food, art & spirits

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domingo, 25 de novembro de 2012

novaiorquinas

Voltei semana passada à New York, a trabalho. Graças à falta de habilidade da American Airlines, cheguei com um dia de atraso - o vôo (AA950 de 11/11/2012) foi cancelado depois de quase quatro horas parados e presos dentro do avião - pois quando conseguiram consertar o defeito da aeronave, tiveram que lidar com questões burocráticas - na verdade, as horas de trabalho da tripulação "estourariam" depois desta espera, impossibilitando a decolagem. 
Por causa deste atraso, todo minha agenda naquela cidade ficou atrasada. E não deu para fazer nada que nós queriamos, a não ser trabalhar e trabalhar e chegar mortinho no hotel para sair no dia seguinte para trabalhar. Mas sempre dá para dar uma esticadinha aqui ou ali. Por questões práticas, fomos almoçar no ABC Kitchen, de Jean-Georges Vongerichten (confesso que dei a dica de encontrarmos um móvel lá apenas por causa do restaurante - mas fui sutil, ninguém percebeu...). Lugar legal, de preço justo, comida simples e geralmente muito bem executada, gente bonita, ou seja - o pacote completo.
Ao nosso lado, uma bancada ostentava legumes orgânicos dispostos de tal forma que parecia uma natureza-morta clássica. Não resisti e comecei a fotografar, pagando o mico mesmo.

Chegou a habitual água cheia de gelo, uma travessinha de madeira com pães quentinhos, azeite e sal. Couvert básico, mas com o diferencial - tudo muito bom, simples e bom.


Eu queria uma coisinha leve mas quentinha, pois tinha jantado no próprio hotel no dia anterior - um prosaico e imenso Turkey Club Sandwich. E vi no cardápio o prato que me deixaria feliz - uma massa simples, recheada de ricota com molho de tomates. Tudo orgânico, como ressaltava o cardápio. E o prato era uma beleza de simplicidade e sabor - a massa cozida à perfeição, o molho suave e ligeiramente apimentado, o grana padano ralado era de excelente procedência, tudo o que eu precisava naquele momento. E a apresentação sem rabiscos ou desenhos desnecessários.
Mas a esta altura eu já estava disposto a aumentar a minha circunferência abdominal, pois tinha lido no cardápio algo que tinha me aguçado os sentidos - um Salted Caramel Ice-Cream with Candied Peanuts & Popcorn. Só não comi a massa mais rapidamente para chegar à sobremesa mais cedo, pois o prato estava realmente muito bom - e por apenas U$ 23. Mas aí...chegou a sobremesa.

A textura do sorvete era indescritível. Parecia uma bola de caramelo gelado, com uma pontinha de sal ao fundo, e eu que adoro sorvete juro que nunca provei um com esta textura - não se sentia o "gelado" típico, nem se percebia a gordura do mesmo. As pipocas eram caramelizadas, e uma calda de chocolate meio amargo arrematava o conjunto (eu achei desnecessário, mas ninguém da mesa concordou comigo). Quase peço outro prato igual, o que me faria subir até o topo do Flatiron Building a pé para queimar as calorias desta sobremesa.

Esta é uma cidade que eu e o Eduardo adoramos - e desta vez não deu para aproveitar tanto como de costume, mas - what the hell, 
we´ll always have Paris... 

sábado, 10 de novembro de 2012

química - ou "it´s going to be a bumpy night"


Química é uma ciência baseada na instabilidade. Uma gotinha a menos disto aqui, um segundo a mais do tempo previsto ou a mínima variação de temperatura e KABOOOOOM! Explosão na certa.
E a química para uma reunião perfeita é ainda mais difícil de ser controlada : alguém fala uma bobagem inocente mas de repercussão imprevisível (como no vídeo de All About Eve acima, em uma das mais clássicas frases do cinema), bebida quente e/ou faltando, qualquer deslize pode transformar a idéia de uma noitada perfeita em um remake de "Nightmare in Elm Street". 
Esta semana fomos convidados para um jantar informal na casa de dois amigos recentes mas especiais - Sr. N e Sr. O. Questionando sobre se era um jantar sentado, ouvimos a resposta de que seria informalíssimo, onde um amigo deles faria uma massa, coisa de se conversar na cozinha - ou seja, tudo o que gosto.
Chegamos e a casa estava arrumadíssima, já cheia de enfeites natalinos e uma imponente árvore de Natal parecia estar recepcionando os convidados. Fui direto para a cozinha, onde um italiano (o tal do amigo) preparava bruschettas deliciosas servidas por sua visivelmente apaixonada namorada brasileira. Um excelente vinho tinto, cuja marca me esqueci, me foi servido imediatamente, tendo ao fundo a voz de Piaf.
Chegaram mais dois casais - éramos onze ao todo - e a bebida rolando, o papo solto e informal, novas amizades sendo feitas, os anfitriões super à vontade porém atentos a tudo, e na hora certa uma massa perfeita e original, com pedaços minúsculos de linguiça, funghi porcini e trufas negras. 
(Olha a cara do prato, aliás, numa belíssima porcelana...)
Não me fiz de rogado e ainda aceitei um repeteco, pois o prato estava delicioso - deixar o convidado tão à vontade a ponto de repetir o prato é uma ciência delicada, conduzida neste caso com maestria e muita simpatia. Seguiu uma sobremesa ótima, e quando perguntamos a um dos donos da casa quem tinha feito, ele respondeu de pronto - "não tenho idéia, eu só fiz o cheque...", arrancando risadas dos presentes frente à sua desconcertada franqueza.
Voltamos para casa alimentados de corpo e espírito, lembrando de uma outra reunião na casa de conhecidos, onde o excesso de pompa e circunstâncias transformou o tempo numa unidade incomensurável, pois a noite não passava...os minutos eram décadas, e os silêncios constrangedores. Eu mesmo já errei a mão em algumas reuniões em casa, onde a pretensão de querer ser perfeito resultou numa química errada.
Mário Quintana disse certa vez a respeito de reuniões sociais que "...o excesso de gente me impede de ver pessoas." Concordo com ele.

