food, art & spirits

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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Wolverine, um chefe e um porco

The Iconoclasts é um programa e tanto. Com o apoio da ótima Vodka Grey Goose, parte do princípio de explorar as relações entre duas pessoas de áreas distintas. Desta série ví ótimos programas, como Quentin Tarantino e Fiona Apple, Mikhail Naryshnikov e Alice Waters, Maya Angelou com alguém que não me lembro, e mais um grupo de cabeças pensantes.
E semana passada vi um especial em todos os sentidos - juntava um de meus chefs preferidos, Jean-Georges Vongerichten e o ator Hugh Jackman. Visualmente, já era um programa delicioso, dada a presença de um dos protagonistas. Mas a empatia entre estes dois profissionais demonstrada no decorrer da matéria proporcionou momentos de prazer em altíssimos níveis. A primeira vez que estive em um restaurante deste chef foi há muito tempo atrás, no VONG - que hoje não existe mais. Pena, pois era lindo, orquídeas gigantescas nas mesas, drinks fantásticos e uma comida picante e extremamente saborosa. No quesito picante, Jean-Georges sai com uma frase ótima: "Chile is my condiment of choice: A little here, a little there, makes the food sing".No caso do programa citado, cujo teaser você pode ver abaixo, o condimento mais apimentado era a presença de Wolverine servindo de garçom em um evento beneficente.

Mas, voltando à comida, Vongerichten é casado um uma bela mulher de origem asiática, e os sabores deste continente são bastante presentes em sua comida. 
É dele a melhor receita que tenho para porco, uma carne subestimada mas que os grandes chefs sabem valorizar. A mistura de presunto e abacaxi é clássica, já fez a fama do restaurante Cervantes no Rio de Janeiro. Fácil, saboroso e feito por um grande mestre. Infelizmente não temos Mr. Jackman para nos servir - ou sequer fazer companhia. Mas não peçamos a Lua, se já temos as estrelas...

  1. Sweet-and-sour pork 
  2. 2 colheres de sopa de sal marinho
  3. 1 colher de soa de páprica picante
  4. 1 colher de sopa de cebola em pó 
  5. 1 colher de sopa de alho em pó
  6. 1 quilo de costeletas de porco numa peça só
  7. 1/4 xícara de Sriracha (pode substituir por uma pimenta baiana bem forte)
  8. 1 abacaxí descascad, sem o miolo, cortado em cubos de 2 cm aproximadamente
  9. 1 xícara de açúcar mascavo
  10. 1 xícara de vinagre de cidra ou de maçã
  11. Em uma travessa, misturar o sal, a páprica, o alho e a cebola. Corte a peça de carne em 4 partes.Salpicar a mistura de especiarias sobre a carne, e cobrir com o molho de pimenta. Envolva todo o exterior da carne com esta mistura, e deixe marinando a temperatura ambiente por duas horas.Aqueça o forno a 280 graus. Numa forma de fundo grosso ou refratária, misture o abacaxi com o vinagre e o açúcar mascavo. Coloque os pedaços de costeleta por cima desta mistura, e leve ao forno por 4 horas , diminuindo a temperatura gradativamente a cada meia hora, chegando a aproximadamente 160 graus. Apague o forno e deixe a carne descansar por 20 minutos. Retire do forno, aqueça o abacaxi numa panela para reduzir ainda mais o caldo, e sirva sobre a carne. Não faz parte da receita, mas sirvo isto com um arroz basmati soltinho e farofa de vagens. 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

