food, art & spirits

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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

brutalidades #2


Na mesa ao lado, no restaurante, o jovem tem uma postura peculiar em relação ao seu prato. Seu braço esquerdo está inteiramente sobre a mesa, protegendo o prato, e sua mão empunha (não segura não - empunha mesmo!) a faca pronto para defender aquele território de uma invasão bárbara - parecia que algum comensal vizinho ia pegar uma batatinha frita do prato alheio. Com a mão direita, ele leva avidamente a comida à boca, como se o imenso filé a parmegiana tivesse planejado com a montanha de batatinhas fritas "...-distraiam ele que eu saio correndo pela esquerda. Quando ele for olhar o que aconteceu, vocês fogem pela direita. E o arroz que se dane, são desunidos mesmo!"...
O celular do rapaz era de última geração - aliás, dava a impressão de que ainda seria lançado, tão novo e brilhante que era. Mas seus modos eram pré-históricos, de um tempo em que se caçava o almoço - ou se tornava o almoço de algum predador mais forte. 
...
Eu havia pedido um prosaico file de peixe com molho de camarões. E quando chegou, eu não podia cobrar uma correção da descrição do prato, pois era um filé de peixe com molho de camarões. Dois camarões, para ser mais exato. Chamei o garçon.
EU - Senhor, o prato que me trouxeram é fiel ao cardápio - filé de peixe com camarões. E tem um filé de peixe e dois camarões minúsculos aqui.
ELE -(garçon com cara de paisagem...)
EU - O Senhor percebe o conceito de minha reclamação?
ELE -(garçon com cara de paisagem...)
EU - Não acha enganoso oferecer molho de camarões e trazer DOIS camarões?
ELE- Ah, moço, está na moda estas porções bem pequenininhas...
EU- Meu senhor, a coisa pequena aqui é sua má vontade (e o cérebro, quase disse...) ao lado desta montanha de arroz, que eu pedi que não viesse por sinal.
ELE - Ah, então o senhor está no lucro! Pediu para não vir o arroz e veio...

Novamente os ímpetos homicidas...acho que vou fazer uma dieta longa e radical.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

brutalidades

Fiz um delicioso e forte aioli ontem, para comer com pão - estes dois para acompanhar um caldo de músculo fortíssimo que havia feito no domingo.(Teoricamente o músculo seria uma salada, mas cozinhei demais, então tivemos sopa ontem, e hoje salada de músculo - proteína mode on...)E fiquei pensando nas qualidades de uma culinária masculina, heavy metal. No potencial vigoroso de uma rabada com agrião, na substância de um prato de polenta com ragu - mas não de sua versão emasculada, apresentando uma colherada de polenta sobre um rabisco vermelho de ragu! Falo de um prato generoso, fundo, onde uma polenta amarelo forte recebe outra generosa porção de molho vermelho-escuro, mais um punhado de parmesão ralado ou - melhor ainda - de ricota defumada, acompanhando um bom vinho da região do Douro, de cor e sabor intensos. Dias antes havia comprado um bom pedaço de baby beef, que selei rapidamente numa panela muito quente com um fio de azeite, e depois de polvilhar sal e pimenta do reino, mandei ao forno por alguns minutos - e de lá saiu uma carne suculenta, cortada na tábua de madeira, escorrendo a  quantidade certa de sangue quando cortada. Junto uma salada de rúcula temperada com limão, azeite e sal, sobre a qual repousava um ovo quente, de onde escorreu de seu interior uma gema mole e quente de  forma lasciva, quase obscena. Um prato simples, rápido, sem frescuras, masculino em todos os sentidos. De repente percebi que minha culinária estava com excesso de testosterona - tudo que havia feito nos últimos dias tinha o componente da brutalidade - sangue, porções fartas, pimenta, calorias...
Tive uma recaída com a sobremesa, retirada do La Cucinetta, um site que sempre frequento. E a recaída veio em forma de conceito, produto e cor, como vocês podem confirmar na foto abaixo. E anda fiz uma versão "light" da receita original. Ou seja: recaí feio...


