food, art & spirits

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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

cenas de um exagero

Uns buscam a simplificação, a síntese, a redução. Roberta Sudbrack caminha por uma trilha de elegância e sabores, com pratos de poucos ingredientes executados com maestria. Um de meus restaurantes preferidos em São Paulo, o Arturito (da grande Paola Carosella) oferece em seus domínios uma cozinha de excelência - tudo perfeitamente cozido ou grelhado no ponto mais do que certo, porções de tamanho ideal, e sabores que explodem de simplicidade extraída da perfeição. Mas existe um outro lado, que ainda insiste na mistura de elementos para compor um prato, onde teoricamente não poderia faltar algo ácido, algo adocicado e algo crocante. Em primeiro lugar - quem foi que teceu esta máxima de que estes elementos são fundamentais para uma receita? E em segundo lugar - já perceberam nas nomenclaturas dos pratos oferecidos? E tome "confit de pato em sua própria gordura (existe outro meio?), deitado em berço de baby leaves com redução de porto, poeira de barriga de porco e pérolas de tapioca" - só de ler o título do prato já me deu sono. Fora que um prato com poeira e pérolas já me deixa tenso.
Mas recentemente, graças a um amigo, conheci o cardápio abaixo.
Primeiro, o capítulo "Gourmet". Esta "gourmetização" já está chegando às raias do exagero. Ainda me soa na lembrança o livro de Miojo Gourmet - nada contra o processo de "sofisticação" de um prato instantâneo, isto é puro exercício de gestão de marca - mas "gourmetizar" o Miojo é triste. Temos hamburguer gourmet, brigadeiro gourmet, pudim de leite gourmet, e - no caso acima - Pizzas Gourmet.
Segundo - imagine a gororoba. Uma pizza com 1001 notas de sabor! Queijos - sim, queijos, no plural -misturados ao molho de tomate, com linguiça, couscous marroquino com tâmaras e Chanchlich...Ou então, uma que, sob uma chuva de Ervas de Provence (adoro a imagem...) e traços de molho barbecue de goiaba (ou Bar-B-Que, como grafado -argh!!!!!!), o feliz comensal pode encontrar alho poró puxado no vinho branco, amêndoas laminadas, atum grelhado e queijo holandês. É literalmente um X-Tudo, e o atum não merecia este fim tão indigno.
Num boteco aqui em Recife, onde me encontro novamente, encontro "Peixe ao molho de al caparras (ai...), creme de leite e catchup gratinado com queijo manteiga". Droga, gourmetizaram o botequim também! 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

transtorno obsessivo culinário

Todo mundo pira um dia. Alguns bebem, outros saem xingando e batendo nas pessoas, outros saem comprando compulsivamente (já fiz isso no passado, hoje não mais - por falta de budget, e não de feelings). Eu arrumo coisas. Coloco os cintos todos com as fivelas do mesmo lado, separados por cor. O mesmo com as gravatas - que raramente uso, os lenços de bolso - que uso muito, os óculos, engraxo os sapatos, rearrumo as camisas, etc. Se a piração é heavy, esta ligeira loucura ultrapassa os limites do closet e vai para a estante, para a despensa, biblioteca, e saio uma mistura de Rose - a empregada Robot de The Jetsons e Sheldon Cooper, o maluco de The Bing Bang Theory.
Sábado passado foi "The Night". Eu estava tenso, enlouquecido, precisava fazer algo. Meu armário estava impecável. Os sapatos, brilhando. Os livros em ordem alfabética e tamanho. Eu tive que cair na cozinha...
Fiz caldo de músculo, e com este uma salada e uma sopa. Fiz um excepcional bolo de pêras - posto a receita qualquer dia. Fiz strogonoff, cozinhei lentilhas, gelatinas diversas, e enquanto rearrumava todos os armários da cozinha, mudando as panelas para outro armário, depois de dois Gin-Tônicas, algumas cervejas, três canecas imensas de café e dois vinhos do porto, vi um pacote de damascos e um de farinha de trigo abertos e pela metade, pedindo saída. E um resto congelado de peito de frango com molho de laranjas e gengibre de noites passadas atrapalhava a arrumação perfeita do freezer - eu tinha que dar um jeito naquilo. Descongelei o dito cujo, refoguei cebolas e pimentões amarelos, coloquei o frango em seu molho, acrescentei os damascos e engrossei o caldo com um tico de amido de milho. O Porto não tinha cortado o efeito da cafeína, então decidi fazer uma massa e transformar aquilo numa torta - aliás quatro, devidamente instaladas em ramequins. A cozinha mais parecia um laboratório de traficante colombiano - pó branco espalhado nas bancadas, canecas, copos, taças e garrafas vazias, e eu finalmente caí em mim. Eu parecia uma figura de Lucian Freud, abatido, exausto, quimicamente excitado às quase quatro da madrugada. Fui tomar um banho, abri o livro na cama e dormi na primeira página. 