eles não comem pastel

Escrevo este sob o impacto do espetáculo que vi ontem - Alvin Ailey American Dance. Já vi esta companhia várias vezes, mais do que posso me lembrar, menos do que gostaria. Considero o ballet contemporâneo (o clássico eu não tenho muita paciência, confesso) uma das expressões artísticas mais completas que conheço. Em se considerando a hipótese de uma máquina do tempo, iria direto para a década de 1920 Diaghilev & Les Ballets Russes, época em que Coco Chanel fazia os figurinos, Stravinsky a música, Jean Cocteau, Picasso e Matisse os cenários e Nijinski flutuava em cena - e por aí vai. (Também daria um pulo nas décadas de 1940/1950 para ver Billie Holiday ao vivo, mas isto é para outro post.)
Em New York, sou fã de carteirinha do Joyce Theater, e sempre que estou nesta cidade é uma de minhas primeiras paradas - sempre consigo ver bons ou excelentes espetáculos, e por preços as vezes irrisórios. Um país que tem sessões de ballet à tarde a preços populares tem claras intenções para com a cultura - o que não é o caso do Brasil, infelizmente.
Alvin Ailey é uma companhia vibrante, sensual, com programas claramente politizados - e tudo excepcionalmente bem executado. Ainda acho a platéia brasileira econômica em aplausos neste tipo de programa,e  a impressão que tenho é que se fosse qualquer cantora de axé ou alguma nulidade neo-sertaneja e a casa viria abaixo. Mas...
Voltando. Alvin Ailey é uma companhia que dá prazer. Não apenas o prazer visual - nisto Momix e Pillobolus são mestres. Não somente o prazer da qualidade da coreografia e do corpo de ballet, mas uma junção inexplicável de força, sexualidade, lirismo e empatia. 

(essa coreografia, Minus 16, era simplesmente arrebatadora)
O local do espetáculo ontem decididamente não ajudava, uma verdadeira vergonha expor uma companhia deste quilate a este tipo de arquitetura. Nosso Museu Municipal seria o local perfeito, mas o calendário desta casa é bissexto em todos os sentidos - tanto na qualidade quanto na frequência. O equivalente a esta situação seria servir o excelente foie-gras de Erick Jacquin na feira da praça Benedito Calixto aos sábados, entre o cheiro do acarajé frito e a fumaça da barraca do pastel. 
E falando em pastel - caloria que provavelmente os corpos dos bailarinos desta companhia nunca viram - ontem foi dia de pastel aqui em casa. Mas não aquela coisa imensa, cheia de espaço desocupado dentro de suas paredes, e sim a versão pernambucana deste, com carne moída bastante temperada, frito em óleo de girassol e polvilhado com açúcar. Uma fina iguaria, assim como o espetáculo de ontem. Apenas mais calórica.
Pastel de Carne Pernambucano
300 gramas de patinho moído
1 cebola finamente picada
3 dentes de alho finamente picados
1 colher de café de cominho 
1 pimenta dedo-de-moça
1/2 pimentão verde pequeno finamente picado
50 gramas de azeitonas verdes sem caroço
1 tomate sem pele nem sementes
1 colher de sopa de cebolinha picada
1 colher de sopa de salsinha picada
Refogar a cebola até murchar. Adicionar o alho e a pimenta picadinha sem as sementes (estas deixam muito mais ardido). Acrescentar a carne moída, mexer até que toda ela adquira cor. Acrescentar o tomate, o pimentão e as azeitonas, continuar mexendo. Coloque sal a gosto e pimenta do reino moída. Deixar em fogo baixo, acrescentar o cominho, a cebolinha e a salsinha. Corrija o sal se necessário, desligue e espere esfriar para rechear os pastéis. 
A massa de pastel eu uso esta DAQUI, da Akemi, uma blogueira com receitas fantásticas. E ela é daquelas que usa cachaça na massa - outra coisa que seguramente os bailarinos do AAAD não consomem...
Recortar a massa em círculos de aproximadamente 10 cm de diâmetro. Rechear, fechar as pontas e marcar com um garfo. Depois de recheados, fritar em abundante óleo quente - com cuidado para não queimar a massa. Colocar no papel absorvente e polvilhar açúcar com uma peneira. Sirva com um potinho de pimenta ao lado.


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

delicadezas

Escrevo o duocentésimo post deste blog sob a influência de duas surpresas que tive hoje. Primeiro, recebi pelo correio uma delicadeza - um livro de uma leitora, a Mia. Além de frequentar as páginas daqui e deixar sempre mensagens de altíssimo astral, ainda me presenteia com um livro de tema delicioso. Ainda não o li, mas enquanto escrevo isto a caneca de café exala seu perfume forte e quente ao meu lado, e como são quase onze horas da noite, já prevejo um dormir tardio mas embalado pela nova - e provavelmente ótima - leitura.

