food, art & spirits

food, art & spirits

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

bicho não paga mico

Almoçando num restaurante japonês ao lado da loja, sozinho, peço uma cerveja para matar o calor tórrido que transforma São Paulo numa filial do último círculo do Inferno. E ao meu lado, em seguida, senta-se um casal - aliás, um par. Um homem pouco mais velho do que eu, aproximadamente 55/60 anos, e uma menina que, se não era menor de idade (atualmente fica difícil constatar se alguém é menor de idade ou não) tinha no máximo 20 anos - um terço da idade de seu acompanhante.
Adianto - eu não estava no Jun Sakamoto ou no Nagayama (infelizmente...) nem algo parecido, era um prosaico restaurante que serve um "festival de sushi"ou pratos executivos corretos, sob o comando de Da. Elza, sempre atenta aos clientes que a conhecem pelo nome e desfrutam de sua simpatia. Pois neste restaurante, meu vizinho de mesa pergunta para sua acompanhante se ela aceita um vinho para acompanhar o almoço...ela responde que prefere uma Diet Coke. 
Neste ponto meu xeretômetro ligou no máximo...péssimo hábito, sei. Mas se eu fosse um novelista, teria cenas de restaurantes ótimas para reproduzir na telinha. 

E a partir daí a constatação de que o que difere o homem dos animais não é sua capacidade de raciocinio, observação, compreensão, etc. O que nos difere é nossa capacidade de sermos patéticos.
A menina estava ali apenas para comer uns sushizinhos, tomar sua Diet Coke e ouvir meia hora de algum assunto que ela fingiria interesse mas não estava nem um pouco afim de adicionar ao seu arquivo pessoal. Ele estava lá para seduzi-la da pior forma possível - esbanjando sua história, cultura, conhecimentos e congêneres, tentando compensar a falta de idade dela com o excesso de bagagem dele. E tome citações desnecessárias (e incompreensíveis para ela), referências geográficas, paternalismo ("...você é sensível, vai adorar Paris..."), um enredo que culminou quando ele, tentando parecer local, disse à garçonete : "não quero executivo nem festival, quero a la carte" e, ao receber o cardápio, teve que pegar os óculos para vista cansada...tentou disfarçar, esticou o braço ao máximo, forçou os olhos mas teve que ceder ao peso da idade, e retirou de sua mochila um daqueles óculos que vendem nas farmácias. Lembrei-me imediatamente de uma campanha publicitária veiculada algum tempo atrás (vide video AQUI ) ,
veio-me à memória as cenas do clássico Morte em Veneza (com o compositor apaixonado pelo efebo Tadzio e suas inefáveis consequências)

e mais não lembrei porque comecei a sentir a síndrome da vergonha alheia se manifestando, terminei meu temaki e meu misoshiro rapidamente e me fui. Não sem antes perceber a cara de enfado da menina, que nitidamente preferia estar conversando com alguém via Facebook ou tweetando algo, no lugar de ouvir as peripécias de seu acompanhante
Saí de lá lembrando de uma frase - acho que da Mafalda (a personagem de Quino), que falava algo parecido como "nessas horas eu percebo que o gênero humano tem mais de gênero do que de humano..." 
Definitivamente, bicho não paga este tipo de mico.

domingo, 25 de novembro de 2012

novaiorquinas

Voltei semana passada à New York, a trabalho. Graças à falta de habilidade da American Airlines, cheguei com um dia de atraso - o vôo (AA950 de 11/11/2012) foi cancelado depois de quase quatro horas parados e presos dentro do avião - pois quando conseguiram consertar o defeito da aeronave, tiveram que lidar com questões burocráticas - na verdade, as horas de trabalho da tripulação "estourariam" depois desta espera, impossibilitando a decolagem. 
Por causa deste atraso, todo minha agenda naquela cidade ficou atrasada. E não deu para fazer nada que nós queriamos, a não ser trabalhar e trabalhar e chegar mortinho no hotel para sair no dia seguinte para trabalhar. Mas sempre dá para dar uma esticadinha aqui ou ali. Por questões práticas, fomos almoçar no ABC Kitchen, de Jean-Georges Vongerichten (confesso que dei a dica de encontrarmos um móvel lá apenas por causa do restaurante - mas fui sutil, ninguém percebeu...). Lugar legal, de preço justo, comida simples e geralmente muito bem executada, gente bonita, ou seja - o pacote completo.
Ao nosso lado, uma bancada ostentava legumes orgânicos dispostos de tal forma que parecia uma natureza-morta clássica. Não resisti e comecei a fotografar, pagando o mico mesmo.

Chegou a habitual água cheia de gelo, uma travessinha de madeira com pães quentinhos, azeite e sal. Couvert básico, mas com o diferencial - tudo muito bom, simples e bom.


Eu queria uma coisinha leve mas quentinha, pois tinha jantado no próprio hotel no dia anterior - um prosaico e imenso Turkey Club Sandwich. E vi no cardápio o prato que me deixaria feliz - uma massa simples, recheada de ricota com molho de tomates. Tudo orgânico, como ressaltava o cardápio. E o prato era uma beleza de simplicidade e sabor - a massa cozida à perfeição, o molho suave e ligeiramente apimentado, o grana padano ralado era de excelente procedência, tudo o que eu precisava naquele momento. E a apresentação sem rabiscos ou desenhos desnecessários.
Mas a esta altura eu já estava disposto a aumentar a minha circunferência abdominal, pois tinha lido no cardápio algo que tinha me aguçado os sentidos - um Salted Caramel Ice-Cream with Candied Peanuts & Popcorn. Só não comi a massa mais rapidamente para chegar à sobremesa mais cedo, pois o prato estava realmente muito bom - e por apenas U$ 23. Mas aí...chegou a sobremesa.