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

trepa no coqueiro e tira o coco

Então sábado tive um jantar em casa, para 12 pessoas. Entre elas o designer Luis Pons, o arquiteto David Schwartz e uma artista plástica fantástica, inteligente de dar raiva, de nome Michele e Beto C., recente e já grande amigo. Eu havia ficado a noite anterior picando quilos e mais quilos de peito de frango, temperei com temperos marroquinos e depois de refogar ligeiramente, cozinhei-os numa calda de laranja e gengibre. Servi com couscous marroquino, e todos adoraram mesmo. Eu já havia preparado um pudim de damascos, mas 2 horas e meia antes do jantar, decidi fazer uma outra sobremesa. Queria algo com gosto brasileiro, já que o jantar tinha sabores e perfumes do Mediterrâneo. Encarei rapidamente uma panna cotta de coco - correção, o conceito por trás do prato era esta sobremesa típica do Piemonte, mas na realidade virou outra coisa, pois fui juntando aqui, juntando ali, mudando um pouquinho e consegui algo absolutamente ESPETACULAR, em todos os sentidos. Os convidados adoraram, e quando eu disse que havia feito naquele dia, um ligeiro OOOOOHHHH pode se ouvir em torno da mesa. Eu consegui fazer algo pouco calórico, saboroso, original e muito, muito leve. Michelle me disse que era uma das melhores sobremesas que tinha comido ever. Será por isso que a considerei extremamente inteligente?

                           
Quase uma Panna Cotta de Coco 
500 ml de creme de leite fresco
400 ml de iogurte desnatado
600 ml de leite de coco
1 colher de sopa de sementes de cardamomo
4 colheres de sopa de açúcar peneirado
2 pacotes de gelatina em pó sem sabor
200 gramas de coco ralado sem açúcar
1 clara de ovo batida em neve
Coloque o creme de leite para ferver junto com o cardamomo, abaixe o fogo e coloque o leite de coco, o coco ralado e o açúcar. Cozinhe por 7 minutos para o cardamomo soltar seu aroma e perfume. Retire estes do creme, tire a panela do fogo e transfira o líquido para um bowl grande. Espere esfriar um pouco (mas deixe ainda morno), acrescente o iogurte e mexa bem. Incorpore lentamente a clara em neve, e em seguida colocar a gelatina já hidratada e amolecida conforme as instruções do fabricante.
Colocar em forminhas individuais (ou taças ou até copos pequenos). Levar à geladeira por no mínimo 4 horas, aqui eu acelerei o processo pelo freezer. E eu servi com uma calda de banana-passa (que tinha no armário) com cachaça (que sempre tenho no armário) e um pé-de-moleque "gourmet"... 



ps - eu só consigo fazer esta receita agora para 12 pessoas, sorry...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Raphaelices e Gabrielices e...

Cena 1 - Gabriel (já citado aqui) vem à Galeria na sexta feira à tarde. Doce e animado como sempre, pergunta coisas sobre algumas obras, questiona outras, come uns biscoitinhos, joga charme sobre a gente e vai embora, levado pela mãe. À noite, comadre me liga com a novidade, descrevendo o papo entre eles muito tempo depois de que daqui saíram:
"-Mamãe, quando eu crescer quero ter uma galeria.
- Galeria de que, Gabriel?
- Galeria de Arte, mamãe!"
Cena 2 - No dia seguinte, sábado recebendo convidados para a exposição de obras de Luis Pons, grande designer Venezuelano, topo com Annita, uma menina de 7 anos super despachada e perspicaz. Sentamos na escada com sua mãe, e ela me diz que adora arte. Segue o papo
"- Annita, se você quiser trazer os amiguinhos da sua turma da escola até a Galeria para eles conhecerem, pode trazer ok?

- Posso? Então eu vou organizar isto! Mamãe, marque uma reunião para fazermos isto.
(...passado...)
- Mamãe, você vai me ajudar a organizar isto, tá?!
(...passado#2...)
Tiramos uma foto, e ela fez "a" pose.

Cena 3 - no final deste mesmo dia, recebo um telefonema:
"-Dindo, vamos fazer biscoito?
- Oi Raphael, tudo bom? Você quer fazer biscoitos?
- SIIIIIIM. Vamos fazer biscoito aqui em casa amanhã? Eu preciso comprar os "inguedientes"?
- Não Rapha, eu levo."
No domingo, fomos para a casa da comadre. Raphael e Thomas me recebem animados, "vamos fazer biscoito?!?!??!", almoçamos e o Raphael cobrando a promessa. Fomos para a cozinha, ele já de avental e lenço na cabeça. Botou a mão na massa, me ajudou a esticar e cortar os biscoitos, passou no açúcar e comeu vários, super feliz.

Mais feliz estava eu.

Biscoitos "Raphaelitas"
Confesso que eu nunca tinha feito biscoito na vida. Contava com a internet para na hora sacar uma receita do IPad, mas na hora "H" cadê a internet? O jeito foi improvisar.
1 e 1/2 xícaras de farinha de trigo
1/2 xícara de açúcar
50 gramas de manteiga
1 ovo
2 colheres de leite 
1 colher de café de bicarbonato
1 colher de sopa de raspas de limão siciliano
Calda
suco de 1 limão siciliano
4 colheres de açúcar
Misture a farinha, o açúcar, o bicarbonato e as raspas de limão. Acrescente a manteiga e incorpore até virar uma espécie de farofa. Acrescente o ovo e 1 colher de leite, incorpore até que a massa fique em ponto de esticar. Se precisar, coloque o resto do leite.
Descanse a massa por 30 minutos na geladeira (o que, no caso, não aconteceu. Meia hora para meu assistente era demais...). Abra com o rolo, corte com o molde desejado, coloque em forma ligeiramente untada no forno a 180 graus por 10 minutos. Vire os biscoitos, e deixe por mais 5 minutos.
Misture o suco de limão e o restante do açúcar, e leve ao fogo até virar uma calda fina. Molhe uma face do biscoito sobre a calda morna, polvilhe açúcar de confeiteiro sobre a superfície molhada e sirva.
(este post foi escrito sem nenhuma intenção ou influência do dia da criança. foram meras coincidências.)