food, art & spirits

food, art & spirits

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

a educação pelo mármore

- bom dia, o café está pronto? 
- bom dia, Eduardo. Estamos fazendo o café, você não quer colocar a mesa? 
- não, não quero... 
- deixa de ser folgado, monte a mesa enquanto fazemos o resto. 
- eu não, estou de férias... 
- uhn?. 
- eu estou de férias... 
- sim, você está de férias, assim como eu, Edith e Fernanda. Estamos todos de férias, viemos para cá no mesmo vôo, lembra? Aeroporto, polícia federal, aduana, fiscais da imigração, malas - tudo isto lhe é familiar? 
- não é muito cedo para cinismo? 
- nunca é cedo demais para cinismo. Vamos, o café está quase pronto, as panquecas também, e a mesa...nada. 
- não podemos tomar o café na rua? 
- você pode, se quiser. Coloque um casaquinho, pois está um pouco frio lá fora - menos vinte e dois graus. Mas depois de colocar a mesa para nós. TODOS NÓS. 
- que insistência em me fazer trabalhar! 
- Eduardo, monte a mesa logo, deixa de história. 
- até tú, Edith? O que é isso, um complô? 
- descobriu. Viemos para cá, atravessamos dois continentes apenas pelo prazer de vê-lo fazer o sacrifício de juntar alguns jogos americanos, pratos e xícaras e talheres contra sua vontade. E por favor, faça-o sem essa cara feia. 
- além de trabalhar feito um escravo ainda tenho que parecer feliz? 
- TEM SIM! 
- como vocês três conseguiram gritar em uníssono, treinaram, ensaiaram? 
- Eduardo, o café está pronto, ovos prontos, panquecas prontas, mesa quase... 
- ok, ok, ok...cadê o açúcar? 
- no armário. 
- e o adoçante? 
- no armário. 
- e os guardanapos? 
- adivinha: no...armário. 
- e o marbled cake? 
- não tem hoje. 
- COMO não tem marbled cake? 
- não comprei ontem, mas comprei bagels diversos. 
- eu não quero bagels, quero meu marbled cake. 
- olha o drama... 
- vocês me fazem trabalhar em plenas férias e nem compram marbled cake para mim... 
- e se você falar marbled cake de novo eu jogo este bagel queimado no meio de sua testa. 
- vocês três sabem que as coisas que eu mais gosto em meu breakfast de férias são os queijos, suco de cranberries e marbled cakeAAAAI!! Que violência é essa? 
- eu avisei...

(eu queria fazer um post sobre os mármores de elgin ,que ainda não conheço, mas me lembrei desta manhã em nycity, com eduardo, edith e fernanda - juntei com joão cabral de mello neto, e deu nisto.)



MARBLED CHOCOLATE & VANILLA RING, 
(do livro 1 Mix, 100 Cakes)
-óleo de canola ou manteiga derretida para untar a forma
- 1 e 1/2 xícaras de farinha de trigo
- 1 colher de sopa de fermento em pó
- 3/4 de xícara de manteiga sem sal temperatura ambiente
- 3 ovos batidos
- 2 colheres de sopa de cacau em pó
- 2 colheres de sopa de leite
- 1 colher de chá de extrato de baunilha
- açúcar de confeiteiro para polvilhar (não usei...)

Aqueça o forno a 160 º C. Unte uma forma de buraco no meio de 26 cm. Misture o açúcar com a manteiga e os ovos, bata até a mistura ficar macia e totalmente homogênea. Acrescente a farinha misturada ao fermento. Reserve.
Misture o cacau com o leite em um bowl, e acrescente metade da massa à essa mistura. Acrescente a baunilha à massa branca. Coloque alternadamente 2 colheres de massa branca e 2 colheres de massa de chocolate na forma untada. Com uma espátula fina ou palito (usei um hashi) misture delicadamente a massa, para obter o efeito marmorizado. Coloque no forno por 40 a 50 minutos, ou até que pareça firme - faça o teste do palito para ver se a massa está assada.
Este bolo ficou ótimo quente, ligeiramente seco depois de frio, talvez pelo fato de que deixei-o no forno após pronto - não corra este risco, ok?

domingo, 18 de dezembro de 2011

i wanna some sugar in my bowl

Tenho uma teoria sobre o doces pernambucanos: em virtude dos anos de monocultura canavieira, e também por conta da grande influência da cultura portuguesa, os doces deste estado  têm como denominador comum um alto, altíssimo teor de doçura. Considere o seguinte dialogo:
- vamos fazer o quê de sobremesa?
- ainda não pensei, mas pegue dois quilos de açúcar, depois penso no resto...
Tomemos o bolo Souza Leão como exemplo. Apesar desta receita estar cercada de mais segredos que o mistério de Fátima, a maioria do escritos sobre este ancestral doce inicia com 18 ovos e um quilo de açúcar, acabando com minhas intenções de reproduzir domesticamente este prato. Receita AQUI.

