food, art & spirits

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domingo, 27 de novembro de 2011

nunca mais a delicadeza


Algumas pessoas vêem ao mundo para criar situações, mover planos, ensinar, arregimentar pessoas, aglutinar. Destas pessoas que o mundo deveria ser feito. De pessoas cultas, generosas, abertas, sem dogmas invencíveis, pessoas que conquistam sem usar do poder, que afetam positivamente os outros à sua volta. Pessoas que ressaltam a diferença entre o bom e o ótimo, que desafiam as normas vigentes para criar um novo caminho, uma nova estética, um novo espaço. Pessoas que crêem na palavra ética, e que praticam-na na totalidade.
Pessoas com frases espirituosas e inteligentes, com repertório abrangente, com a generosidade característica de pessoas realmente cultas - não tolero o conhecimento associado à atos negativos -, pessoas que gostam da vida e que aproveitam-na. Pessoas que levam a vida na delicadeza , na grandeza. Pessoas originais, únicas, cujos atos podem desafiar algumas vezes a lógica mas que mesmo assim -e talvez por isto - sejam atos grandes, geniais, mas que não tomam para si o crédito, por saberem que tudo está ligado, misteriosamente conectado.
Infelizmente, estas pessoas quando desaparecem deixam um vácuo, impossível de ser preenchido. Estas pessoas são como imensas estrelas que, quando desaparecem, deixam buracos negros, mas ao contrário destes, não sugam para sua infinitude o que está à sua volta. Paradoxalmente deixam um legado tão vasto que, de tão vasto e soberano, cria novas estrelas, constelações, nem que seja daqueles que viveram à sua volta, tal como planetas satélites destinados a confirmar a presença histórica de algo que não está mais fisicamente onde deveria estar - caso houvesse, na incensada concepção de justiça divina, um pouco mais de justiça e de divindade.
para m.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

s u t i l

                  
Sutilezas, sutilezas - a cada dia fico mais apaixonado pela voz e som de Patrick Watson, a antítese do som atual - com rappers pregando o desvalor das mulheres e o valor das marcas, com meninas precocemente sexualizadas, com a exarcebação do vulgar. Gosto de R&B, algumas coisas de Hip Hop - aliás, musicalmente, sou praticamente bipolar. Em meu play-list convivem Satie e Sharon Jones, Bach e Adele, Maxwell e Elis, não tenho preconceitos a não ser com o medíocre. Talvez por isto a voz pequena e os arranjos precisos, mais composições elaboradas, me prenderam ao som deste jovem músico. Foi a mesmo princípio que me fez pesquisar cada vez mais sobre o trabalho dos Mast Brothers e sua Mast Brothers Chocolate - American Craft Chocolate - veja neste belo VÍDEO. Embalagens retrô, foscas, lindamente discretas - o oposto da estética do marketing de produtos atual, baseada no binômio brilho&exagero. O look dos irmãos Rick e Michael também intriga, como se saídos de um catálogo de moda mesclando Amish com ...Gant.
Cenas de sua fábrica, uma mescla de geringonças, sacos de estopa e paredes de tijolos nus com pitadas de tecnologia indispensável também me atraíram, assim como a opção de usar praticamente cacau oriundo de pequenos produtores orgânicos de Madagascar, República Dominicana e Venezuela (como você pode ver aqui http://vimeo.com/3 ).
E na sequência de vídeos Made by Hand, disponíveis no Vimeo, a versão ao vivo de Hatoori Hanzo, que fazia as adagas do filme Kill Bill - o artesão Joel Bukiewicz, autor de facas (coincidentemente no Brooklin, como os irmãos acima) lindas, desejáveis, também destila integridade em seu ofício - vide vídeo AQUI.
Em comum entre os três, um princípio nem um pouco conceitual - a soma de ética + estética + sutileza. Uma estética de silêncios, não de gente barulhenta gritando no celular ao seu lado. Um cenário de beleza calma, não de excessos, de pratos exageradamente desenhados beirando ao kitsh, de truques visuais baseados em gesso e purpurina. Um discurso econômico, mas pleno de interpretações, e não raso como os tweets que inundam tanto a rede quanto outras mídias. 
Estou rabugento, envelheci? Prefiro pensar que cresci, continuo aprendendo e apontando quando o rei está nu - como uma criança.

