food, art & spirits

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quarta-feira, 31 de julho de 2013

da coragem e outras virtudes

Bem, é preciso ter coragem para fazer algo já feito por outrem, sem incorrer no risco da comparação com saldo negativo. E no universo vigente das releituras - como se estas conseguissem o fôlego da criação original - as vezes o caminho toma liberdades desnecessárias.
Lincoln, o caçador de vampiros, é uma daquelas bobagens "da moda" - misturar clássicos da literatura com algo absolutamente trash. O resultado também é outra bobagem.


A über-famosa Monalisa de Leonardo da Vinci, bem como a cena da criação do Universo de Michelângelo Buonarroti, já renderam versões divertidas e/ou pretensiosas.



E falando em pretensioso, minha crítica recorrente - transformar algo perfeito numa "coisa" geralmente cafona, como o intitulado "mago da cozinha" (ô título brega!) fez com o pato no tucupi, um dos pratos mais particulares da culinária brasileira, como pode ser visto - se você tiver paciência e estômago - AQUI

Mas eu criei coragem, e fiz uma receita de uma "guru" particular, a Patricia Scarpin do delicioso TECHNICOLOR KITCHEN - brownies de chocolate ao leite. Ficaram perfeitos, e eu ainda ousei colocar nesta receita perfeita um elemento particular, um restinho
de pecãs que tinha no fundo do armário aguardando um fim mais nobre do que o envelhecimento inútil. Sinto, não tenho fotos pois os brownies tiveram saída súbita. Mas segue a foto do original, para abrir o apetite e a curiosidade deste blog de receitas e textos deliciosos.

Mas ainda me falta a coragem de assumir uma empreitada - copiar o cuscuz de camarões que minha mãe fazia. Era tão perfeito em sua textura e sabores, apimentado na medida certa, nem seco nem muito molhado, bom de tal forma que eu abria a geladeira e, se me deparasse com uma (raríssima) sobra dele, tirava largas fatias  e comia gelado mesmo, inclusive em horas impróprias como de madrugada ou antes do café da manhã. Ela não tinha medidas exatas para este prato, portanto a receita me foi legada na forma da lembrança, dos momentos em que eventualmente ajudava ela na mistura das farinhas de milho e de mandioca, ou na decoração da forma, ou experimentando várias vezes antes do término afim de acertar o sal e a pimenta.
Vou encarar este projeto no próximo final de semana, já com a certeza de não alcançar o resultado esperado. Pois sempre falta alguma coisa para matar cem por cento a saudade.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

the meaning

Outro dia, em casa de comadre, vendo uns videos de Viktor Frankl, que tenta explicar, de forma empírica, o "sentido do sofrimento". Em uma frase lapidar, explica uma equação :

Desespero = [Sofrimento - Significado]

Busca colocar em situações de perdas ou privações um sentido que explique este momento. Fui para casa de cabeça cheia, embora não consiga enxergar de forma intelectualmente aceitável um sentido para algumas perdas dolorosas em  minha vida. Mas comecei a pensar no significado de muitas coisas, depois de acessar vários vídeos e pesquisar uma infinidade de textos deste psiquiatra austríaco, fundador da escola da Logoterapia.
Pausa...
Um doce explicado pela chef na televisão, em um reality show de gastronomia. Nome do prato - trio de morangos em 3 estados (líquido, sólido e ...?). Uma mousse de morangos envolta em um canudo de chocolate branco, cercada por morangos escaldados em cítricos, enfeitada com uns brotos de agrião repousa sobre uma fumegante poça vermelho-sangue feita com morangos e nitrogênio.  A intenção - segundo a autora - era fazer uma sobremesa com cara de prato principal (um canelone...) utilizando o morango em 3 versões. Qual o significado disto?
Mais um doce - uma "torta desconstruída" - na verdade, uma pincelada grossa de uma calda amarelo-limão sobre uma placa de porcelana branca; sobre esta calda, pedaços esfarelados da massa. Pedacinhos de manga e outra fruta amarela (acho que era carambola, mas estava tão pequenininho que não saquei o que era), mais uns pingos da polpa de um maracujá enfeiavam  enfeitavam o - vá lá, prato -  sob o olhar complacente de seu autor. Procurei o significado desta bagunça visual, e não entendi.
Um prato salgado, para variar - um cubo perfeito de carne suína de aproximadamente 1" x 1" (sim, 2,54 cm) repousava sobre mais uma pincelada de uma redução de porto, ameixa e caldo de pato, encimado por mais uns brotos de agrião (sobraram da receita da outra sobremesa?) e cercado por cubinhos minúsculos de nabo, cenoura e trufas -  a trufa cortada em cubos foi estranho de ver - e outros cubinhos igualmente microscópicos de uma gelatina feita da redução do caldo. Era um prato cubista, de tanto cubinho...(infame, eu sei...). Tempo de preparação do prato, em torno de 26 horas - para ser deglutido em poucos segundos, face à sua condição diminuta. Novamente pensando no significado deste prato trabalhoso e ligeiramente cafona...
De repente, uma prosaica sopa de beterraba feita da mesma maneira que eu faço - com a beterraba assada no forno lento, envolta em papel alumínio - foi servida sem muitos enfeites, a não ser um rabisco branco de creme azedo e um verde de um óleo reforçado de alguma erva - fez-se soberana, pois todos os comensais foram unânimes em dizer que era um prato perfeito, sutil porém rico em sabores e aromas, com cocção  e temperatura perfeitas. Foi o prato mais elogiado de uma longa sequência de degustação, em delicioso paradoxo. Significa?