A textura do sorvete era indescritível. Parecia uma bola de caramelo gelado, com uma pontinha de sal ao fundo, e eu que adoro sorvete juro que nunca provei um com esta textura - não se sentia o "gelado" típico, nem se percebia a gordura do mesmo. As pipocas eram caramelizadas, e uma calda de chocolate meio amargo arrematava o conjunto (eu achei desnecessário, mas ninguém da mesa concordou comigo). Quase peço outro prato igual, o que me faria subir até o topo do Flatiron Building a pé para queimar as calorias desta sobremesa.

Esta é uma cidade que eu e o Eduardo adoramos - e desta vez não deu para aproveitar tanto como de costume, mas - what the hell, 
we´ll always have Paris... 

sábado, 10 de novembro de 2012

química - ou "it´s going to be a bumpy night"


Química é uma ciência baseada na instabilidade. Uma gotinha a menos disto aqui, um segundo a mais do tempo previsto ou a mínima variação de temperatura e KABOOOOOM! Explosão na certa.
E a química para uma reunião perfeita é ainda mais difícil de ser controlada : alguém fala uma bobagem inocente mas de repercussão imprevisível (como no vídeo de All About Eve acima, em uma das mais clássicas frases do cinema), bebida quente e/ou faltando, qualquer deslize pode transformar a idéia de uma noitada perfeita em um remake de "Nightmare in Elm Street". 
Esta semana fomos convidados para um jantar informal na casa de dois amigos recentes mas especiais - Sr. N e Sr. O. Questionando sobre se era um jantar sentado, ouvimos a resposta de que seria informalíssimo, onde um amigo deles faria uma massa, coisa de se conversar na cozinha - ou seja, tudo o que gosto.
Chegamos e a casa estava arrumadíssima, já cheia de enfeites natalinos e uma imponente árvore de Natal parecia estar recepcionando os convidados. Fui direto para a cozinha, onde um italiano (o tal do amigo) preparava bruschettas deliciosas servidas por sua visivelmente apaixonada namorada brasileira. Um excelente vinho tinto, cuja marca me esqueci, me foi servido imediatamente, tendo ao fundo a voz de Piaf.
Chegaram mais dois casais - éramos onze ao todo - e a bebida rolando, o papo solto e informal, novas amizades sendo feitas, os anfitriões super à vontade porém atentos a tudo, e na hora certa uma massa perfeita e original, com pedaços minúsculos de linguiça, funghi porcini e trufas negras. 
(Olha a cara do prato, aliás, numa belíssima porcelana...)
Não me fiz de rogado e ainda aceitei um repeteco, pois o prato estava delicioso - deixar o convidado tão à vontade a ponto de repetir o prato é uma ciência delicada, conduzida neste caso com maestria e muita simpatia. Seguiu uma sobremesa ótima, e quando perguntamos a um dos donos da casa quem tinha feito, ele respondeu de pronto - "não tenho idéia, eu só fiz o cheque...", arrancando risadas dos presentes frente à sua desconcertada franqueza.
Voltamos para casa alimentados de corpo e espírito, lembrando de uma outra reunião na casa de conhecidos, onde o excesso de pompa e circunstâncias transformou o tempo numa unidade incomensurável, pois a noite não passava...os minutos eram décadas, e os silêncios constrangedores. Eu mesmo já errei a mão em algumas reuniões em casa, onde a pretensão de querer ser perfeito resultou numa química errada.
Mário Quintana disse certa vez a respeito de reuniões sociais que "...o excesso de gente me impede de ver pessoas." Concordo com ele.

