food, art & spirits

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

risotto ou risoto?

Risoto ou risotto, tanto faz a grafia. Consistem basicamente em arroz, um caldo base e algumas  calorias adicionadas, dependendo do tema escolhido. Mas nem sempre foi assim – pelo menos, em nosso país. O arroz adequado para esta típica receita chegou recentemente neste solo, graças à abertura das importações. Antes disto, era feito com o arroz tipo agulhinha, desconfigurando o jeitão cremoso característico deste prato presente em quase todos os bons (e outros nem tanto) restaurantes, jantares e festas. No passado recente – correção, estou falando das longínquas décadas de 1960/1970, era uma das iguarias presentes quase todos os domingos na casa de meus avós. Mas como não era feito nem com viallone, arbóreo ou similar , e sim com arroz Brejeiro ou algum concorrente, ele vinha sob a forma de um arroz com frango – ou camarões  -, molho de tomate, petit pois (de lata...) e decorado com rodelas de palmito e ovos cozidos. Uma gororoba, em suma. Por melhor que minha avó cozinhasse, ela não conseguia acertar a receita que provavelmente sua mãe fazia na Itália natal – deve ter restado uma lembrança, remota, de como executar – literalmente – este prato simbólico da Bota.  E ate a chegada do riso italiano a estas plagas, eu me recusei, depois de ligeiramente adulto, a engolir esta variante brasileira, preferindo o arroz branco, puro e alvo, a suas mutações gastronômicas. E eis que nos deparamos hoje em dia com uma variedade infinita do tema desta coluna. E eu decidi fazer um ranking, uma espécie de top ten de receitas de risotto, cada uma adequada para uma situação especifica. A saber:
- para um comensal vegetariano – risotto de abobora assada com sálvia (RECEITA ABAIXO). Se a mesa não permitir algo de cor forte no prato, o segundo lugar vai para o risi-bisi, risotto de ervilhas frescas, deliciosamente típico.
- em um jantar exótico – risotto de laranja com alcaparras. Mas e melhor como acompanhamento, não segura como prato principal. Mas a cor é linda.
- categoria luxo – risotto de camarões com perfume de romã. Ou de perdiz com raspas de laranja. Ou com um ovo quente e trufas – uhn...
- categoria heavy metal – risotto de lingüiça calabresa com erva-doce. Ou risotto com ragu de rabada – muito bom, mas para paladares adultos.
- para um jantar rápido – de abobrinha. Ou de legumes. Mas não vai ser assim tão rápido...
- para o day after – riso al salto, o risotto frito – um de meus preferidos. Aliás, sempre que sobra risotto, qualquer que seja, acaba virando riso al salto. Com uma saladinha.
-  se quiser impressionar (ainda mais) – de figo seco com Parma. Ou de bacalhau com cebolas cozidas.
- nas festas juninas – de pinhão com couve crocante.
- para um grupo grande – troque por uma massa, salada, o que quiser. Os primeiros podem até comer um risotto excelente, mas os últimos provavelmente terão de se contentar com uma gororoba ultra - cozida e ressecada.
- quando de regime – nem abra a página do livro de receitas deste item. O simples folhear das folhas já adicionará calorias extras a sua silhueta...
E para finalizar, numa situação jantar romântico – esqueça... vai dar trabalho, você vai ficar suado/a , e o encanto deste instante periga se perder no meio dos vapores.
Risotto di Zucca
240 gr de arroz arbório ou viallone
1 cebola média finamente picada
500 gr de abóbora madura
1,5 l de caldo de legumes (deve sobrar, mas é melhor sobrar do que faltar)
150 ml de vinho branco seco (mais uma ou duas taças para o cozinheiro, claro!)
3 colheres de azeite de oliva
80 gr de manteiga gelada em pedaços
100 gr de parmigiano reggiano ralado na hora
pimenta do reino branca moída na hora
1 xícara de folhas de sálvia frescas

