food, art & spirits

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quarta-feira, 26 de março de 2014

a fada, o dente, a pasta

Alguns momentos são bastante marcantes - os quocientes surpresa + emocional conseguem provocar eventos que - espero - eu me lembrarei pelo resto da vida. Sábado passado tive um destes momentos (domingo também, mas este sairá num outro post).
Fui jantar na casa de comadre A. e compadre F., jantar marcado cedo para que Gabriel, filho destes, pudesse usufruir de nossa companhia. Na verdade, nós sempre é que usufruímos da companhia deste garoto inteligentíssimo, perspicaz e muito meigo. Fiz um prosaico penne com aspargos e presunto cru, subtraindo de minha receita original o vinho branco, pois uma criança de 5 para 6 anos jantaria conosco.
O jantar foi ótimo, papo entre amigos que se gostam (éramos seis adultos - o casal, eu, comadre C. e o "casal delícia" R&O, apelidado assim pois ambos são bonitos, agradáveis e encantadores); a massa saiu a contento, o vinho era como sempre - excelente, compadre tem ótimo gosto e ótima adega também - a sobremesa eu havia levado pronta, uma torta de limão da Casa do Pão de Queijo, cujo nome poderia ser Casa do Pão de Queijo, da coxinha e da torta de limão, pois são todos excepcionais, e tudo corria bem até que Gabriel disse que provavelmente a Fadinha do Dente iria visita-lo, pois estava com um dente mole. Era mais prudente extrair o dente mole para que ele não o engolisse, e evitar que a Fadinha ficasse desapontada.... Era o segundo dente de leite do guri, e ele já tinha um certo know-how, mas o método solicitado pelo mesmo era muito complexo. Eis que comadre C. saca um algodão não sei de onde, fala que a Fadinha herself havia ensinado o jeito certo de resolver isto, coloca a mão no dentinho mole, recita as palavras mágicas ordenadas pela tal Fadinha, e voilá - o dente já estava na mão dela, sem sangue nem nada.
Claro, Gabriel chorou um pouquinho - mais por charme do que por dor, mas nada intenso, um chorinho pedindo o colo da mãe, básico.
Mas era a primeira vez que eu passava por isso em minha vida adulta. Tive a impressão de estar participando de um momento único, como se aquele dente fosse "o dente", do qual ele iria se lembrar ao longo de sua existência, etc.etc.etc. Mas como não tenho filhos nem sobrinhos, tenho afilhados que amo e que me proporcionam momentos prosaicos e (ao menos para mim) poéticos como este. Parecia que eu tinha participado de um rito de passagem de um moleque que adoro, e que quero ver crescer e se tornar o belo homem que promete, visto que sua educação se dá de uma forma sólida, consistente e amorosa, sem dogmas nem preconceitos.
Ao chegar em casa, mais tarde, não conseguia ler nem ver tv. Fiquei matutando sobre famílias, as famílias que recebemos e as que escolhemos. A que recebi me foi subtraída de forma incisiva e precoce,  tirando minha chance de conviver com prováveis sobrinhos e/ou sobrinhos-netos, mas a vida me foi generosa concebendo-me a honra e graça de ter amigos queridos que supriram esta lacuna (e outras), mostrando-me o caminho da amizade e do amor involuntários, por opção - e não por laços de sangue -, e, talvez por isso, mais fortes e intensos.
Aos que me proporcionaram este - e outros momentos de igual teor-todo meu amor. E uma comida feita com carinho sempre que quiserem. Estou aqui para isto - para amar os que me são caros.
(foto feita pelo compadre)
Penne con prosciutto i asparaggi
(para cinco pessoas)

500 gr de penne
1 maço grande de aspargos verdes frescos
300 gramas de presunto cru em fatias
1 cebola pequena
3 dentes de alho
azeite de oliva virgem
1 colher de sopa de raspas de limão (no caso, usei sal com raspas de limão e erva doce)
1/2 copo de vinho branco seco (não usado nesta noite)
sal a gosto
pimenta do reino
queijo parmesão ralado quanto baste