sábado, 3 de novembro de 2012

a memória e o gosto


Meu pai era o que comumente se chamava de "bom de garfo". E gostava de ir sempre nos mesmos restaurantes, pedir praticamente os mesmos pratos, pois detestava a margem para o erro (eu realmente nasci seu oposto também nisto...). As vezes se aventurava na cozinha, fazendo algumas coisas que não davam muito trabalho, mas fazia o básico impecavelmente bem feito. Seu torresmo (comentei isto outro dia na Nina Horta) era de uma precisão absoluta - tamanho e crocância, tudo perfeitamente bem executado. Nunca me aventurei a fazer isto, primeiro porque exigia uns panelões imensos e uma cozinha muito ventilada; segundo, porque não tenho a coragem de repetir uma receita que era perfeita, e dar errado - prefiro continuar na tentativa de achar um no mínimo parecido entre os restaurantes que frequento, no meio das inúmeras feijoadas que comi, mas até hoje...nada. 
Ele também fazia um doce de abóbora de comer rezando. E não dava muito trabalho, nem era nada medido - cubos de abóbora, açúcar, um pedacinho de canela em pau, dois ou três cravos, panela com fogo médio tampada, depois de algumas horas jogava o coco ralado, e  estava pronto. Eu comia ainda quente, com fartos pedaços de queijo forte, e no dia seguinte ainda virava um sanduíche criminoso de tão calórico. Outro dia me deparei com uma abóbora bonita, peguei uma receita deste doce na internet, medi tudo, pesei tudo, cubos quase do mesmo tamanho, fogão com temperatura regulada...e não cheguei aos pés do doce que meu pai fazia. Ou a abóbora era insípida, ou o cozinheiro errou a mão mesmo. Ficou uma sobremesa levinha, levinha, quase uma nuvem cor de coral, mas...nem uma pálida sombra do que me era oferecido quando criança. 
Alguns ensinamentos deveriam ser repassados de forma obrigatória para a posteridade - a receita perfeita, o melhor canal de comunicação entre opostos, os processos de ajustamento de uma sociedade democrática, a facilidade de compor rimas e belezas como Chico Buarque - isto tudo deveria ser transmitido ao maior número possível de pessoas, sob o risco de desaparecerem no futuro distante. Lembro do cheiro de galinha depenando, pois eu e meus primos éramos os responsáveis por esta função nos almoços dominicais na casa de minha avó (imagine a cena - matar uma galinha, depenar, limpar, eviscerar, cozinhar e servir tudo num mesmo dia - ou melhor, numa mesma manhã!). Do trabalho de passar as coxinhas na farinha, no ovo e na farinha novamente, antes de fritar. De distinguir a goiaba madura da não tão madura ainda no pé, nas tardes em Santos. De catar o feijão, escolher o arroz, debulhar a ervilha, limpar sardinhas e acender a brasa da churrasqueira e mantê-la na altura e temperatura certas para a delicadeza deste peixe. De rechear e dobras os capeletti, e passar uma mesa inteira de gnocchi no garfo para ele adquirir a curvinha perfeita para melhor receber o molho. Não repassei isto para ninguém, assim como meu pai não me ensinou a forma de fazer o doce perfeito. Mas será que hoje alguém se interessaria em algo que não vem no visor de um tablet ou smart-phone?

Doce de abóbora com coco
  • 1 kg de abóbora de pescoço, descascada e cortada em cubos 1/2 quilo de açúcar
  • 2 pauzinhos de canela
  • 6 cravos-da-índia
  • 1/2 xícara de coco ralado 
Numa panela grande, coloque a abóbora, o açúcar, a canela e os cravos. Leve ao fogo médio, mexendo sempre, até a abóbora começar a soltar água e umedecer o açúcar. A partir daí, abaixe o fogo e vá mexendo de vez em quando. Quando a abóbora tiver desmanchado e a calda tiver engrossado um pouco (leva uns 35 a 45 minutos), junte o coco e deixe mais uns 10 minutos em fogo baixo. Deixe esfriar e guarde em pote com tampa na geladeira.

sábado, 27 de outubro de 2012

ford. tom ford




Adoro ousadias, e Tom Ford sempre consegue ser ousado - foi este elemento que conseguiu no passado levantar a marca Gucci sob sua direção criativa, depois de anos de tédio e balancetes negativos. Com sua sexualidade exp lícita e altíssima qualidade de execução, ele faz o que considero roupas "para mulheres", e não para eternas mocinhas. Eternas mocinhas são aquelas senhoras de idade incompatível com o tamanho de suas sainhas Chanel, por exemplo.
Mas o que faz Tom Ford neste blog? Sua intenção de ser claro. Sua roupa é sexy, poderosa, com poucos mas definitivos elementos - e o vídeo acima é a antítese dos atuais desfiles de moda das marcas mundiais. Ele prefere mostrar suas roupas para um grupo pequeno e seleto, e fazer um vídeo (sob sua direção) que mostra em poucos minutos todo seu DNA - poder, glamour, sexualidade, atitude.
E eu gosto desta posição em relação à gastronomia. Detesto pratos "mocinha" - não prego a brutalidade gastronômica, sempre reafirmo isto - mas não gosto de comida que não me emocione. Sem "punch", sem pegada - nada a ver com quantidade, e sim com essência, com economia precisa de elementos muito bem explorados. Por isso adoro a cozinha de Paola Carosella, do Arturito - consegue uma culinária de precisão e emoção provavelmente com muito trabalho, mas sem frescuras, direta, sensual, sem muitos rabiscos ou firulas desnecessárias. Não aguento mais pratos rabiscadinhos, assim como também não aguento mais ver desfiles onde você não vê a roupa, e sim o "conceito" de um kaiser por detrás da marca. Exceção feita à Alexander McQueen, esse podia fazer qualquer coisa que eu adorava, mas é  porque eu nunca soube explicar o que ele fazia, tamanha sua originalidade. Esse faz falta ainda, apesar do talento de sua sucessora. Portanto... Menos babado e mais pernas à mostra. Menos chapéu e mais desenvoltura. Menos cenário e mais substância. Less is more, gente! As periguetes que o digam - menos pano, mais corpo à mostra. Acho que não usei um bom exemplo para terminar o texto...

