food, art & spirits

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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

bicho não paga mico

Almoçando num restaurante japonês ao lado da loja, sozinho, peço uma cerveja para matar o calor tórrido que transforma São Paulo numa filial do último círculo do Inferno. E ao meu lado, em seguida, senta-se um casal - aliás, um par. Um homem pouco mais velho do que eu, aproximadamente 55/60 anos, e uma menina que, se não era menor de idade (atualmente fica difícil constatar se alguém é menor de idade ou não) tinha no máximo 20 anos - um terço da idade de seu acompanhante.
Adianto - eu não estava no Jun Sakamoto ou no Nagayama (infelizmente...) nem algo parecido, era um prosaico restaurante que serve um "festival de sushi"ou pratos executivos corretos, sob o comando de Da. Elza, sempre atenta aos clientes que a conhecem pelo nome e desfrutam de sua simpatia. Pois neste restaurante, meu vizinho de mesa pergunta para sua acompanhante se ela aceita um vinho para acompanhar o almoço...ela responde que prefere uma Diet Coke. 
Neste ponto meu xeretômetro ligou no máximo...péssimo hábito, sei. Mas se eu fosse um novelista, teria cenas de restaurantes ótimas para reproduzir na telinha. 

E a partir daí a constatação de que o que difere o homem dos animais não é sua capacidade de raciocinio, observação, compreensão, etc. O que nos difere é nossa capacidade de sermos patéticos.
A menina estava ali apenas para comer uns sushizinhos, tomar sua Diet Coke e ouvir meia hora de algum assunto que ela fingiria interesse mas não estava nem um pouco afim de adicionar ao seu arquivo pessoal. Ele estava lá para seduzi-la da pior forma possível - esbanjando sua história, cultura, conhecimentos e congêneres, tentando compensar a falta de idade dela com o excesso de bagagem dele. E tome citações desnecessárias (e incompreensíveis para ela), referências geográficas, paternalismo ("...você é sensível, vai adorar Paris..."), um enredo que culminou quando ele, tentando parecer local, disse à garçonete : "não quero executivo nem festival, quero a la carte" e, ao receber o cardápio, teve que pegar os óculos para vista cansada...tentou disfarçar, esticou o braço ao máximo, forçou os olhos mas teve que ceder ao peso da idade, e retirou de sua mochila um daqueles óculos que vendem nas farmácias. Lembrei-me imediatamente de uma campanha publicitária veiculada algum tempo atrás (vide video AQUI ) ,
veio-me à memória as cenas do clássico Morte em Veneza (com o compositor apaixonado pelo efebo Tadzio e suas inefáveis consequências)

e mais não lembrei porque comecei a sentir a síndrome da vergonha alheia se manifestando, terminei meu temaki e meu misoshiro rapidamente e me fui. Não sem antes perceber a cara de enfado da menina, que nitidamente preferia estar conversando com alguém via Facebook ou tweetando algo, no lugar de ouvir as peripécias de seu acompanhante
Saí de lá lembrando de uma frase - acho que da Mafalda (a personagem de Quino), que falava algo parecido como "nessas horas eu percebo que o gênero humano tem mais de gênero do que de humano..." 
Definitivamente, bicho não paga este tipo de mico.