Pique a abóbora em pedaços médios, coloque em uma assadeira, regue com um pouco de azeite, mexa para incorporar o azeite em todos os pedaços e asse no formo com a assadeira coberta com papel alumínio por aproximadamente 30/40 minutos. Retire do forno, passe no processador até obter um purê fino, e reserve.
Refogue o arroz no azeite com a cebola, derrame o vinho e espere evaporar o álcool. Coloque o caldo de legumes pouco a pouco, em conchas, esperando que ele seja absorvido antes de completar com mais caldo, mexendo constantemente. Após aproximadamente 12 minutos, incorpore o purê de abóbora, mexa bem e continue derramando o caldo de legumes. Aos 14 minutos do cozimento, se o arroz estiver al dente (translúcido mas firme), apague o fogo e incorpore a manteiga e o parmigiano recém ralado. Mexa vigorosamente, para dar brilho , tempere com a pimenta. Acrescente as folhas de sálvia, que darão o característico sabor metálico a esta receita, pouco antes de servir. Sirva imediatamente.
Se quiser, pode servir dentro de pequenas abóboras sem recheio (como na foto), que foram previamente assadas (pincele com um pouco de azeite para não queimar e dar brilho).

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O sal é um dom

 
O vídeo acima (descobri no blog da Marta Matui) faz parte de uma sequência de vídeos deliciosos, campanha de uma marca de temperos. Das mais interessantes campanhas de produtos culinários dos últimos tempos. Eu, que sou parcimonioso no sal em casa, quero um saleiro deste na minha cozinha a.s.a.p!
E Dona Canô, mãe de Betania e de Caetano, emprestou o título deste post.
Sim, o sal é um dom, a ser usado com parcimônia, ele ressalta sabores quando bem utilizado, e estraga pratos quando utilizado sem a preocupação devida. Mas ultimamente tenho visto alguns pequenos exageros neste quesito. No passado, lia em receitas a opção sal a gosto, ou então duas ou três pitadas de sal. Víamos também a medida .."tantas colheres de café de sal". Porém, recentemente, vi em uma receita algo como 6,5 gramas de sal. Eu realmente não me lembro se era 6,5 - 7,5 ou 10,5, mas me lembro muito bem do marcador meia grama. Primeiro - como faço para medir isto ? Segundo - se eu colocar meia grama a mais, ou a menos, a receita desanda completamente? Terceiro - com que balança o autor desta receita conseguiu pesar isto?
Respostas para este blog.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ecos

Sei que tenho sorte quando me lembro que Chicô ofereceu-me um jantar de aniversário, com mini-acarajés e efó, que adoro e ninguém gosta.

Sei que tenho sorte porque Edith faz kibe cru para mim, so' para mim - e todo o mais para o resto. E o Eduardo de vez em quando faz o melhor mingau que conheço. Gente grande pode tomar mingau, sim.

Sei que tenho sorte pois comi o peixe frito inteiro do Jun, num jantar pequeno de felicidade enorme.

Tenho sorte pois Levy faz aquele frango com cebolas da culinária judaica, cujo nome não me lembro, pois sabe que eu adoro. E sei que tenho sorte pois Cris e Rodrigo adoram comemorar qualquer coisa no Fasano, com aquele picollo gnocchi recheado - como fazem, eu não sei. Mas e' muuuuuuito bom!Melhor, só a companhia da Cris e do Rodrigo.E tenho sorte porque o Raphael me deu um pedaço de tomate.

Sei que tenho sorte pois Paola sabe que sou tarado pela cozinha mineira, e na casa dela tem um tutu de comer rezando. E ensinei a Gabi a fazer risoto na casa da Fernanda, e eles comeram tudo. E eu também.

Tenho sorte mesmo. Sempre que a Sandra faz cuscus paulista, me chama para ajudar a mexer a massa, e a comer logo depois. E a Mônica sempre tem uma cachaça fantástica no congelador. E a Mariana fez um prato de blinis na hora, especialmente para mim, pois eu não tinha jantado nada. Comi tudo.Tudo mesmo.

Tive a sorte de jantares deliciosos na casa de Titá, fartos, divertidos.
Tive a sorte de tomar a melhor caipirinha de lima, que meu primo Aimar fazia. E a companhia dele fazia este drinque ainda melhor.
Tive muita sorte pois meu pai fazia uma salada de sardinha, cebolas e muito azeite, que tentei repetir inúmeras vezes, mas falta algum ingrediente que não está a venda em nenhum supermercado. E fazia um doce de abóbora com côco que ficava horas na panela, e eu comia ainda quente.
Tive mesmo muita sorte - minha avó fazia um bife acebolado de primeira grandeza, e eu tomava com vinho tinto diluído em água. E minha outra avó também fazia um otimo kibe cru, tão bom quanto o da Edith. E meu avô sempre aparecia com Sonhos de Valsa para mim - hoje eu tenho que comprar. Não é o mesmo gosto...