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

pretinho básico




Muita atitude as vezes atrapalha...e isto é um mea culpamea culpa, mea maxima culpa. Quando mudei-me para meu apartamento novo, resolvi não permanecer mais no borralho - toda vez que eu dava jantares em casa, eu ficava metade do jantar na cozinha, metade na sala preocupado com o que acontecia na cozinha. Então, na reforma, decidimos primeiro abrir completamente este ambiente para a sala, para que esta fizesse parte da "ação", por assim dizer. Quebramos tudo,  nem uma paredinha sequer dividindo as áreas, limitada apenas por uma viga no teto e uma diferença de piso. E, para não entrar em conflito com o restante da sala, decidimos que ela seria preta e cinza e cheia de coisas, como o resto da casa. (pausa - por mim ela seria INTEIRAMENTE preta, mas fui convencido ao contrário pela cara metade). Aí foi um tal de procurar os aparelhos mais adequados ao projeto, iluminação que fosse prática mas ao mesmo tempo dramática, toda uma longa série de pequenos detalhes que fariam a diferença. Quando ficou pronto, eu mesmo falei WOW! Ficou muito bom, apesar de ainda estar faltando a coifa, mas os livros que mais uso, as coqueteleiras que adoro, o vidro de farmácia em cristal e os bules ingleses de louça, mais algumas obras de arte e objetos deixaram minha cozinha como uma extensão da sala.




Tudo ia muito bem até o dia seguinte. Uma cozinha de uma casa de pessoas que 1)gostam de comer e 2)gostam de cozinhar, por mais que esteja arrumada, sempre tem uma baguncinha (estou sendo sutil). Esqueça aqueles cenários de programas culinários, onde as panelas aparecem e desaparecem como que levadas por gnomos prestativos. Qualquer jantar para 6 pessoas implica em 12 ou 18 pratos, 12 ou 18 taças, uma montanha de talheres, xícaras, um arsenal de matar qualquer um que, como eu, está elevando o transtorno obsessivo-compulsivo a novos patamares de exigência. Fora a pretensão deste que vos escreve de estar agora enveredando em caminhos nunca dantes navegados, tais como massas, bolos, ou seja - farinha. Este produto tem uma capacidade de se multiplicar num ambiente negro que nenhum físico conseguirá explicar. O simples fato de abrir um pacote novo de farinha causa uma performance moderna - farinha para todo lado. (antes que me chamem de apatetado, não, não estou exagerando e não tenho duas mãos esquerdas...). Agora, fazer gnocchi, nunca mais. Sobrou uma poeira branca nos armários, nas juntas da cerâmica preta, no belíssimo móbile de vidro, no vidro de farmácia, nos puxadores dos armários, na persiana - catástrofe! - no Leopoldo, e só não entrou na geladeira pois a maldita apita quando fica aberta. Parecia mais  o laboratório de um traficante colombiano. Claro que minha fiel escudeira já me proibiu pediu que diminuísse um pouco este ritmo frenético, apelou até para uma intolerância a glúten que eu nunca soube que ela - ou eu - tínhamos.
Sim, black is beautiful na voz da Elis, nos desfiles de moda, no cartão de crédito, mas na cozinha é f**a.

sábado, 22 de setembro de 2012

moderno - uma praga?



Eu não podia de deixar de colocar a colher em panela alheia...leio esta semana que Michel Teló ganhou um prêmio de música (Prêmio Mais Mais, o que quer que seja isto). Em seguida, vejo a atuação constrangedora de todos no VMB 2012, com destaque - em prêmios - para Gaby Amarantos. Não, eu me recuso a compactuar com isto. Não vou falar que gosto do Teló ou da Amarantos apenas para parecer moderno e não soar como careta e reacionário - ao contrário. Acho a música de quinta categoria, as letras (letras?) infames, a estética vagabunda e copiada, não tenho paciência com isto.
Lembrei-me de uma grande amiga, culta até a última raiz de seus cabelos eternamente pintados, que, frente a uma instalação de incensado artista brasileiro - que consistia em fios de lã fazendo pendurados no teto da galeria, desenhando uma parábola - saiu-se com a seguinte pérola : "vamos embora daqui o mais rápido possível. Não gosto de ser taxada de antiga ou burra apenas por criticar um trabalho ruim e pretensamente moderno."
E é isto. Em nome da modernidade, tenho visto muita coisa ruim na MPB. Aquela insuportável da Joelma com seus trinados ridículos, uma grande gama de rappers brasileiros copiando descaradamente o pior do rap/hip hop norte-americano, uma cantora que se denominé "a Beyoncé do Pará" como se isto fosse alguma coisa boa, um cantorzinho insuportável como Luan Santana, bobagens como a grande maioria das coisas exibidas nos prêmios supra-citados. Não são bons cantores, não são originais, e espero estar certo, mas serão página virada na história em breve. No máximo, serão lembrados como coisa "exótica ou kitsch", mas nem isso mereciam. Querem parecer modernos? Sejam originais, mesmo regravando algo ou revisitando um clássico - como fez Kevin Johansen ao transformar a música de David Bowie em outro produto, diferente do original, mas de qualidade.
Isto me veio à cabeça depois de ver por duas vezes um chef que deve ter tirado terceiro lugar em alguma competição -o que deve ter  lhe valido o sobrenome - refazer em um programa horroroso alguns pratos clássicos da culinária popular, sob a estética moderninha. E conseguiu transformar o pato no tucupi - um dos pratos mais marcantes da culinária brasileira - em uma coisa cafona, com um milhão de informações no mesmo prato, com uma bula complexa e de execução pretensamente contemporânea. E todos, com medo de dizer que o o rei está nu, tecem loas e interjeições de espanto, na qualidade de arautos do modernismo gastronômico.
Ser moderno é mais do que isto. É ser ousado com qualidade, perceber a síntese do produto e expô-la, ser radical, irreverente e ousado - mas ser original antes de tudo. E não tentar ser moderno para sê-lo, pois isto é apenas patético. E pretensioso.