sábado, 13 de julho de 2013

a grande abóbora

Meu querido amigo Allex C.me fez um convite - fazer uma produção para uma foto no próximo número da revista na qual é editor, e cujo número enfocava o tema comida. Ele tinha gostado especialmente de uma parede do GabineteD, e meu trabalho seria fazer nesta parede um cenário para a abertura do tema nesta veículo (que não vou dizer o nome agora, só quando sair ok?).
Minha idéia original - uma "instalação" feita de uma verdadeira montanha de pães - se mostrou ineficaz, pois não tinha contraste nas cores. A parede era cinza, o piso também, e o teste que fiz com os pães ficou muito sem graça. Isto posto, corri ao mercado em busca de inspiração - já pensando em comprar frutas, fazer uma coisa meio tropical. No meio do caminho, pensei em usar tomates no cenário, mas como eles estavam muito em evidência no passado recente em virtude de seu preço alto, resolvi procurar outra coisa. E deparei-me com umas morangas lindas, de vários tamanhos. Comprei todo o estoque (mesmo porque o preço era convidativo - R$ 0,98 o quilo!), ou seja - quase 70 quilos de abóbora...
(Não vou postar a foto aqui agora - somente depois que sair na revista. Mas segue um pedacinho dela...)
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Senti-me como Linus em meio a uma plantação de abóboras pré-halloween, esperando "A Grande Abóbora" (para quem não sabe do que estou falando, ver AQUI)
Mas sobrou um problema...o que fazer com toda esta abóbora?
A noite ontem estava fria. Uma sopa de abóbora com roquefort caiu muito bem. Vou procurar uma receita de pumpkim cheese cake, e me aventurar nestes mistérios. 

Enquanto escrevo isto, sob os efeitos de um excelente Chianti que abri para acompanhar a sopa ,
um panelão na cozinha está em pleno processo de transformar cubos de abóbora, açúcar e paus de canela em um doce tipicamente brasileiro.  Uma lasanha de abóbora (com fatias desta no lugar da massa - no carbs!) está prevista para o decorrer da semana. Camarão na moranga também. Risoto de Zucca (já postado AQUI) também está na fila. Alguém mais tem receitas com esta hortaliça?
Ou será que corro o risco de desenvolver uma intolerância à abóbora...?

Sopa de abóbora com roquefort
01 quilo de abóbora (no caso, moranga) cortada em cubos
01 alho poró cortado em fatias finas
03 colheres de sopa de óleo de avelãs
01 colher de sopa de azeite de oliva virgem
1,5 litro de caldo de legumes
150 gramas de roquefort ralado grosseiramente

Refogue o alho poró na mistura do azeite com o óleo. Acrescente a abóbora picada, refogue até ela tomar uma cor mais intensa. acrescente o caldo de legumes e cozinhe por aproximadamente 30/40 minutos, até que a abóbora esteja desmanchando. Retire do fogo, bata no liquidificador e volte ao fogo. Cuidado com o sal, pois o queijo já é bastante forte. Acrescente pimenta do reino branca a gosto, coloque o roquefort ralado, mexa rapidamente e sirva imediatamente com um fio de creme azedo. Gosto de colocar avelãs picadas e tostadas em cima, mas não tinha - então foi uma salsinha...e se isto não é uma rima, pelo menos foi uma solução.