Tive a sorte de minha mãe fazer quase tudo muito bom, mas sabia que eu adorava a rabada que ela fazia, com uma polenta - que é um dos pratos de mais "sustança" que conheço , aquece até a alma. E fazia bolinhos de chuva, simples, generosos. E me ensinou a fazer farofa de vagem e de milho verde.

Tenho a sorte de lembrar disto tudo. Mesmo do que não usufruo mais
  Madredeus - Ecos Na Catedral (remix) by DJ Cold Duck

s p a

SPA – fui submetido a um recentemente. Como se fora um procedimento cirúrgico, pois esta foi a minha impressão. Sim, todos muito gentis. Sim, todos muito atenciosos. Sim, educadíssimos até a última fala baixa. Mas também, o que se esperava de um lugar onde – primeiro: não se pode comer o que se quer? – segundo: mal se pode comer. – terceiro: eles fazem seu horário (acordar às 8, almoço às 12, um pedaço de fruta às 15, jantar às 18, cama às 21, televisão das 19 às 21, silêncio absoluto das 21 às 6...)?
Ainda se as instalações fossem as magníficas paredes de Peter Zumthor, prestigiado arquiteto que projetou um Spa em Valls, na Suíça, e se as atendentes fossem todas parecidas com Nicole Kidmann e os massagistas tivessem o physique du rôle de George Clooney, tudo bem. Mas não era o caso. Uma paisagem sem graça, um quarto triste, e o ligeiro viés religioso que perpassava cada pequena ação tornava tudo ainda mais estranhamente incômodo.
As teorias perpetradas durante esta privação poderiam ter algum fundamento científico, mas mesmo assim desafiavam qualquer um a confrontá-las com a lógica. Antes de cada refeição, um pedaço de fruta, pois desta forma nos sentimos mais saciados e com menos fome. Poderiam trocar a fruta por peixe, tomate, escargot ou o que fosse – com a fome que todos estavam, o que viesse antes da refeição seria imediatamente traçado.  Nenhum líquido durante a refeição, pois isso dilui o suco gástrico, prejudicando a digestão. Muito bem – mas também ninguém tinha sede com aquela comida sem nenhuma gota de sal. Mastigar muito, devagar e conscientemente. Mastigar muito e devagar sim, pois a comida era tão pouca, que desta forma prolongaríamos aquela sensação boa. Já conscientemente, não posso garantir que todos lá estavam conscientes.  E no meio do salão de jantar, um carrinho com inúmeros potinhos de cebolinha, orégano e outros temperos parecidos, que as pessoas despejavam sobre seus pratos como se fosse grana padano...
Me lembrei daquela piada recorrente sobre spas, onde um amigo pergunta ao outro:
- quanto tempo você ficou no Spa?
- dez dias.
- e quanto você perdeu?
- dez dias...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

medos

no camarim...