sábado, 15 de setembro de 2012

a gafe ou o trauma

Ocorrido há muito tempo, eu e Eduardo fomos vender um quadro importante para um grande colecionador carioca. Este resolveu nos oferecer um jantar em seu belíssimo apartamento à beira-mar, com toda a pompa e circunstância - drinks na biblioteca, mesa bem posta, primeiro prato, segundo prato, e eis que de repente eu escuto ao longe um barulho insistente de liquidificador. Gelei. Pensei comigo mesmo - "não é possível que  ele ofereça um creme de abacate batido, que odeio!, depois desta refeição impecável...não, estou pirando, relaxa e aproveita a noite."
A discussão/negociação sobre o preço do quadro rolava difícil quando chega à mesa o garçom com um belíssimo bowl Baccarat contendo uma coisa verdeamarelada, e eu gelei#2. Meu pior pesadelo tornara-se realidade à minha frente : nunca suportei o gosto do abacate batido doce, desde criança. Em suas versões salgadas (salada, molho, mousse), adoro, mas como doce, no way. Eu suava frio frente ao fato de que não teria coragem de recusar, para não atrapalhar o negócio ainda não realizado. Aceitei estoicamente a porção que me foi oferecida, regada com um pouco de Creme de Cassis para arrematar, frente ao olhar espantado de Eduardo, que sabia desta minha aversão. Fiz cara de "o que posso fazer? temos contas a pagar, não?" e encarei o desafio em largas e resolutas colheradas. No final da sobremesa, o anfitrião pergunta - "gostou do creme? é batido com sorvete, limão, mais alguma coisa - a essa altura eu já não estava ouvindo direito...- e cassis", no que respondi que sim, claro, tinha adorado. Péssima resposta: fui obrigado a repetir mais um pouquinho, a troco da gentileza desmedida e irrefutável do dono da casa. Trauma mesmo.
Lembrei disto ao oferecer um jantar para um casal recentemente. Fiz tudo direitinho, com um erro crasso - um amuse-bouche que era uma sopa de milhos assados com endro, e de entrada uma polenta com ragu de cogumelos - ou seja, milho + milho. O segundo prato era um brasatto impecável, e de sobremesa pudim de capuccino com crocante de caramelo, ambos deliciosos - mas dois pratos de milho era quase uma degustação, apesar dos sabores distintos e da quase perfeição dos dois pratos.
A noite correu solta, bom vinho, ótimo papo, passam-se os dias e descubro pelo meu convidado, muito tempo depois, que ele gostava de quase tudo, exceto ...milho. Sim, impingi ao meu amigo o mesmo suplício que tinha sofrido muito tempo antes, só que em dose dupla. Fora a gafe de servir dois pratos com o mesmo ingrediente básico, ainda não cumpri a premissa primordial de perguntar aos convidados se eles não comiam alguma coisa. Imagino o terror de meu convidado ao ver o primeiro prato, seguido do segundo - o suor frio contido, o enjôo sufocado, e ao mesmo tempo aceitar resignadamente a falta de opção. 
Bem, eu fechei a venda do quadro no primeiro caso, e acertamos um provável negócio no segundo. Moral da história : sempre se consegue engolir sapos - ou abacate, ou milho. Depende da proposta...
Sopa de Milho Assado

250 gramas de milho verde debulhado
3 colheres de sopa de azeite
1 alho poró em fatias (apenas a parte clara)
1/2 de xícara de creme de leite fresco
3/4 de xícara de caldo de legumes
pimenta do reino branca
1 punhado grande de endro (dill)
sal a gosto

Asse o milho com um fio de azeite no forno em assadeira coberta com papel alumínio por 25 minutos. Soltará um pouco de líquido, que será aproveitado.
Refogue o alho poró no azeite, junte o milho com seu caldo, o caldo de legumes, reduza por 4 minutos, adicione o creme de leite e a pimenta. Apague o fogo, junte o endro, corrija o sal e bata no liquidificador. Passe por uma peneira fina, e sirva em xícaras ou tacinhas com um fio de azeite aromatizado com pimenta. 


