food, art & spirits

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sexta-feira, 25 de maio de 2012

sê inteiro


Tudo é ousado para quem nada se atreve, disse meu poeta preferido – Fernando Pessoa. E eu depois de ...maduro, por assim dizer, decidi me aventurar por campos nunca dantes percorridos por mim. Talvez esteja à recherche du temps perdu, talvez esteja em fuga mesmo – sei lá. Mas mudanças são como os círculos que surgem quando jogamos uma pedra no lago – imprevisíveis, não sabemos onde terminarão. Decidi mudar o rumo estático de minha vida profissional – e estou enlouquecendo, com um milhão de ideias simultâneas. Plano A, Plano B, Plano C, Plano Ypisilone, tudojuntoaomesmotempoagora. E estou despejando uma energia imensa em minha cozinha, executando pratos  que nunca fiz em minha vida – doces, tortas, biscoitos, bolos fofíssimos, 


praticamente uma Tia Anastácia de barbas grisalhas. Esta semana aventurei-me em duas receitas novas para mim, no período de curto tempo. A primeira, uma Torta de Chocolate e Morangos, da Fer Guimarães Rosa – pausa: eu acho que a detesto (a Fer,não a torta), e não confesso. Tudo o que esta mulher faz e mostra em seu blog é irritantemente desejável, de suas saladas perfeitas às tortas e bolos, ilustrados com fotos perfeitas de seu fornecedor de orgânicos, seus pratos floridos, parecem ter saído do blog do Todd Selby – voltando... cuja receita você encontra aqui. Uma receita fácil, de sabor intenso – no meu caso, reforçado por uma caldinha de mel de laranjeira que usei para dar um brilho nos morangos, que casou perfeitamente com o ligeiro amargor do chocolate. Terminei-a tarde da noite, e ela fez uma duplinha perfeita com um chá Oolong que trouxe de Shanghai. Enquanto admirava minha obra, 

e sentia o perfume amadeirado do chá exalando, pensei – estou ficando velho...quem em sã consciência cismaria de fazer uma torta às 10 da noite, depois de trabalhar o dia inteiro?
Ainda sobrava um pedacinho solitário desta torta na geladeira dias depois, quando decidi me aventurar numa de minhas tortas preferidas – Apple Pie - novamente as 21h30m... Procurei a receita que mais se aproximava do que eu achava que seria a torta perfeita, e confesso que não sei de quem é esta receita – estava anotada em meu IPad, sinal de que esta foi retirada da rede, e desculpe-me o autor não creditado, mas segue a receita abaixo. E embevecido admito – a torta saiu muito próxima às melhores tortas de maçã que comi na Big Apple, um pouco mais baixa do que as lá servidas, pois a forma disponível era um pouco maior do que o recomendado, mas mesmo assim de recheio untuoso e massa muito, bastante leve.
 (olha que recheio...)

Estou lendo horrores, arrumando a casa, pensando num projeto futuro, pensando em voltar a estudar,  e cozinhando intensamente. Definitivamente, a recherche du temps perdu...

apple pie
2 e 1/2 xícaras de farinha peneirada
1 colher de chá de sal
200 gramas de manteiga sem sal (temperatura ambiente)
100 ml de água gelada
1 kg de maçãs Granny Smith sem cascas e sementes
suco de 1 limão
3/4 de xícara de açúcar refinado
1/4 de xícara de açúcar mascavo
3 colheres de sopa de farinha de trigo
noz moscada ralada
canela em pó
1 gema
1 colher de sopa de leite gelado

Misture o sal e a farinha de trigo, acrescente a manteiga em pedaços, misture e adicione a água gelada aos poucos, até obter uma massa homogênea. Cubra-a com filme plástico e deixe na geladeira por 20 minutos.
Pique as maçãs em pedaços médios, e cozinhe com os demais ingredientes por 10 minutos. Reserve e espere esfriar para usa-la.
Enfarinhe uma superfície lisa e abra a massa com o rolo, até ficar bem fina. Dobre em 3 partes no sentido da largura e ao meio no sentido do comprimento, como um retângulo, e novamente abra a massa com o rolo. corte em dois círculos, um maior para a base, e outro para a cobertura.
Coloque a massa na forma, recheie com as maçãs já frias, cubra com a massa e pincele com a gema batida no leite. leve ao forno pré-aquecido a 180 graus por 40 minutos.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

a hora de parar

Hiato - solução ou interrupção de continuidade em um corpo, em uma série etc.; falta, intervalo, lacuna
Sabático - relativo ao sabá (Ex.: orgias s. da Idade Média - oba!): relativo a um período em que alguma atividade regular é interrompida.

