comi em nenhum restaurante brasileiro - ainda vou tentar fazer qualquer dia. e bagels com semente de papoula, 


pois esta sementinha sumiu o mercados brasileiros (foi proibida, segundo li em algum lugar). e na volta, em casa, qualquer coisa. pois qualquer coisa é boa quando estamos em nossa casa, cercado de nossas coisas, com "nosso" universo ao redor, e no meu caso meus livros, meus cds, meus cachorros e meu companheiro, em meu belo apartamento. alias, nosso. viajar é bom, muito bom. mas voltar é melhor.