sábado, 5 de novembro de 2011

o mistério do pf perfeito


Cedi à tentação de ilustrar este post com uma foto do George Clooney fardado, para evitar trocadilhos com o título - muito embora ele se encaixasse perfeitamente in every senses. Mas eu quero é falar do tradicional PF, prato feito, que geralmente por ser de preço mais acessível, é bastante apreciado e consumido em restaurantes e bares (as vezes suspeitos). Mas este prato, aparentemente simples, tem um segredo para aqueles que querem comer bem, e não apenas comer muito. Fora as questões básicas de qualidade da comida, inerentes à qualquer culinária, o sucesso de um PF para mim está nas proporções.
Explico...
Pense num PF básico, um picadinho. Com arroz, feijão, farofa, couve e bananinha (e as vezes um ovo pochê para arrematar). Em alguns lugares ele vem em proporções absolutamente erradas - uma montanha de arroz, uma montanha de picadinho, um tiquinho de feijão, meio tiquinho de farofa - complica tudo! Você quer um pouquinho mais de feijão, e cadê? - fica aquele arroz pedindo um caldinho, e nada. Um pouquinho mais de farofa, que você fica raspando no prato, em claro desrespeito às normas da elegância. Você começa comendo um prato completo, e termina comendo arroz com carne, em suma. Eu gosto de ter um prato completo do começo ao fim. Não, não estou pregando a quantidade, que as vezes é exagerada. E obviamente não estou falando do PF do bar da esquina, mas sim de restaurantes que, se não estão no toplist dos conhecedores, ao menos fazem seu trabalho direitinho.
No começo da semana eu estava pensando nisto, enquanto me encaminhava para o almoço. Qual seria a minha proporção adequada de um PF que contenha proteínas, algum carboidrato, legumes e uma farinha para dar um terroir (vide post anterior para entender esta frase, please.)? Cheguei à seguinte conclusão, quando passei em frente ao restaurante AMSTERDAM, bem próximo à minha loja. O cardápio do dia exibia 3 pratos (fora o menu habitual) - risotto de frutos do mar, frango com couscous marroquino e picadinho com aipim. Parei o carro imediatamente, mudando meu roteiro e fui conferir se minhas idéias quanto às proporções do PF estavam certas.
Em primeiro lugar, este restaurante não é badalado (do ponto de vista gastronômico), mas faz uma culinária muito caprichada, tudo muito bem temperado, com ótimos pratos do dia. Aos sábados é uma festa, impossível de conseguir um lugar sem esperar. O serviço é atencioso, os donos simpaticíssimos, e ao sentar já tinha meu pedido feito. Enquanto recusava o couvert (a cintura não permite couvert e PF...), tentei fazer um gráfico/fórmula da perfeição matemática deste prato (em um smartphone, o que para mim seria um feito), mas eis que chega o prato, que não deu nem tempo de fotografar, pois eu estava morto de fome. Este consistia em uma porção generosa  de arroz, uma cumbuquinha de feijão muito bem feito, uma porção de tamanho preciso de um picadinho de filé com cubos macios de mandioca sob um molho que denotava a tempo e paciência, um montinho de farofa (um pouquinho maior do que o necessário para o perfeito equilíbrio das proporções por mim apregoadas) amarelinha muito bem temperada, uma salada de tomates com cebolas curtidas no azeite - adoro cebolas, mesmo no almoço... tudo perfeito, saboroso, sem exageros. Tinha espaços em branco no prato, para não ficar aquele tumulto, aquela confusão. Embora tenha sobrado um pouco de quase tudo , exceto as cebolas, foi fruto de meu recem adquirido auto-controle, que não sei quanto tempo vai durar. O mesmo auto-controle praticado no dia seguinte no TAVARES, simpático restaurante na Rua da Consolação, bom para um almoço em dia de sol. Eu estava meio irritado - para variar, acho que vou incluir definitivamente este traço em minha personalidade - e queria comer num lugar mais calmo, ainda próximo ao trabalho, e que não provocasse um rombo em meu orçamento. Novamente fui de um "PF du Jour" - um franguinho de leite assado, acompanhado de salada de pupunha e tomates, e abóbora assada com queijo de cabra. Não podia ter pedido melhor - a carne estava tenra, a salada muito bem temperada e a abóbora impecável, surpreendente. A porção era generosa, mas não exagerada.  E segundo o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, "o exagero é sempre a exageração de algo que não o é."  
Minha alma barroca vai pedir divórcio depois disto...