Colocar uma panela grande com água para ferver (três a cinco litros).
Limpar os aspargos, verificar se a água já está fervendo, colocar um punhado de sal na panela, e colocar os aspargos em seguida. Retirar depois de 90 segundos, colocando os aspargos numa tigela com água e gelo para interromper o cozimento. Não descartar a água, por favor!!
Refogar a cebola no azeite, acrescentar o alho, colocar duas ou três fatias do presunto cru bem picadinho neste refogado, abaixar o fogo e refogar por uns 3 minutos, até que a cebola esteja dourada e o presunto crocante.
Retirar a parte inicial do aspargo (que é muito fibrosa) e corta-lo em rodelas de 1,5 centímetros aproximadamente, separando as pontas inteiras.
Colocar a massa para cozinhar por 6 minutos. Escorrer e reservar parte desta água.
Refogar o aspargo rapidamente na mistura de cebola, alho e presunto, adicionar as raspas de limão, verter o vinho branco (não gelado) na panela, mexer por uns 15 segundos, colocar a massa, uma concha pequena da água do cozimento, corrigir o sal e a pimenta, mexer por um minuto, colocar um punhado farto de parmesão ralado, mexer rapidamente e apagar o fogo.
Rasgue o presunto em pedaços, misture à massa rapidamente, polvilhar o queijo ralado restante e sirva imediatamente.

18 comentários:

  1. Essa sua história me lembrou quando ranquei o dente do meu primo, eleito por ele para tal ação.
    Leia aqui: dente de leite!

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    1. Railer (deveria ser runner...), não sei se eu teria estrutura para arrancar o dente ainda. Mas estou no processo!

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  2. Muito supimpa essa narrativa! :-) Fico feliz por você e os seus.

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  3. A perda dos dentes é realmente um momento significativo, não é? Talvez seja a primeira vez que a criança perceba o ciclo da vida. Onde morre, nasce outro. Ah, e acredita que nuca comi aspargos? Não tenho coragem de comprar, acho tão caro! Um dia hei de me permitir. Um beijo!

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    1. Marina, depende do período - as vezes eles estão lindos e não tão caros. Mas valem muito a pena - se você comprar, faça do modo mais simples - grelhados, com um molhinho de limão. Fica fenomenal.
      Abraços, e obrigado pela visita.

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  4. Me emocionei com a sua crônica de hoje! Tenho filhos, que me proporcionaram momentos inesquecíveis como este e agora tenho netos, que repetem os momentos, talvez até com mais intensidade! Família é tudo, e vc disse bem, mesmo que não seja do mesmo sangue!
    Quanto à receita... bem, toda vez que vejo no mercado um belo amarrado de aspargos frescos, fico tentada a comprar, mas pelo seu preço um tanto salgado, acabo desistindo, por não saber exatamente o que fazer com ele, e com certeza, deixá-lo envelhecendo e estragando na geladeira não é uma opção.
    Adorei a sua sugestão da massa, já tenho até o presunto cru em casa, agora (se lei de Murphy permitir), espero encontrar meu belo amarrado de aspargos para executar esta receita que deve ser tudo de bom!

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    1. Renata, obrigado. Eu adoro aspargos, depois te mando uma receita de risotto, onde até a parte fibrosa que não se come é aproveitada.
      Forte abraço!

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  5. Amei seu depoimento e esta sua experiência ... definitivamente penso q a melhor família é aquela q escolhemos por opção ... não q a natural seja ruim mas a outra é mais livre, mais soberana ... #fato

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    1. A idade nos traz estas conclusões, não Paulo?
      Abraço forte. te esperando aqui.

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  6. Que texto lindo, Wair. Fiquei comovida.
    Nem sempre a família na qual nascemos nos faz bem, nos traz felicidade. Às vezes as famílias que escolhemos desempenham esse papel lindamente. É a vida, não?
    Que gostoso vc ter podido participar desse momento do Gabriel. Fiquei aqui com saudade de quando minha irmã era pequenina.
    Bj

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    1. Patricia, minha "gurua"...rs
      Concordo totalmente contigo.
      Bjs!!

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  7. Salut ao que realmente importa!
    bjs

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  8. Refogado na sensibilidade esse teu post, hein?!? É como eu digo: em torno de uma mesa são "servidos" grandes momentos... hehehe! Hugzão, caro Wair!!!
    PS: o meu dente de leite era amarrado com linha na maçaneta de uma porta... daí chutava-se a porta... presto!!! Hahahahaha!

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    1. Fred, eu me lembro deste "modus operandi"...nunca achei digno...
      abraço imenso!

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    2. Dignidade nunca foi o meu forte... hahahahahaha! Hugzão, queridão!

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  9. Fiquei com certa peninha do menino. Deve ter doído, sim. lembro que os meus quando eram arrancados abruptamente, sempre doíam. Mas, bem, sei que esse não é foco do texto, então: olha, eu tenho uma família enorme - com quem convivo diariamente. Amigos tenho poucos. E a família deles é pequena. Só posso dizer pela minha: tem momentos bons e momentos que poderiam ser melhores. Porém, família é família, e a gente ama de qualquer jeito. Espero que seu círculo de amigos continue crescendo.

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