Depois de 22 anos trabalhando na mesma empresa - correção, para a mesma empresa - sem férias longas nem sábados, domingos, feriados e noites compensadas, pois considerava que estava dirigindo minha energia para um bem maior (ponha o quanto és no mínimo que fazes -f.p.), precisei tirar 21 dias de férias para me recuperar de uma pequena cirurgia, banal mas chatinha. Como tenho a sorte de ter um negócio - a franquia desta marca em Recife, e ao mesmo tempo ter um apartamento muito bem localizado e instalado nesta cidade, a escolha era óbvia. Vamos portanto passar 20 dias em Recife, que, para quem conhece este blog, é matéria comum e constante aqui.

E então resolvi pensar como um novo executivo, um executivo tropical, que caminhava toda manhã na praia de Boa Viagem, mergulhava (dentro do possível, visto não saber nadar), tomava uma água de coco , e depois disso ia para casa, tomava café da manhã, via meus e-mails, e no começo da tarde já estava em minha loja, pronto, novinho em folha, ligeiramente corado pela caminhada sob o sol pernambucano, com a vista ainda ardendo do azul celeste. Mas estava sozinho neste período, meu companheiro sempre presente nestas horas não podia - também por questões profissionais - me acompanhar nesta "recuperação". E foi muito bom - o silêncio nos faz pensar mais do que de costume. Ficar algum tempo parado ouvindo o mar sem fazer nada faz seus pensamentos fluirem com a rapidez de um Van Gogh e com a precisão de um enxadrista russo. O tal do foco, só que sem entoar nenhum mantra e sem incenso.

E, neste ínterim, comer muito peixe - no caso, agulha frita -

caldinho de peixe e caipirinha de cajá


 
fazer munguzá nas noites quentes, tomar Vinho do porto branco gelado no terraço sentindo a brisa marítima, ter a chance de olhar de minha varanda (na parte de trás do apartamento) a Lua numa noite em que ela esteve pertíssimo de nosso planeta,


ler e reler Fernando Pessoa (segue teu destino, rega tuas plantas, ama tuas rosas - o resto é sombra de árvores alheias...)
 e rever seu ritmo de vida - se ele é prazeiroso ou não, se seu trabalho está lhe provendo apenas materialmente ou um pouco mais do que isto.
Quando voltei para São Paulo, fui falar com o presidente da empresa, já ciente de que eu a enxergava de outro modo. Muito embora tenha grande carinho e amizade por ele, pessoa excepcional, discordava dos rumos estéticos e conceituais da empresa e era opositor ferrenho da praxis corporativa que estava sendo lenta e gradualmente difundida por membros desta (que eu considero serem diametralmente opostas às atitudes generosas e éticas de seu presidente/fundador e de seu filho). E ao chegar fui cobrado de ter tirado férias em período inoportuno para a empresa - sendo que esta foi a primeira vez, em 22 anos, que tirei férias de verdade, e não diazinhos picados entre feriados. Aí percebi a verdade - já que a empresa não mudaria, mudava eu. Pedi demissão de forma calma, segura e irreversível, não sem deixar de expor boa parte de meus pontos de vista.
Portanto, de volta ao escritório tropical, de onde avisto o mar antes de sair de casa, sinto a areia quente sob meus pés e meu coffee-break se transformou numa simpática água de coco repousando em prosaico banquinho de madeira.


 E a loja de Recife, nossa loja (minha e de Eduardo) está linda, brasileira, moderna, internacional - modéstia a parte - talvez influenciada pelas cores locais

 e pela calma que invadiu meus pensamentos, quando não tenho mais que discutir com mentes menores e colocar meu talento - burilado ao longo de 25 anos de trabalho intenso - sob o jugo de quem não o tem