Ontem foi um dia tenso, uma noite tensa, acordei de modo tenso e assim seguiu o dia. Mas de repente, no final da tarde, recebo um envelope azul com remetente de Brasilia - adoro presentes, amo livros - e o dia começou a melhorar.
Ao voltar para casa, mais ou menos oito e meia da noite, ligo para minha comadre. Quem atende ao telefone é Gabriel, seu filho de completos 5 anos, espertíssimo e muito, muito sociável. A esta altura dos acontecimentos já esclareço - adoro este menino. Além de ser extremamente inteligente e dono de um carisma absurdo, ainda é encantador em todos os sentidos. Voltando - Gabriel atende ao telefone. Pergunto como ele está, e ele me responde que está na cama, se preparando para dormir. Num bate papo rápido, descubro que ele jantou "macarrão e carninha", e em seguida passa o telefone para a mãe. Liguei na hora em que ela estava lendo O Livro dos Sentimentos para ele,
e sou convidado a participar desta leitura através do telefone, e ficamos os três durante alguns minutos falando sobre o livro - ou melhor, lendo o livro juntos!- ela fazendo as perguntas do texto, eu e Gabriel respondendo e interagindo.
Sabe aquele clichê do "momento mágico"? Pois é...eu no trânsito ainda pesado apesar do horário, ligo só para saber das novidades e sou presenteado com uma situação que tenho certeza (apesar dos assustadores buracos negros em minha memória) vou me lembrar para sempre. Daqueles momentos em que a gente se lembra do nada, volta rapidamente no tempo, ri sozinho na fila do pedágio, conta no futuro, etc.
Cheguei em casa mais leve. Um copinho de uma excelente cachaça 
- eu precisava continuar neste estado de graça. E baseado no conceito da simplicidade dos sentimentos do qual fora vitimado, rapidamente transformei 4 ovos em uma simples e fofa omelete. Refoguei brócolis em pedaços minúsculos com um ótimo azeite e bastante alho, misturei-o com o arroz basmati que havia feito ontem e em minutos tinha um arroz verdinho e meia omelete em meu prato, acompanhado de uma cerveja gelada. Ouvia Blackbird na versão de Brad Mehldau. Eu não precisava de muito mais hoje. Já havia ganho o dia.
 (escrito em 18/09/2013)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

back to 80's

Domingo à noite, e eu transformando os restos de um bacalhau do almoço de sábado em uma torta para o jantar de segunda - puro Lavoisier. O fato é que detesto desperdícios, e descarto de minha cozinha apenas e essencialmente o que é para ser descartado. Aquela história de utilizar "somente a parte branca do alho-poró", por exemplo, não cola comigo. Então juntei palmito, cebolas, cenouras, aipo, batatas, pimentão, refoguei com azeite, acrescentei o bacalhau, fiz uma rápida massa podre e coloquei para pré-assar uma torta com bacalhau (não confundir com torta de bacalhau, se é que você me entende). Seria consumida na segunda, e realmente o foi. Ficou muito boa, mediterrânea e bastante calórica.
E, para variar, o play list de meu laptop - fiel companheiro nas noites de cozinha - me prega peças. Toca "Toda menina baiana" (veja AQUI) de Gilberto Gil, e minha mente - sem nenhum aditivo químico, diga-se de passagem - voltou imediatamente à primeira metade dos anos 1980, eu começando a conhecer meio que tardiamente a noite paulistana. Por questões particulares, decidi me empenhar nos estudos e trabalho muito cedo, para cedo ter minha independência financeira (se seu soubesse que anos depois estaria fazendo contas no final do mês tinha aproveitado mais...), e não tinha tempo nem grana para sair com frequência. E quando comecei a fazê-lo, o point (ainda se usa esta palavra?) era o OFF, um diminuto clube noturno no Itaim, frequentado pelos amigos e por gente legal. Um pequeno espaço no térreo de um prédio, muito charmoso e elegante (pelo que eu me lembro, claro...), dividido em duas partes - uma, a "pista" propriamente dita, um semi-círculo circundado por uma espécie de arquibancada cujo teto abobadado ostentava uma cascata de pingentes de acrílico, de belo efeito. Neste espaço dancei muito, assim como vi shows de gente "nova" como Emilio Santiago e outros emergentes da MPB. O outro lado era o bar propriamente dito, composto por um balcão com barmen atenciosos e mais uns sofazinhos e mesinhas, para a gente paquerar conversar facilmente. Neste lugar, criado por um grande agitador cultural - Celso Cury - passei noites paquerando, bebendo com amigos e ouvindo uma trilha sonora deliciosa - da qual a música citada fazia parte. E foi neste local que eu tive uma tardia paixão adolescente, um grego de nome Christos. Era bonito, alto, voz grave e fã de Nina Simone, mas eu nunca levei muita fé em Christos (não podia deixar passar este trocadilho infame...) apesar da confessa paixonite. E ele me apresentou a um restaurante da colônia aonde íamos com sua família quase todo final de semana, no triângulo entre o final da Artur de Azevedo e a Faria Lima. Entre quebras de pratos, doses cavalares e fatais de Ouzo e danças típicas como esta (demorei para pegar a "coreografia", mas depois entrei no ritmo)
tomei gosto pela culinária grega. Faço até hoje uma moussaka de categoria, viciei no iogurte grego que finalmente chegou por aqui, e meu tzatsiki pode remeter a tempos imemoriais -  mais ainda do que as noites no Off nos longínquos anos oitenta.
(em algum lugar já existe pronto - mas qual é a graça?)