Receita?  Confiram AQUI



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

slow slow food

A mulher e o buffet


À minha frente, na fila do buffet, prato na mão esquerda, a mulher
- pega um ovo de codorna
- um tomate cereja
- mais um ovo de codorna
- um canapé de salmão
- uma fatia de carpaccio
- mais um canapé de salmão
- um mini-milho
Pensa...
- uma fatia de salmão defumado
- um blini
- um tiquinho de creme azedo
- mais um blini
- mais um tiquinho de creme azedo
- mais uma fatia de salmão defumado
Pensa...
- duas folhinhas de rúcula
- dois camarões cozidos
- mais uma folhinha de rúcula
- mais um tiquinho de creme azedo
- um tiquinho de molho rosé
- uma azeitona preta
- mais uma azeitona preta
- um aspargo
Pensa...olha para o prato...pensa novamente, olha para a mesa do buffet, olha para o prato, volta os olhos para a mesa do buffet, pensa...
- pega mais uma azeitona preta e vai embora. 17 minutos cravados para isto.
Tenho ímpetos homicidas.



terça-feira, 7 de janeiro de 2014

i´m hot

Não se assustem com a pretensão do título do post. Eu não quis dizer "eu sou", e sim "eu estou" - E NO SENTIDO FIGURADO, please!! É que estou numa fase apimentada. Colocando pimenta em tudo, sentindo um prazer em perceber a diferença dos sabores das pimentas, não apenas sua ardência, a surpresa. 
(na foto acima, a surpresa quase veio depois da terceira vodka - eu ia colocando a vodka na comida e engolindo a pimenta...)
Na verdade, a pimenta é a surpresa da comida. Se está muito salgado, você sente na hora - a mesma coisa o contrário. Mas a pimenta se apresenta timidamente, e depois pode ou mostrar a que veio de forma elegante porém definitiva, ou então arrebentar a boca do balão mesmo, irrompendo em ardidos e calores, provocando lágrimas. Eu fui aprendendo a gostar de pimenta aos poucos - ainda não sou completamente afeito às ardências (para mim exageradas) de alguns pratos mexicanos, bem como o Kimchi ainda me provoca reações adversas - quero provar, mas literalmente não aguento (além de achar meio feio). E eu não sou o único - machões empertigados podem se ver subitamente minimizados perante ao poder desta iguaria, como vocês podem ver abaixo com Wolverine himself,  Sr. Hugh Jackman (na ótima série The Kimchi Chronicles, de Jean Georges Vongerichten e sua esposa).


Mas estou levando a sério esta história de pimenta, começando a fazer as minhas próprias conservas, já plantei um pé de pimenta dedo-de-moça no jardim, estou revendo minhas relações com o chilli, comprei um pote generoso de gojuchang - a pasta coreana de pimenta vermelha, estou esperando chegar uma parente dela - toban djan, esta chinesa, e esta ardência já está pegando até nos meus sucos matinais, sob a forma de largos pedaços de gengibre batidos junto com frutas diversas. E eu desenvolvi minha própria receita de suco de tomate temperado, inspirado por minha comadre C. que adora este drink não alcóolico. Minha versão é domesticada na medida, mas os mais audazes podem caprichar nos temperos. E vou conseguir escapar ao lugar comum de "pimenta no dos outros é refresco", pois acho que pimenta é igual juízo - use na medida de sua vontade. E prazer, claro.


Suco de tomate temperado
1 colher de sobremesa de sal
1 pimenta dedo de moça 
1 dose de suco de tomate
suco de meio limão
várias gotas de tabasco
algumas gotas de molho inglês
peperoncini seco moído
uma pitada de sal Maldon

Macere a pimenta dedo de moça sem as sementes (para tirar um pouco da ardência) com o sal, reserve.
Misture todos os ingredientes numa coqueteleira com muitos cubos de gelo e mexa (Stirred, not shaken!) até gelar bastante o suco. Molhe a borda de um copo com um tiquinho de limão e passe no sal macerado. Coloque uma pedra  (ou duas, dependendo do tamanho do copo) de gelo  e derrame lentamente o suco coado, colocando um talo de aipo. Coragem, é muito bom.