sábado, 3 de novembro de 2012

a memória e o gosto


Meu pai era o que comumente se chamava de "bom de garfo". E gostava de ir sempre nos mesmos restaurantes, pedir praticamente os mesmos pratos, pois detestava a margem para o erro (eu realmente nasci seu oposto também nisto...). As vezes se aventurava na cozinha, fazendo algumas coisas que não davam muito trabalho, mas fazia o básico impecavelmente bem feito. Seu torresmo (comentei isto outro dia na Nina Horta) era de uma precisão absoluta - tamanho e crocância, tudo perfeitamente bem executado. Nunca me aventurei a fazer isto, primeiro porque exigia uns panelões imensos e uma cozinha muito ventilada; segundo, porque não tenho a coragem de repetir uma receita que era perfeita, e dar errado - prefiro continuar na tentativa de achar um no mínimo parecido entre os restaurantes que frequento, no meio das inúmeras feijoadas que comi, mas até hoje...nada. 
Ele também fazia um doce de abóbora de comer rezando. E não dava muito trabalho, nem era nada medido - cubos de abóbora, açúcar, um pedacinho de canela em pau, dois ou três cravos, panela com fogo médio tampada, depois de algumas horas jogava o coco ralado, e  estava pronto. Eu comia ainda quente, com fartos pedaços de queijo forte, e no dia seguinte ainda virava um sanduíche criminoso de tão calórico. Outro dia me deparei com uma abóbora bonita, peguei uma receita deste doce na internet, medi tudo, pesei tudo, cubos quase do mesmo tamanho, fogão com temperatura regulada...e não cheguei aos pés do doce que meu pai fazia. Ou a abóbora era insípida, ou o cozinheiro errou a mão mesmo. Ficou uma sobremesa levinha, levinha, quase uma nuvem cor de coral, mas...nem uma pálida sombra do que me era oferecido quando criança. 
Alguns ensinamentos deveriam ser repassados de forma obrigatória para a posteridade - a receita perfeita, o melhor canal de comunicação entre opostos, os processos de ajustamento de uma sociedade democrática, a facilidade de compor rimas e belezas como Chico Buarque - isto tudo deveria ser transmitido ao maior número possível de pessoas, sob o risco de desaparecerem no futuro distante. Lembro do cheiro de galinha depenando, pois eu e meus primos éramos os responsáveis por esta função nos almoços dominicais na casa de minha avó (imagine a cena - matar uma galinha, depenar, limpar, eviscerar, cozinhar e servir tudo num mesmo dia - ou melhor, numa mesma manhã!). Do trabalho de passar as coxinhas na farinha, no ovo e na farinha novamente, antes de fritar. De distinguir a goiaba madura da não tão madura ainda no pé, nas tardes em Santos. De catar o feijão, escolher o arroz, debulhar a ervilha, limpar sardinhas e acender a brasa da churrasqueira e mantê-la na altura e temperatura certas para a delicadeza deste peixe. De rechear e dobras os capeletti, e passar uma mesa inteira de gnocchi no garfo para ele adquirir a curvinha perfeita para melhor receber o molho. Não repassei isto para ninguém, assim como meu pai não me ensinou a forma de fazer o doce perfeito. Mas será que hoje alguém se interessaria em algo que não vem no visor de um tablet ou smart-phone?

Doce de abóbora com coco
  • 1 kg de abóbora de pescoço, descascada e cortada em cubos 1/2 quilo de açúcar
  • 2 pauzinhos de canela
  • 6 cravos-da-índia
  • 1/2 xícara de coco ralado 
Numa panela grande, coloque a abóbora, o açúcar, a canela e os cravos. Leve ao fogo médio, mexendo sempre, até a abóbora começar a soltar água e umedecer o açúcar. A partir daí, abaixe o fogo e vá mexendo de vez em quando. Quando a abóbora tiver desmanchado e a calda tiver engrossado um pouco (leva uns 35 a 45 minutos), junte o coco e deixe mais uns 10 minutos em fogo baixo. Deixe esfriar e guarde em pote com tampa na geladeira.