Tzatzkiki
2 pepinos sem casca nem sementes
250 ml iogurte integral
1 punhado farto de endro (dill) bem picado
2 dentes de alho grandes
1 colher de café de suco de limão
azeite a gosto
sal 
pimenta do reino moída na hora
Picar os pepinos em cubinhos minúsculos. Deixar escorrendo por meia hora em uma peneira. 
A parte, misture o iogurte com o azeite, limão, a pimenta moída, o alho amassado e microscopicamente picado e o endro. Incorporar todos os ingredientes até que o molho fique homogêneo. Acrescentar os pepinos picados, colocar na geladeira em recipiente fechado por uma hora antes de servir. Servir com pão rústico ou pão sírio - pode ser utilizado como um excelente molho de salada de batatas ou acompanhando um filé de peixe grelhado, também.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

palavras - ou almoçando fora

Estava em Recife semana passada, em um bar à beira-mar. O mar a frente era uma faixa negra junto a um céu negro, quando comecei a escrever este post. A trilha sonora do lugar era absolutamente insólita - já havia tocado Janis Joplin em uma interpretação "samba" (como conseguiram?), uma versão também pandeiro e violão de um rock de Raul Seixas, um assassinato de I Feel Good com cuíca e cavaquinho e mais uma montanha de gente estranha em versões idem. Mas em minha cabeça ecoava uma frase de Alceu Valença, que diz "lembro o flamboyant vermelho no desmantelo da tarde...". Pode ser mais bonito? Chico Buarque é outro que me irrita, com o uso de palavras lindas e inusitadas em seus versos perfeitos. Ou meu deus particular, Gilberto Gil (...eu quisera ter tantos anos-luz quantos fosse precisar, para cruzar o túnel do tempo do seu olhar...), em suas imagens de inigualável teor poético. Um poeta, escritor ou compositor de fato tem que ter o domínio de sua língua, como estes mestres. E saber como e quando usar palavras como quebranto, centelha, colo, corsário, clarear, vagarosa, impoluto, retilínea, benzedeira, elegia - e mais um infinito universo de palavras belas. 
Uma semana depois, estou em casa na minha cozinha negra como aquele céu, mas com um sol brilhando lá fora. Ouvia Cole Porter e lembrei daquela situação - Cole é outro daqueles mestres em construir frases perfeitamente inusitadas ("...even lazy jellyfish do it...) ou imagens quase fotográficas ("only you beneath the moon or under the sun...") em suas músicas. Da mesma forma, alguns chefs dominam seu vocabulário - no caso os ingredientes - e constroem pratos fantásticos, originais, únicos. Admiro quem consegue utilizar barba de milho numa receita construindo um prato singular e perfeito, assim como Chico fez utilizando proparoxítonas para terminar todas as frases da linda Construção, de tal forma perfeitas que podem ser substituídas ao longo da letra sem prejuízo da poesia. Mas nem sempre precisamos de palavras complexas para construir frases lindas como esta,
 Carlos Drummond de Andrade
ou de ingredientes sofisticadíssimos e técnicas de cocção complexas para o prato perfeito. E hoje neste dia solar, repeti "de lembrança" uma receita de Chicken Salad que experimentara há muito, em Nova York, e ela ficou à altura da original, apesar de minhas liberdades com os ingredientes. Um Pinot Grigio gelado e o dia claro me inspiraram a levar o almoço para o terraço, levando o termo "almoçar fora" a uma literal interpretação.


