food, art & spirits

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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

palavras - ou almoçando fora

Estava em Recife semana passada, em um bar à beira-mar. O mar a frente era uma faixa negra junto a um céu negro, quando comecei a escrever este post. A trilha sonora do lugar era absolutamente insólita - já havia tocado Janis Joplin em uma interpretação "samba" (como conseguiram?), uma versão também pandeiro e violão de um rock de Raul Seixas, um assassinato de I Feel Good com cuíca e cavaquinho e mais uma montanha de gente estranha em versões idem. Mas em minha cabeça ecoava uma frase de Alceu Valença, que diz "lembro o flamboyant vermelho no desmantelo da tarde...". Pode ser mais bonito? Chico Buarque é outro que me irrita, com o uso de palavras lindas e inusitadas em seus versos perfeitos. Ou meu deus particular, Gilberto Gil (...eu quisera ter tantos anos-luz quantos fosse precisar, para cruzar o túnel do tempo do seu olhar...), em suas imagens de inigualável teor poético. Um poeta, escritor ou compositor de fato tem que ter o domínio de sua língua, como estes mestres. E saber como e quando usar palavras como quebranto, centelha, colo, corsário, clarear, vagarosa, impoluto, retilínea, benzedeira, elegia - e mais um infinito universo de palavras belas. 
Uma semana depois, estou em casa na minha cozinha negra como aquele céu, mas com um sol brilhando lá fora. Ouvia Cole Porter e lembrei daquela situação - Cole é outro daqueles mestres em construir frases perfeitamente inusitadas ("...even lazy jellyfish do it...) ou imagens quase fotográficas ("only you beneath the moon or under the sun...") em suas músicas. Da mesma forma, alguns chefs dominam seu vocabulário - no caso os ingredientes - e constroem pratos fantásticos, originais, únicos. Admiro quem consegue utilizar barba de milho numa receita construindo um prato singular e perfeito, assim como Chico fez utilizando proparoxítonas para terminar todas as frases da linda Construção, de tal forma perfeitas que podem ser substituídas ao longo da letra sem prejuízo da poesia. Mas nem sempre precisamos de palavras complexas para construir frases lindas como esta,
 Carlos Drummond de Andrade
ou de ingredientes sofisticadíssimos e técnicas de cocção complexas para o prato perfeito. E hoje neste dia solar, repeti "de lembrança" uma receita de Chicken Salad que experimentara há muito, em Nova York, e ela ficou à altura da original, apesar de minhas liberdades com os ingredientes. Um Pinot Grigio gelado e o dia claro me inspiraram a levar o almoço para o terraço, levando o termo "almoçar fora" a uma literal interpretação.


Enquanto terminávamos o segundo prato - uma pasta com legumes grelhados,

ao fundo, Maverick Sabre 

derramava sua voz estranha em versos simples, palavras simples, e a tarde lentamente se deixa seduzir pelas cores da noite, exibindo um céu em tons de verde-malva, magenta,  carmesim e uma fina faixa azul-cerúleo. Um céu feito de belas palavras.
Chicken potato salad (para 2 pessoas)
meio peito de frango cozido e desfiado
200 gramas de batata bolinha
1 cebola grande
1 alho poró
8 azeitonas verdes picadas grosseiramente
1 punhado de salsinha picada
1 colher de sopa de coalhada seca
azeite a gosto
1 colher de sopa de raspas de limão
1 colher de chá de mostarda
1 colher de chá de suco de limão
Corte as batatas ao meio e cozinhe com casca, não deixando extremamente cozidas. Pique o alho poró em fatias finas, coloque num bowl e adicione as batatas cozidas ainda quentes. Enquanto isto, refogue a cebola em azeite até quase queimar. Misture a coalhada, o suco de limão, a mostarda, pimenta do reino moída e azeite. Adicione este molho às batatas, acrescente os ingredientes restantes, misture e sirva ainda ligeiramente morno.



20 comentários:

  1. ainda bem q sou magrinho ... pois a cada post seu eu levanto do pc e vou atacar a geladeira ...

    Cole Porter abre ou aumenta qualquer apetite querido ... coisa fina ...

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  2. Cole Porter... Adoro ouvir Let's do it. Sinto vontade de ter um par de sapatos de sapateado e sair saltitando.

    Diferente do Bratz, preciso me amarrar, pois se eu for fazer toda receita que meus olhos vêem, viro uma Dona Redonda correndo o risco de explodir.

    Mas me deu fome... rs

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  3. Assim... favor dobrar a receita e "desdobrar" os comensais. Só 1/4 de frango e 100g de batata, pra mim? E 4 "tubinhos de macarrão"? Gostoso como parece estar, é pecado até, uma porção tão pequeninha! ;-)

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  4. De deixar todos os sentidos alerta...wow!

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  5. Wair.. nunca sei se gosto mais dos pratos/apresentação deles, que voce faz ou da maneira como escreve. Tudo é apetitoso.
    Vc vai ter dificuldades para escolher os pratos quando blogsville baixar na sua porta...rsrrs
    Gosto muito do Chico e do Gil... Cole Porter é "hors concours". Mas, frases bonitas com palavras simples também me encantam.

    Abraços

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    1. Quando Blogville baixar a minha porta, farei uma feijoada pernambucana. Agrada a gregos e troianos...bjs!

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  6. Dessa vez voce me convenceu ! Vou para cozinha fazer o chicken salad!
    Bjs

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  7. Wair:

    Amo vir aqui e sentir esta atmosfera sempre lúdica, gastronômica e altamente especial.

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  8. que almoço bacana, hein. deu água na boca.

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  9. Eu fico aqui no meu cantinho saboreando através da minha imaginação.

    Você escreve com sutileza e maestria, da mesma forma como apresenta

    seus pratos. Estou "babando"...

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  10. Phyno, phyno e phyno! Quando eu crescer quero ser que nem você... hehe! Lindura de almoço e de soundtrack, claro! Hugzão!

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  11. Ninguém, como vc, me lembra tanto este trio: palavras bem empregadas, comidas bem feitas e apetitosas e músicas sublimes.
    Eu daqui fico "te adorando pelo avesso", tem expressão mais linda!
    Vou lhe mandar um mimo, guloso com vc é, vai devorar numa sentada.
    Vc estará em São Paulo na próxima semana?
    Vou enviar para o endereço do gabinete d, ok?
    Aquele abraço
    Mia

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