sábado, 8 de setembro de 2012

de grão em grão

Adoro grãos. Arroz, grão de bico, lentilha, ervilha, feijão, favas - coloque qualquer grão nesta lista, e eu traço. Em primeiro, eles me lembram tempos passados, quando comprava grãos a granel armazenados em imensos sacos de estopa nas quitandas e empórios de Santos, onde morei quando criança. Gostava da sensação de pegar os grãos de diversas cores do feijão, da sensação seca da ervilha e da qualidade escorregadia do arroz agulhinha, servidos em  pás cônicas de metal brilhante. E em segundo eu nunca associei especificamente esta predileção por suas qualidades benéficas em relação à saúde e ao bom funcionamento do organismo, sempre fui mais pelo gosto mesmo. Mas hoje  descobri as virtudes do feijão preto (pesquisando na rede, apenas para contrapor os argumentos de um detrator que dizia que feijão engorda muito - e eu não podia deixar passar isto em branco...), e por consequência, fui aumentando a lista da pesquisa, que deu no seguinte:
- feijão preto - útil para pessoas com o metabolismo da glicose irregular (diabetes e hipoglicemia), diminui o risco de ataque cardíaco pela presença de ácido fólico e magnésio, fora as fibras, e é ótimo antioxidante.
- ervilha - ótima fonte de vitamina K, portanto fortalece os ossos e também favorece a função cardiovascular.
- grão de bico - excelente para controlar o colesterol, e é um ótimo substituto para a proteína animal - é ótima fonte de energia.
- milho - grande apoio para a saúde pulmonar, em virtude da presença do caroteno. E é bastante benéfico para a memória, em virtude da Tiamina - além de apoio à produção de energia, mesmo sob stress, em virtude da presença de ácido pantoténico.
- feijão roxinho ou mulatinho - uma fonte de fibras cinco estrelas. Ajuda na memória (sim, Tiamina) e ainda tem Ferro. 
- aveia - diminui o colesterol e melhora significativamente a resposta do sistema imunológico às infecções bacterianas. 
- cevada - proteção contra o câncer de mama e colabora na conservação dos tecidos do corpo graças ao fósforo.
- arroz - claro, o integral possui muito mais nutrientes, minerais e menos carboidratos que o arroz branco. E - surpresa! ajuda a diminuir o apetite e favorece a perda de peso.
- lentilha - tem grande densidade nutricional e melhora a função digestiva e a cardiovascular, além de ser fonte considerável de ferro.
E por aí vai. Claro, uma feijoada com pé de porco, carne seca, toucinho, gorduras animais de toda ordem - um dos pratos mais "macunaímicos" que conheço - pode sobrepujar os efeitos benéficos do grão, bem como um risotto com muita manteiga também - e a cevada sob sua forma líquida não manifesta as mesmas benesses que a sólida, se é que você me entende. Eu não sou adepto do feijão diário com carnes - faço como faziam minha avó e minha mãe, temperado com alho e cebola refogados em azeite, sal, um tico de pimenta e uma folha de louro, simples, delicioso. Geralmente cozinho uma grande porção, divido sem tempero e depois vou dando uso ao produto - uma sopa, um tutu, ou feijão pura e simples. E é tão bom quando você gosta de uma coisa e ela oferece benefícios à sua saúde, não é? Torço todo dia para que algum cientista descubra as vantagens de uma dose diária de Dry Martini, que alguém abalizado reconheça que pão na chapa com manteiga faz bem para a memória, que quindim é ótimo anticoagulante, que batatinha frita não é calórica e que qualquer coisa a milanesa ou empanada regula os níveis de colesterol em excepcionais índices...

FRANGO COM LENTILHAS
2 coxas e sobrecoxas de frango desossadas
suco de meio limão
1 colher de mostarda dijon
lemon pepper a gosto
2 xícaras de lentilha de Puy cozidas com uma folha de louro
1 cebola grande
2 dentes de alho
2 colheres de azeite de oliva virgem
sal e pimenta a gosto

Tempere o frango com o limão, a mostarda e o lemon pepper. Reserve na geladeira por 1 hora, para pegar gosto.
Asse no forno a 180 graus por aproximadamente 30 minutos em um recipiente tampado com papel alumínio, junto com metade da cebola cortada em duas partes. Após este tempo, descubra, regue com o caldo obtido do assado e doure no forno por 8 minutos a 250 graus.
Refogue a meia cebola restante cortada em tiras no azeite até que fiquem ligeiramente douradas. Adicione o alho muito bem picado, acrescente a lentilha e tempere com sal e pimenta a gosto.
Sirva o frango sobre a lentilha, colocando a cebola assada por cima, finalizando com um fio de azeite virgem. Claro, receita para duas pessoas. Magras.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

cheese syndrome


Eu fui notando aos poucos esta mania de colocar queijo em tudo. Primeiro, a praga do cream-cheese nos sushis e temakis da cidade- inclusive já ouvi um cliente pedir "um temaki com muito cream-cheese e salmão". Depois, os potes de queijo ralado nos buffets dos restaurantes para almoço - e tome salada com queijo "tipo" parmesão (detesto coisas "tipo"!), sopas de qualquer sabor cobertas de queijo ralado, picanha assada com queijo, filet assado com queijo, frango assado com queijo - quem inventou esta moda? Na praia, servem caldinho de camarão, feijão, peixe e sururu com as opções de acréscimos - bacon, azeitonas, ovos de codorna e - queijo ralado, uma meleca impensável saída de garrafas térmicas suspeitíssimas. Cachorro quente de carrinho, a epítome da junk food, hoje vem com as variantes milho, molho de tomate e...sim, queijo ralado. 
Mas ontem eu ví o que seria o ponto alto desta síndrome lacto/proteica. Já vou avisando - preparem-se, o relato a seguir não é para fracos.
Numa churrascaria ótima aqui em Recife, um cliente vem com o prato cheio de sushis, praticamente uma muralha feita de arroz, alga e peixes diversos. Ao lado, um potinho quase transbordando de um líquido marrom viscoso, algo entre um molho tarê e uma redução intensa de aceto balsâmico. Não era shoyu pura e simples pois era bem grosso, quase um caramelo. E então o comensal pede a um dos garçons um potinho de queijo ralado...
Neste momento, meus sentidos se aguçaram. Coloquei em prática toda minha habilidade em bisbilhotar a mesa vizinha sem ser notado, técnica esta desenvolvida ao longo das inúmeras viagens que fiz sozinho a trabalho. Pois o cliente, com a habilidade de um contumaz consumidor de comida japonesa, ao receber o recipiente de queijo ralado fez a seguinte operação - pegava o sushi com os hashis, besuntava ele no molho, rolava em seguida no queijo e depois mandava esta gororoba goela abaixo, sob meu - a esta altura nada discreto - olhar atônito. Eu tinha a impressão de que, caso houvesse uma panela cheia de óleo fervente ao seu lado, ele ainda era capaz de fritar aquele empanado estranho antes do momento final. Sorry, esqueci um detalhe - antes de comer aquele sushi ítalo-japonês, ele ainda colocava uma bola de wasabi no topo. Este ...como dizer, prato, era o típico representante da Confusion Cuisine, um braço determinado e cada vez mais presente da Fusion Cuisine