Enquanto terminávamos o segundo prato - uma pasta com legumes grelhados,

ao fundo, Maverick Sabre 

derramava sua voz estranha em versos simples, palavras simples, e a tarde lentamente se deixa seduzir pelas cores da noite, exibindo um céu em tons de verde-malva, magenta,  carmesim e uma fina faixa azul-cerúleo. Um céu feito de belas palavras.
Chicken potato salad (para 2 pessoas)
meio peito de frango cozido e desfiado
200 gramas de batata bolinha
1 cebola grande
1 alho poró
8 azeitonas verdes picadas grosseiramente
1 punhado de salsinha picada
1 colher de sopa de coalhada seca
azeite a gosto
1 colher de sopa de raspas de limão
1 colher de chá de mostarda
1 colher de chá de suco de limão
Corte as batatas ao meio e cozinhe com casca, não deixando extremamente cozidas. Pique o alho poró em fatias finas, coloque num bowl e adicione as batatas cozidas ainda quentes. Enquanto isto, refogue a cebola em azeite até quase queimar. Misture a coalhada, o suco de limão, a mostarda, pimenta do reino moída e azeite. Adicione este molho às batatas, acrescente os ingredientes restantes, misture e sirva ainda ligeiramente morno.



terça-feira, 3 de setembro de 2013

ventanias

O vento sopra insistente, insistente demais para o meu gosto. Claro que eu podia ter optado por sentar na parte interna do restaurante, resguardada, mas decidi ficar na varanda, sentindo o cheiro da maresia e ansiando pelo surgimento da lua neste começo de noite escura. As palmeiras balançam sob esta ventania, e nenhuma estrela ainda apareceu no céu.
A caipirinha está muito bem feita. Cachaça local, um tantinho de açúcar, desce mais fácil do que deveria - o que pressupõe uma sequência, coisa que não estava em meus planos hoje.
Chegaram os pastéis - pequenos, delicados - de bacalhau. Acompanha uma desnecessária - porque mal executada - tapenade de azeitonas pretas. Pelo fato de ser uma receita simples (e que pessoalmente executo com imodesta maestria), me incomodo um pouco, mas não o suficiente para atrapalhar este lonely happy hour. Para os pastéis, um tico de pimenta faria uma brutal diferença, mas tem gente que gosta, tem gente que não gosta, portanto...

A lua, preguiçosa, ainda não deu sinal de sua presença. Ou será que ela apareceu e eu estou olhando para o lado errado? Nenhuma estrela no negro celeste, e o vento insiste em ser presença dominante. O vento é um macho alfa, concluo.
As pessoas à minha volta falam um pouco alto demais para o meu gosto, mas é característica local, vozes exacerbadas, cujo combustível são garrafas de whisky Red Label, fazendo desta capital a maior consumidora deste destilado no Brasil.
A segunda caipirinha chegou, e por sorte não está tão boa quanto a primeira O que me deixa tentado a experimentar uma terceira, para ver se foi sorte ou se o o barman é realmente talentoso. Essa minha predileção pelos números ímpares ainda vai me causar uma cirrose...
Mesclado aos sons da rua, uma deliciosa versão new something de de Ella Fitzgerald invade a varanda - aleluia, ligaram o som. Não sei quem remixou sua gravação de Angel Eyes, mas ficou...wow!
Uma menina, pobre figura, acompanhada de um gringo de visual decadente, ambos sentados à minha frente, se oferece acintosamente para mim. Triste figura, tristes trópicos...
Começa a tocar Everything But The Girl, uma música que me é especial.

Não vejo a hora de voltar para casa.