Gilberto Freyre, no seu livro Açúcar, afirma: “a marmelada, o caju e a goiabada tornaram-se desde os tempos coloniais, os grandes doces das casas-grandes. A banana assada ou frita com canela, uma das sobremesas mais estimadas das casas patriarcais, ao lado do mel de engenho com farinha de mandioca, com cará, com macaxeira..."para quem não sabe, estes doces compõem-se do binômio fruta e açúcar, e o falado mel de engenho nada mais é do que uma das etapas do processo de se transformar cana em...açúcar. O bolo de rolo recebe açúcar cristal quanto baste em sua composição - e Herve This detestaria essa imprecisão matemática em uma receita.  

A doçaria pernambucana é bstante sui-generis, e particularmente acho que algumas coisas não viajam bem - como o bolo Souza Leão, ou a manteiga de garrafa, por exemplo. Eu brinco falando que qualquer dia serei preso por tráfico ou importação ilegal de artigos da culinária pernambucana.Cheguei ontem de Recife com uma mala recheada de bolo de rolo, passa de caju, castanhas de caju, bolo de goma, sapotis(eu não gosto desta fruta beige, mas fui obrigado a traze-las ...), doce de coco verde (para uma amiga que desconhecia, espero que ela goste) e um preciosidade da culinária local - uvas passas recheadas. Para quem não conhece, olha a belezinha aí:

Imagine a cena : abrir uvinha por uvinha, retirar as sementes sem extraí-las do cabo, rechear com um doce de amêndoas e passar no açúcar cristal, terminando com um laço de fita para decorar, como se preciso fora. Sofisticação em seu mais alto estado. Ou, como diria a grande Clarice Lipector : "Que ninguém se engane - a simplicidade só se consegue através de muito trabalho."

domingo, 11 de dezembro de 2011

os pequenos prazeres

O bardo pregava que a vida é feita de som e de fúria. Eu considero que ela é feita de pequenos prazeres e imensas decepções. As pequenas decepções eu não conto - o cretino do trabalho que tentou dar um tombo em você, o negócio que não deu certo, a viagem cancelada de última hora, a conta bancária subitamente negativa - tudo isto "faz parte", por assim dizer. Os grandes prazeres talvez sejam grandes em virtude de sua raridade - aquela (boa) surpresa que você teve e da qual você não esquece, aquela noite de amor sexo quando você enxergou outros portais de existência, o upgrade inesperado para primeira classe num vôo internacional - tudo isto é tão raro que não configura espaço em nosso HD pessoal. Já as grandes decepções, se não definem nosso ser, pelo menos deixam sedimentados em nossa personalidade alguns traços estranhos - no meu caso, verdadeiras muralhas emocionais, mas isto é uma outra história.
Mas os pequenos prazeres devem ser constantes, para que tudo o mais seja relevado - aquele mala do trabalho citado acima, os fios de cabelo branco (ou pior, os primeiros pelos brancos do peito!), o projeto que não deu certo, o show que você estava doido para ir e de última hora teve um compromisso chato e formal, em suma - os pequenos prazeres estão aí para nos deixarem mais leves, inspirados, condescendentes.
Hoje tive minha cota de pequenos prazeres. Domingo de sol tímido em São Paulo, mas deu para ver o sucesso de um trabalho doméstico - o jardim de meu apartamente está dando sinais indeléveis de que veio para ficar. As heras já estão tomando conta dos muros


E sim, antes que alguém pergunte, fui eu quem plantou. A amoreira ganhamos de um paisagista generoso, e agora ela está dando amorinhas bem pequenas - mas relevemos, esta é a primeira vez que os frutos aparecem, creio que esta amoreira era virgem até então.