Onde foi que esta história começou, será que foi resultado de um lobby da indústria "queijeira"? Por ser o queijo um dos alimentos primevos, será uma inconsciente volta às origens do homem? Ou será que o comensal, pura e simples, está pensando apenas na quantidade de comida que ingere - e tome acúmulos, em vez da simplicidade essencial? Ou será que eu estou implicando com uma coisa por causa da minha idade avançando?
Sei lá...esta última pergunta me deixou cabreiro...idade avançando...detestei isto.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

função acompanhamento

Uma amiga tinha um namorado. Ela era rica, e ele não. Aliás, ela é rica e poderosa - ele não. Mas vamos pensar que isto não vem ao caso, o amor, ah! o amor...
Pois bem - sempre que alguém perguntava o nome do namorado dela, ninguém se lembrava. Era Pedro? Paulo? Francisco? Tiburcio? Ninguém mesmo se lembrava, pois o rapaz, além de não ter nenhum atributo físico aparente, também não era simpático - nem antipático - o suficiente para se sobressair : no quesito magnetismo ele levou bomba, e ninguém podia falar de sua personalidade pois ela simplesmente não aparecia no convívio social. Ele quase lembrava a musica Mr. Celophane, do musical Chicago - sendo que provavelmente não cantava, ou seja, nem disto podíamos chamá-lo.  
Em suma...sabe quando você pede um prato ótimo, e de acompanhamento vem um arroz ordinário? Pois bem, a metáfora foi para ilustrar o apelido que um mais maldoso da turma deu para o rapaz - Arroz. Quando alguém perguntava o porquê do apelido, sempre alguém respondia - Porque arroz não é prato principal, é acompanhamento. Ninguém vai no restaurante e pede - quero um arroz fresquinho, sequinho e no ponto, e basta. Pede risotto - mas não era o caso, para risotto ele não servia, pois este prato tem substância, mais um atributo que não podíamos outorgar ao apelidado.Pois, por causa disto, o rapaz ganhou a alcunha de arroz - sendo que, como ninguém se lembrava do nome do infeliz, todos temiam chamá-lo pelo apelido inadvertidamente...
Arroz não namora mais nossa amiga, e vez ou outra é visto com alguns amigos comuns - mas eles continuam bons amigos, segundo me consta. Prova de que tem gente que, vez ou outra, pede arroz como main course...

Arroz ao forno
duas xícaras de arroz cozido
uma xícara de peito de frango cozido e desfiado
uma xícara de mandioquinha palha (ralada no ralo grosso e frita em óleo quente)
uma cebola média em fatias finas
um alho poró (somente até a parte verde-claro) em fatias finas
um talo de aipo cortado em brunoise
uma cenoura cortada em brunoise
duas mozzarelas de búfala
queijo parmesão ralado o quanto baste
duas colheres de azeite de oliva virgem
pimenta do reino moída na hora
folhas de manjericão 
Refogue a cebola até dourar - acrescente o alho poró, o aipo e a cenoura, abaixe o fogo e tampe a panela. Refogue por 5 a 8 minutos. Acrescente o frango cozido desfiado, o arroz ,a mandioquinha-palha e as folhinhas de manjericão picadas grosseiramente. Polvilhe o queijo ralado, misture rapidamente mas incorporando todos os elementos. Preencha o fundo de um bowl refratário com o arroz, coloque a mozzarella de búfala picada, complete com o arroz restante e polvilhe parmesão e pedacinhos de manteiga sem sal. Levar ao forno pré-aquecido a 180 graus por 8 minutos e sirva com um fio de azeite e raminhos de manjericão. Como prato, não acompanhamento, ok?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