quinta-feira, 4 de julho de 2013

singing&drinking&thinking

Mania de cozinhar à noite. Talvez por isso a maioria das minhas fotos não seja solar, tendo todas como fundo o mármore e a cerâmica de minha cozinha, ambos negros. E não concebo estes momentos sem bebida. E sem música. E tenho uma longa sequência de drinks - que invariavelmente estão ligados ao cardápio a ser executado, ou então influenciados pelo som que sai alto de meu laptop ou Ipad, para provável desespero de meus vizinhos. 
Noites atrás, rhum & coke & Roberto Fonseca, grande (em todos os sentidos) pianista cubano. Exagerado, latino, exagerado mesmo - e eu exagerei na mistura de rhum cubano com coca cola (não diet, o que é pior) e limão. Comecei fazendo uma lasanha de abóbora, para evitar o carboidrato - mas não lembro o que terminei fazendo, tamanho o teor etílico. Mais um pouco de cubanidade e começava a gostar de Fidel... 

As vezes invento de fazer receitas bem complicadas para o adiantado da noite - tais como um ragu de peito bovino. Meus acompanhantes nesta lida foram duas garrafas doses do ótimo Meia Pipa, vinho de excepcional qualidade da veneranda casa Quinta da Bacalhôa. De sabor pungente e aroma expressivo, acompanhava um naco expressivo de parmigiano e imensas e ligeiramente amargas azeitonas gregas. Quem me acompanhava nesta solitária orgia eram, além de Leopoldo, fiel escudeiro -  meu ídolo David Bowie (GOD SAVE THE KING!). Uma mistura perfeita - e inebriante. Em todos os sentidos, pois as 3:30 da matina fui dormir com os sentidos totalmente ligeiramente embotados pelo excesso de vinho e trabalho. 

Numa noite quente, gin tônica ajudava a adiantar o jantar do dia seguinte, para 35/40 pessoas em minha casa. Cardápio pronto -  e como prato principal o boeuf bourguignon com farofa de milho verde já alertava para o caráter desprovido de preconceitos de meu menu, misturando um clássico francês com o básico afro-brasileiro. E a mistura das vozes e dos sotaques de Jorge Drexler e Suzana Félix reforçava esta falta de fronteiras. (Fora o fato de que eu adoro este vídeo...)
 
Chego em casa e uma caixa com um presente de meu compadre me animou: algumas garrafas de Murphy´s Irish Red Beer, ótimas de tal forma que me fizeram incluir esta cerveja no recheio da Shepherd´s Pie - e garanto que a carne ficou fantástica com este adendo. Claro que meu julgamento estava ligeiramente influenciado pelo teor alcóolico da noite, mas garanto que este elemento adicionou um sabor especial, assim como a voz  e o ritmo de Roland Gift emprestam sabor a qualquer gravação. E Funny How Love Is me traz lembranças de noites memoráveis, intensas como a cerveja que eu tomava.


E, numa noite abafada de pré-inverno, e preguiça da boa, uma prosaica caipirinha de abacaxi para começar o jantar me forneceu ingredientes para uma sobremesa antiga, que minha tia fazia sempre - um doce de abacaxi com creme inglês e suspiro por cima. Esse prato me trouxe lembranças de um tempo em que passava as noites com meu primo, ouvindo o novo LP (para aqueles que não sabem o que é um LP - é o pai do CD, e tocava música dos dois lados...) do Milton Nascimento ou do Pat Metheny, entre copos de cerveja ou vinho pouco respeitável e uma infinidade de bobagens sendo ingeridas e/ou ditas. Por melhor que estivesse o drink, a noite terminou com um retrogosto amargo, causado pela lembrança de alguém querido que não mais está por aqui. 


As vezes a cozinha fica apenas de cenário, quando bate uma vontade de ficar em casa sem compromisso, sem ligar para ninguém, nem se conectar com nada - apenas bebendo algo suave como uma cava rosé, e ouvindo algo igualmente suave como a voz de Matthew Santos.
 
(Será que a ciência vai conseguir desenvolver um fígado auto-limpante? Acho que estou precisando...)