O aipim frito, crocante, repousa sobre o guardanapo feito por Attilio Baschera especialmente para o ano do Brasil na França ,e este grande e elegante desenhista me deu esta pequena preciosidade.


E o riesling biológico do Concha y Toro surpreendeu, delicioso, cheio de sutilezas, casamento perfeito com o salgadinho crocante do aipim.

Hoje o dia está calmo, tranquilo, da paz - como deveriam ser todos os dias. Algumas lembranças legais, algumas lembranças tristes, a leitura colocada mais ou menos em dia, Josefina repousando ao meu lado em flagrante exercício dos pequenos prazeres (ou será que para ela deitar na minha cama em cima de um dos travesseiros é um grande, inenarrável prazer?)...

Ao fundo, Marina cantando. Talvez Shakespeare tenha um pouco de razão, a vida é feita de som. Mas pego metade do conceito dele e prego que ela (a vida, claro) deveria ser feita de som e de pequenos prazeres. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

no princípio era a sopa

A adorável personagem Mafalda sempre odiou sopa. Lembro de um quadrinho onde ela escrevia em seu diário : "querido diário, o dia está muito bonito, o sol brilha lá fora, snif snif (cheirando algo no ar), com probabilidades de sopa no decorrer do período...".

Do pouco que me lembro de minha infância, uma certeza - eu detestava sopa. Ficava sentado à mesa vendo a sopa esfriar, e minha mãe não deixava eu sair enquanto não terminasse o prato...
Hoje prego as qualidades de uma sopinha para aquecer o corpo e o espírito. Não só porque ajuda um pouco a manter a silhueta (um pouco...), mas também porque deve remeter a algo infantil - um alimento que não necessita de esforço para ser engolido. Eu confiro à sopa propriedades curativas, como o faziam nossos avós. Se estamos doentinhos, sopa é um santo remédio. Deprimidos? Sopa acalma o espírito. Exaustos? Sopa dá "sustança". Sobrou algo na geladeira que não sabemos o que fazer com ela? Sopa...

Aqui, uma sopa de tomates assados 
cuja receita consegui no Cozinha Pequena, acompanhada de uma torrada de ricota defumada (criação própria) que me derrubou de tão gostosa.
(sopa de feijão, era para ser um pasta e fagioli, mas como reclamaram em casa de massas a noite, fiquei no fagioli e basta...)
Aliás, eu credito à sopa a origem da culinária, quando alguém teve a idéia de cozinhar algo - um legume, um naco de dinossauro, sei lá - e perceber que o caldo da cocção adquiria um gosto particular. Li não me lembro onde que os caldos precederam as sopas, mas isto apenas reforça a idéia de que caldo e canja de galinha não fazem mal a ninguém (ô infâmia...). Eu acredito no poder da sopa assim como acredito na força que um prato de mingau sobre um corpo cansado - e mingau também é um tipo de sopa, sob uma análise prática.
(sopa cítrica de cenoura)
Aliás, virei fã de mingau depois de velho adulto. Talvez esteja "a recherche du temps perdu" - ou talvez tenha assumido que no fundo, no fundo, estamos todos esperando sermos alimentados por mãos carinhosas, que praticam uma culinária honesta, generosa e ancestral.
Sopa cítrica de cenoura
400 gramas de cenoura
1 colher de café de açúcar
2 colheres de sopa de azeite virgem
1,0 litro de caldo de legumes
1 alho poró finamente picado
1 talo de aipo
100 ml de laranja
1 colher de sopa de raspas de limão
noz moscada a gosto
sal e pimenta do reino branca
cebolinha picada para decorar

Refogar o alho poró e a cenoura picada no azeite, em fogo baixo. Colocar 1 colher de café de açúcar, tampar e manter no fogo baixo por 15 minutos aproximadamente, até que as cenouras adquiram uma cor mais intensa. Adicionar o aipo picado, o caldo de legumes e cozinhar por 30 minutos, até que a cenoura esteja se desmanchando. Bater no liquidificador, adicionar o suco de laranja e as raspas de limão, bater mais um pouquinho, coar em peneira fina e voltar ao fogo para ajustar o sal e a pimenta do reino branca. Ao servir, um fio de azeite e as cebolinhas cortadas.
(aqui acompanhado novamente da torrada, agora de brie...)