- Folhinhas de alface…
- Uhn???
- Folhinhas de alface – o que eu não daria por umas folhinhas de alface agora…
- Esta’ com fome, perua?
- O que você acha, que eu vou colocar a alface na cabeça e sair cantando “mamãe eu quero”?
- Calma, criatura, senão borra o make-up.
- Mas como eu vou entrar na passarela com esta fome insana, me corroendo por dentro?
- Em primeiro lugar, você esta’ tão seca que não tem parte de dentro. Somente a parte da frente e a parte de trás – nada no meio.
- Ta me chamando de tábua???
- Calminha, santa – você e’ perfeita! Segundo lugar, como você ia matar sua fome com umas miseras folhinhas de alface?
- E como você acha que eu consegui este corpinho, comendo vatapá e lasanha?
- Já vi que hoje vai ser difícil...e para de mexer a cabeça, senão borra todo o visual, já disse, lindinha.
- Não sei como vou me equilibrar nestes saltos altíssimos com esta tontura!
- Ate’ parece que e’ a primeira vez que você encara o catwalk sentindo fome, Darling. Vocês todas não comem durante semanas antes dos desfiles – ou pensa que me engana?
- Mas pelo menos umas folhinhas verdinhas, com um fiozinho de azeite...
- Você vai desfilar de biquíni?
- Claro que vou!
- Então, esquece as folhinhas. Esquece o azeite. Esquece a água. Se possível, nem respire, pois ingerir qualquer coisa pode deixar você com outra aparência.
- BALEIA E’ A SENHORA SUA MAE! Por que será que todo maquiador fala mais do que papagaio de piada?
- Avisei. Já errei a maquiagem, vamos ter que começar tudo de novo...
- EU NÃO AGUENTO MAIS! Cadê minha mãe? Cadê minha cachorrinha? Cadê minha empresaria? E O QUE VOCE ESTA FAZENDO NO MEU ROSTO, pintura de guerra???
- Nervosa, da’ nisso. Esta parecendo mais um pele vermelha do que uma top model.
- E a culpa e’ sua, seu maquiador genérico! Você não consegue nem desenhar um circulo com a ajuda de um copo, quanto mais me maquiar!
- Olha aqui, o Free Willy, não desconta suas celulites no boneco aqui não, ok?
- Celuliteeeee? Celulite? Agora e’ demais! Eu, morta de fome, não como nada há dias, e este infeliz vem falar que eu tenho celulite?!?!?E passa logo este batom, que esta quase na minha hora – depois a gente acerta as contas!
- Você me paga, perua...
- Que batom e’ esse, bi?
- Ultimo lançamento – o must! Cerise noir au chocolat, irresistível.
- Realmente, irresistível. Tem um cheirinho gostoso...
- E a cor e’ linda, e...LARGA MEU BATOM, SUA LOUCA! O que você vai fazer com ele?
 - Uhn...gostinho de chocolate...
 - Segurança, me segura que eu vou me atracar com esta maluca!
- Chocolate com um toque de cereja...uhn...ahh...
- AGARREM ESTA LOUCA! ELA ESTA COMENDO MEU BATOM CARISSIMO! AAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

caju amigo

Fui jantar na casa de um amigo pernambucano, que me ofereceu um prato - uma salada de camarões, lagosta, folhas verdes e uma fruta que adoro - caju, em duas formas: grelhado e emulsionado no molho.A salada, assim como todo o jantar, estava impecável. Boa mesa, excelente papo, casa linda com um acervo de arte invejável, uma bela noite, como deveriam ser todas. Mas o caju literalmente mexe comigo. Esta fruta me traz lembranças muito pessoais. Era a fruta que meu pai mais gostava, e na época em que ele estava vivo, não era uma fruta comum nos mercados. Hoje, encontra-se em qualquer bom super mercado ou feira. Mas, voltando - ele adorava suco de caju, caipirinha desta fruta, doce, qualquer coisa. E esta e' uma lembrança dele. Estranho como nos fechamos em alguns pormenores quando a pessoa nos falta. Não me lembro direito da voz dele, nem de suas falas mais comuns, mas recordo perfeitamente que ele adorava conversar em torno da mesa de jantar. E toda vez que vejo esta fruta, a primeira sensação não e' o cheiro, ou o gosto, ou o travo na boca se ele não estiver maduro. A primeira sensação e' a lembrança de meu pai.Estranho depender de um gancho, uma muleta para lembrar de alguém tão importante. Mas creio que esta e' a forma de evitar a perda da lembrança, pior do que a perda da pessoa. Sim, perder alguém e' triste. Esquecer este alguém e' infinitamente pior. Talvez seja por isso que adoro caju - me traz a memoria de tempos mais amenos, onde podia contar com a figura paterna, mesmo não precisando dela. 