brutal

A cozinha toda ,avermelhada, respingos de vermelho pelo fogão, na parede, nas portas dos armários, no chão, na bancada...na tampa da panela, no vaso antigo de farmácia  ao lado do fogão, e Leopoldo só escapou de ser tingido porque é um cachorrinho muito ágil. Parecia um cenário do CSI - já imaginava aquela equipe simpática entrando cozinha adentro com lâmpadas estranhas, pincéis e cotonetes longos para arquivar evidências dentro de saquinhos plásticos...
Não, não matei ninguém em meus domínios. Muito embora homicídio não esteja descartado de minha lista (sabe-se lá, um ataque de fúria com a idade pode acontecer, e se você ainda por cima estiver munido de uma faca super-afiada onde vai parar o controle?), eu me aventurei em domínios nunca dantes -por mim, claro- navegados. Fiz uma geleia de ameixas vermelhas, linda linda, mas para variar exagerei na dose e portanto, tenho um pote imenso de geleia ainda na geladeira, sendo que parte dela virou uma torta híbrido de dois posts do guru Richie, do Cozinha Coletiva
Sabe quando você se entusiasma com uma coisa, e não consegue parar? Eu comecei a descaroçar as ameixas, e quando dei por mim tinha picado TODAS. A visão daquelas frutas suculentas transbordando sumo era linda, o que me fez fazer e consumir -um corretíssimo Blood Mary para acentuar as cores e clima do cenário seguido por um excelente Catena Zapata.

Advertência necessária a esta altura do  texto - se você decidir transformar quase 1,5kg de ameixa vermelha em geleias num sábado à noite, adentrando madrugada, lembre-se de não beber nada a não ser café ou alguma coisa que te dê asas. O tempo de cocção foi mais longo do que o esperado, e lá pelas tantas eu estava sonado por causa da bebida  do adiantado da hora.
  

Uma coisa puxa a outra - e resolvi transformar o que não coube nos potes de geleia devidamente pré-esterilizados em alguma coisa diferente. Toca fazer uma torta baseada no post seguinte do guru citado, trocando uma coisinha aqui, uma coisinha ali. Fiz a massa comme-il-faut, assei e resolvi fazer uma espécie de creme inglês mais denso para o recheio, mas na hora H cadê o amido de milho? Rodei a cozinha inteira, tinha certeza de que tinha, mas...não achava. Substituí por aveia, fazendo algo entre o mingau e o creme - e ficou muuuuito bom.
A torta? ficou boa, massa perfeita, recheio insólito mas saboroso, feito de sabores contrastantes - a suavidade rústica da aveia versus o ácido da ameixa.

A geléia? deliciosa, de cor e sabor intensos, textura e viscosidade no ponto, e ainda por cima substitui parte do açúcar por açúcar light (cuidado, é mais doce, diminua a quantidade se for usar isto), minimizando a culpa na hora do consumo.

A cozinha? quase ficou vermelha - agora de sangue mesmo - no day after, pois minha fiel assessora quase teve um surto ao adentrar naqueles domínios agora literalmente rubro-negros.
Comprei ontem caixas de morango orgânico, muito mais do que o consumo normal da casa, pensando em fazer agora uma geléia de morangos com gengibre que vi na rede. Mas terei de mudar de idéia frente à fúria da reação de Rose, antes que ela receba alguma entidade serial killer e me impeça, definitivamente e da forma mais radical, de continuar a cometer estes desatinos.
Receita da geléia AQUI e da massa da torta AQUI.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

little things

Perceber a vida nos pequenos detalhes. Na ligação que recebi de Gabriel, perguntando "Tio Wair, porque você não veio à minha festinha de aniversário?" e me deixou passado. Na lua que despontou na minha frente às cinco horas da tarde quando eu tomava um gin-tônica depois de um sábado intenso de trabalho em Recife. No cuscuz pernambucano que fiz no domingo de manhã, e que ficou delícia. No vendedor de coco verde na praia, que veio puxar papo do nada - e o papo foi ótimo. Nos crostini que fiz ontem à noite, e na taça de Champagne que estava na temperatura e perlage perfeitas. No jardim que está florescendo, nas heras crescendo, no vaso de alfazema dando flores completamente fora de época. Na Valentina atendendo ao telefone e me dizendo "posso te dizer um segredo? Meu dente está mole..." No pato com purê de banana-da-terra  que servimos numa festa na loja de Recife. Na cabra feita por uma artista popular que comprei, e que estou adorando - ela é perfeita. No eclair de chocolate que comi no La Bombe, em São Paulo - apesar do comentário de minha comadre (one second in your lips, forever in your hips...), nos chás que eu descobri no fundo do armário e que ainda não tinha experimentado, nos livros da Jennifer Egan que ganhei de um amigo - li os dois, adorei - na cara do Raphael na piscina de bolinhas - felicidade!Na pose estranha do Leopoldo olhando um grafitti do Superman na parede de meu quarto, na pose exótica do Leopoldo tomando sol à beira da varanda do quarto, no pescoço quentinho num dia de inverno, nos pés sem meias em Recife, na gravura do Joel Shapiro que consegui comprar por ótimo preço - e na foto do Hugo Curti que ele me deu, hugs Hugo!No café da manhã reforçado com panquecas e ovos - calorias de manhã são tão recompensadoras... Nos sushis perfeitos de um jantar outro dia em lugar que não dava nada - e fui agradavelmente surpreso - no Lambrusco insólito que abri numa noite quente, no sabor do abacaxi récem-descascado e consumido ainda morno na praia, na temperatura perfeita da água à beira-mar, no som de Glen Gould suplantando o trânsito insano, no livro ÓTIMO do Paulo Francis, nas lombadas descascadas de velhos livros, num sorvete consumido sem culpa, bem como o bolo perfeito da Kukla pertinho da galeria, enfim - na descoberta de que mais do que estar certo quero é estar tranquilo.