domingo, 3 de outubro de 2010

C H O C O L A T E


Com os olhos fixos na telinha, onde vejo o final da disputa presidencial ainda com certo temor (embora tenhamos a certeza de segundo turno), verifiquei que a barra de chocolate ao meu lado literalmente sumiu, evaporou, desmaterializou-se. Sobraram o papel dourado e o invólucro exterior, indicando que ali havia antes um chocolate ao leite com pedaços de avelã. Infelizmente, esta matéria desaparecida teve um destino claro - aumentar os centímetros que teimam em aparecer na minha circunferencia abdominal. Quem foi que descobriu que chocolate pode diminuir a ansiedade? Podiam ter descoberto que agua e jejum são fundamentais para estados de tensão. Ou então que chupar gelo diminui nosso nível de stress. Tudo o que me acalma engorda - álcool, chocolate, pães, doces, bala de goma...Tem outra coisa que me acalma um pouco - longos banhos muito quentes, não recomendado pela maioria dos dermatologistas. Mas, antes que eu vire uma imensa uva-passa rosada, de tanto tempo embaixo d' agua, vou tentar outra alternativa. Chocolate diet? Não, para mim isto e' um contrasenso tão grande quanto churrasco de soja. Vou tentar a meditação. Trilha sonora acima...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Velhos hábitos, novos hábitos...

No passado remoto não comíamos com talheres – as mãos faziam as vezes de garfo, e os dentes, de faca. Hoje temos os talheres para escargot, para peixe, carne, artefatos especialmente desenhados para massas (alguns verdadeiras obras de arte), para sorvete, bolo, patê e por aí afora. E, como estes apetrechos vieram na esteira do desenvolvimento dos hábitos alimentares, provavelmente teremos novas e inusitadas surpresas no futuro próximo. Nos desenhos e  filmes de ficção científica do passado, que vislumbravam o novo milênio, a alimentação ou era uma recriação dos pratos vigentes, sob uma estética “futurista”, ou vinha em forma de pílulas. Simples assim – ou rosbife ou pílula de rosbife.
Mas nós não nos acostumamos com a praticidade, gostamos de complicar. Quando digo “nós”, digo a espécie humana. Ô raça com pendor para o complicado é a espécie humana. Em nossa ânsia do novo, nossa quase infinita necessidade de imitar o Criador, tentamos constantemente criar um mundo totalmente moldado à nossa forma e semelhança. E arriscamos aplicar isto aos nossos mais arraigados e rotineiros hábitos, como alimentação.

Este preâmbulo deseja nada mais do que manifestar um certo incômodo deste observador para esta que é uma das mais básicas necessidades do ser humano, nutrir-se de proteínas, carboidratos e otras cositas mas  para manter o corpo funcionando. Vejo com certa resistência (apesar de meu liberalismo gastronômico) algumas experimentações físico/químicas quando colocadas em meu prato.
Recentemente, em um festival gastronômico no Nordeste do País, um grande número de chefes se empenhou para demonstrar suas habilidades e sua capacidade de adaptação à nova corrente, que prega as virtudes da “cozinha molecular”, como se fosse possível falar de uma “cozinha imolecular”... E tome espumas, muito nitrogênio, mais espumas, pipetas com sucos quente/frio, e na foto de um prato um inusitado conta-gotas contendo algum tipo de azeite customizado, e uma explicação de como deveria ser sorvida aquela refeição. Eu disse refeição? Parecia mais uma experiência hospitalar – ou você, leitor, já imaginou algum dia ir à um incensado restaurante, e encontrar um conta-gotas no prato?
Outro prato trazia uma “poeira” de camarões. Deu-me vontade de chamar a faxineira, para limpar a  “poeira” do prato...Aliás, eu disse prato? Era uma bandeja retangular, absolutamente plana e imaculadamente branca, em cuja superfície pousavam, além da citada imatérica receita, uma linha viscosa resultante da redução de alguma coisa misturada com outra coisa – impecavelmente desenhada, diga-se de passagem! -  um montinho de brotos de bambu (os fashionistas diriam –“o broto de bambu é a nova salsinha”...) e duas caudas de camarão milagrosamente equilibradas. Fiquei pensando – como se come isto? Com os talheres usuais, não dava. Talvez faltasse um canudo, para cheirar a poeira e sorver a linha viscosa. E uma pinça para pegar os brotinhos de bambu. Ou então, suprema evolução, cheiremos a poeira com nossas narinas coladas ao prato, usando a língua diretamente para experimentar o líquido, e fazendo uso das mãos para legar o sólido à boca. Mas tudo muito pensado, executado de uma forma solene e precisa. Pois, se não realizarmos este novo ato com muita atenção, corremos o risco de pegar o conta-gotas do prato ao lado e pingar nos olhos, ouvidos ou nariz, pensando que é remédio...